Rapaz baleado faz apelo para que rapaz com quem namorava apareça para depor
Rio - O jovem que estava com o estudante de Direito D., 19 anos — agredido e baleado, domingo, no Parque Garota de Ipanema, no Arpoador —, é considerado peça fundamental para descobrir quem são os três homens, que se identificaram como militares e foram responsáveis pela brutalidade. Ontem, o estudante e sua mãe fizeram um apelo para que o rapaz apareça. D. contou que conhecera o jovem pouco antes, na Parada Gay de Copacabana, e que não tem mais informações sobre ele.
Abraçado à mãe, D. espera ajuda de testemunhas para identificar agressores | Foto: Severino Silva / Agência O Dia
O delegado Fernando Veloso, da 14ª DP (Leblon), afirmou que o depoimento de testemunhas pode ajudar a elucidar o caso. “D. estava lá com dois amigos e o rapaz que havia conhecido na festa. Tinha mais gente no parque. O depoimento de outras testemunhas é importante para dar legitimidade ao que a vítima contou. Quem estava lá pode fazer seu papel de cidadão e ligar para o Disque-Denúncia (2253-1177), para a delegacia (2332-2866) ou entrar no site da Polícia Civil, no link do Dedic”, disse o delegado.
Terror psicológico
O estudante lembrou ontem os momentos de medo: “Não achei que pudesse ser baleado. Pensei que era um terror psicológico. Eles já haviam me liberado, mas depois me mandaram voltar. Eu não implorei por nada e me jogaram no chão. Quando disse que meus pais sabiam que sou gay, gritaram que eu era uma vergonha e atiraram”.
Veloso convocou o estudante para novo depoimento amanhã, quando o Exército entregará à polícia uma lista dos militares que estavam de plantão no Forte de Copacabana na noite de domingo. O delegado espera que o rapaz reconheça nas fotos os agressores. Na 14ª DP, D. afirmou que o trio usava fardas camufladas e apontou um modelo azul numa página na Internet.
Ontem, policiais fizeram uma varredura no parque, mas não conseguiram encontrar fragmentos de bala. Como o projétil não ficou alojado na barriga do jovem, não se sabe o calibre da arma usada no crime. O Exército informou ontem que o comando do Forte de Copacabana abriu um Inquérito Policial Militar para apurar o caso.
Abalada, a mãe do jovem afirmou que o ataque a seu filho não pode ficar impune. “Sendo do Exército ou de outro batalhão, as pessoas que cometeram esse crime por um motivo torpe como esse merecem punição. Meu filho alterna euforia e tristeza. Se ficar sozinho, chora. Graças a Deus, ele está vivo”.
Nova peça pode ajudar investigação
Uma testemunha procurou ontem a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos para pedir orientação e denunciar os agressores do estudante D.. Segundo o superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos, Cláudio Nascimento, a testemunha, que vai prestar depoimento à polícia, confirmou que se tratavam de militares do Exército.
“Cerca de 15 pessoas estavam na área onde aconteceu o fato. Essa pessoa viu as agressões e o disparo. É muito triste. A vida do rapaz quase foi interrompida por causa do preconceito e da intolerância, mas a atitude da família de denunciar demonstra que estamos em outro momento”, afirmou Cláudio.
Amigo diz que homossexuais são extorquidos no parque
O estudante R., melhor amigo de D., estava no parque e também irá à delegacia. Ele contou que costuma ir ao local, onde homossexuais seriam extorquidos por policiais.
“Ali é lotado de gays a qualquer hora. Todos sabem disso. Muitos até usam o local para fazer programas, principalmente com turistas. Às vezes ocorre de os policiais xingarem e mandarem sair, mas o normal é chantagear. Eles pegam os que não são assumidos e pedem dinheiro. Agora, isso que aconteceu ao D. é a primeira vez”, ponderou R..
O rapaz revelou que o principal local de extorsões seria uma gruta no parque, onde casais costuma namorar. Ele contou que estava próximo à pista de skate, enquanto D. estava com outro jovem na gruta. R. disse não lembrar a cor da farda dos militares.
Farda azul é usada em ações táticas
A farda apontada por D. é utilizada pelo Exército em ações táticas, segundo oficiais que estiveram na 14ª DP. Ontem, o Comando Militar do Leste informou que esse tipo de uniforme não é usado no Forte de Copacabana.
O delegado Fernando Veloso acredita que, a partir de amanhã, com novos depoimentos, a investigação avance. “A farda foi levantada pela Internet, mas o Exército afirma que os soldados que fazem patrulhamento daquela unidade não usam. Segundo eles, o azul é para ações especiais”, explicou.
O delegado afirmou que ainda é cedo para descartar qualquer hipótese, mas destacou que, por enquanto, não cogita a participação de policiais militares no crime.
Entrevista
D., 19 anos, estudante baleado no Arpoador
1. Você efetivamente viu a farda na cor azul? Consegue reconhecer o home que o baleou?
— Tenho 90% de certeza de que a farda era azul. Acredito, sim, que se puder ver as fotos consiga reconhecer. Eles me perguntaram se eu sabia que ali era uma área militar. Sabia que não, mas não disse nada. Eles é que disseram ser do Exército.
2. Havia cerca de 15 pessoas perto de você na hora, todas homossexuais. Houve alguma discussão ou briga que motivasse a ira dos militares contra você ?
— Não. Não sei por que apenas eu fui empurrado e baleado. Acredito que eles tenham me considerado abusado. Eu era o único que não chorava ou pedia ‘pelo amor de Deus’. Levei o tiro quando disse que eles poderiam ligar para a minha casa já que meus pais sabiam de minha opção sexual.
3. Há quanto tempo você descobriu ser gay? Desde então já sofreu preconceito?
— Desde pequeno. Nunca senti atração pelo sexo oposto. Contei aos meus pais com 12 anos. E mesmo na escola nunca sofri nada semelhante. Sempre me respeitaram muito.
4. O que mudará a partir de agora?
— Ainda não sei. Estou com muito medo dessas pessoas. Por mim, nem na delegacia eu iria. Minha mãe me obrigou. Entendo agora o que é passar por isso, mas entendi também que é a coisa certa a fazer. Um crime dessa natureza não pode fica impune.
0 Comentários