A cidade acabou’, conta morador de Nova Friburgo



Chuvas arrasaram a Região Serrana do Rio / Crédito: Reprodução de TV
O Globo
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RIO - A mais forte chuva que caiu sobre Nova Friburgo nas últimas décadas, segundo relatos dos moradores mais antigos, deixou um cenário de devastação pela cidade nunca visto, sobretudo no Centro, e um número assustador de mortos: 107. O pesadelo começou de madrugada e se estendeu por todo o dia, com a cidade totalmente isolada, sem energia elétrica e sem telefonia. Com a chuva que começou à tarde e se intensificou de madrugada, encostas de morros e montanhas que contornam o Centro desmoronaram, soterrando prédios, lojas, ruas inteiras e casas de classe média e média alta. A Defesa Civil confirmava, na noite desta quarta-feira, as mortes, apesar das condições precárias de informação.

— A cidade acabou — resumiu o morador Carlos Damásio, delegado de polícia aposentado. — Vários prédios desabaram. Perto do Fórum há muitas casas caídas e gente nas ruas. Estou tentando descobrir como estão os acessos porque quero ir logo para o Rio.

( Veja imagens dos estragos na Região Serrana após a chuva )

Centro de Nova Friburgo (Foto: Marcos de Paula / AE)

O Rio Bengala, que corta a cidade de cerca de 190 mil habitantes, transbordou e as águas não baixaram. Carros, ônibus e caminhões foram arrastados pela enxurrada, e ruas que concentram comércio, bancos e residências viraram rios de lama. Segundo o administrador Bruno Thurler, anos, a água subiu cerca de dois metros.

— A situação é arrasadora. A gente não sabe onde é rua, onde é calçada. Estamos trabalhando sem parar, tirando lama, e parece que não fizemos nada — disse o aposentado Humberto Fontão, de 76 anos, que acordou com a enxurrada na porta de sua casa, numa vila perto do Centro, e viu sua cama ser coberta pela enchente.

Como ele, moradores passaram o dia tirando móveis e objetos pessoais da lama e, sem luz nem telefone, também sofriam com a falta de informações.

Em um dia, toda a chuva de um mês

Segundo o Inmet, em 24 horas — das 9h de terça-feira até as 9h de quarta — choveu em Friburgo 180mm, praticamente o esperado para todo o mês de janeiro. De acordo com o Climatempo, apenas entre as 2h e as 3h da madrugada choveu 60mm (um temporal de 25mm por hora já é considerado forte).

A região do Centro foi duramente castigada. A Praça do Suspiro, ponto turístico da cidade, foi tomada pela lama. Por trás do teleférico, a terra desceu e invadiu a igreja de Santo Antônio. A piscina, a quadra e toda a área de lazer de um hotel desapareceram sob as águas. A avenida principal, a Alberto Braune, virou uma alameda de barro. De uma das casas que ficaram soterradas, apareciam apenas a porta e uma janela. Com o comércio fechado e sem transporte, as pessoas tinham dificuldade de comprar água e comida. Muitos postos já estavam sem combustíveis, de acordo com moradores.

( Vídeo: sobrevoo nas áreas atingidas )

O principal hospital público, o Raul Sertã, municipal, também ficou alagado, o que tornou crítico o atendimento aos feridos. Um hospital de campanha foi montado na sede da prefeitura. Também atingido por uma encosta, o maior hospital particular de Friburgo, o São Lucas, também teve o atendimento afetado. Informações não confirmadas indicam que uma escola foi usada para concentrar os corpos das vítimas.

Petrópolis (Foto: AFP)

A falta de informações, piorada pela pane no fornecimento de energia e boa parte dos telefones, tanto fixos como os celulares, deixou muitas pessoas sem saber se seus parentes e amigos estavam bem.

— No bairro São Geraldo tem muita gente morta, não sabemos como estão parentes e amigos. Para chegar lá, tem que nadar na lama. Até no Centro está difícil de andar, pontes caíram, está feia a coisa. Prédios caíram. As pessoas estão tentando tirar os que estão embaixo da terra. Desde cedo, quem pode está cavando para ajudar. Está todo mundo arrasado. Os ônibus não passam. Não tem como ir para alugar algum. Temos que ir a pé, não tem ônibus — contou a costureira Cleuma Borges, que teve que fazer uma longa caminhada, do Centro ao bairro São Geraldo, para saber notícias de seus familiares.

“Caíram prédio, casas, tudo”

Chorando, o médico Mário Bonin disse que as pessoas estão em choque. Ele orientou seus vizinhos a ficar em casa:

— Meu vizinho está morto. Na Rua Cristina Ziede, caiu tudo. Já se sabe que morreram 12 pessoas numa rua só. Caíram prédio, casas, tudo o que era do lado onde tinha barranco, caiu tudo. Tem muitos helicópteros voando. Estamos com tudo parado, sem telefone, água, energia, internet. Não temos como circular. Meu irmão é engenheiro e está tentando resgatar uma pessoa sob uma laje de concreto. Não sabemos se amigos ficaram feridos ou mortos.

A professora Lucieni de Oliveira, de 50 anos, que mora no Centro, relata que as pessoas estão muito tristes, desoladas, e com medo de que novas chuvas causem ainda mais estragos:

— Não temos sinal de nada, nem de celular. Muitos resgates, muitos corpos acontecem o tempo todo. O local que a minha filha trabalhava acabou. É um quadro terrível. Da minha janela ouço barulho das barreiras caindo. Prédios bons, antigos, foram abaixo.

No bairro de Olaria, onde um prédio de três andares desabara na tarde de anteontem, o trabalho de busca aos desaparecidos continuava. Um homem e uma criança morreram.

A última grande cheia do Rio Bengala ocorreu no Natal de 1996. De acordo com moradores, a enchente de ontem superou a de 14 anos atrás, apenas comparável à cheia de fevereiro de 1979.

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