Festejada quase por unanimidade em novembro de 2010, a ocupação militar no Complexo do Alemão vai trocando elogios por críticas à medida que se aproxima seu primeiro aniversário. O presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro, Wadih Damous, é um dos que realizam essa transição.
- A prorrogação da permanência do Exército lá já não está dando certo. Está mostrando a necessidade de implantação, o mais rápido possível, da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). O Exército não tem tido uma boa relação com os moradores, está funcionando mais como uma força de ocupação do que como uma força de pacificação - opina Damous.
O representante da OAB cobra ainda que os moradores opinem sobre as políticas de segurança.
- Eles é que sabem das suas necessidades, não podem ser tratados como estão sendo. Dizer que baile funk é igual à tráfico de drogas, isso é um absurdo. O que nós podemos dizer dos bailes da zona sul? Então, eles não podem continuar sendo vítimas dos mesmos preconceitos que levaram aquela parte da cidade a ficar, durante tantos anos, dominada por bandos armados.
Damous condena o prolongamento da permanência dos militares. "Não é papel do Exército, que não é força policial. E normalmente, quando o Exército começa a funcionar como força policial, acaba não dando certo", avalia.
Ele, entretanto, constata um problema causado pelas UPPs: a desigualdade entre as favelas.
Cena da ocupação do Complexo do Alemão pelo Exército
(foto: Jadson Marques/ Futura Press)
Leia a íntegra da entrevista.
Terra Magazine - Como o senhor avalia o retorno dos tiroteios no Complexo do Alemão nesta semana?
Wadih Damous - Isso mostra que a prorrogação da permanência do Exército lá já não está dando certo. Está mostrando a necessidade de implantação, o mais rápido possível, da UPP. O Exército não tem tido uma boa relação com os moradores, está funcionando mais como uma força de ocupação do que como uma força de pacificação, não ocupou todos os setores daquela região, que é extremamente grande, com muitas saídas, muitas vielas. E, nesse vácuo da relação inamistosa do Exército com a população e de uma boa parte do complexo não estar ocupada, os bandidos se aproveitaram.
Os moradores deveriam ser ouvidos sobre a política de segurança no local?
Sem sombra de dúvida. Até para o êxito da implantação da UPP, os moradores têm que ser ouvidos. Eles é que moram lá, eles é que sabem das suas necessidades, não podem ser tratados como estão sendo. Dizer que baile funk é igual à tráfico de drogas, isso é um absurdo. O que nós podemos dizer dos bailes da zona sul? Então, eles não podem continuar sendo vítimas dos mesmos preconceitos que levaram aquela parte da cidade a ficar, durante tantos anos, dominada por bandos armados.
O senhor cobra com urgência a implantação da UPP no Complexo do Alemão. Na sua opinião, por que ela ainda não ocorreu?
Não, de fato não é algo fácil. Diferentemente de outras favelas cariocas, ali é uma região complexa e grande. É muito grande. Ali, para que efetivamente uma implantação dê certo, haverá a necessidade de milhares de policiais. Agora, o que está se demonstrando efetivo é que não se pode simplesmente ficar contando com sucessivas prorrogações da permanência do Exército. Aliás, não é papel do Exército, que não é força policial. E normalmente, quando o Exército começa a funcionar como força policial, acaba não dando certo. Já tivemos outras experiências no Rio de Janeiro e em outros lugares do Brasil, e mais uma vez o Alemão está demonstrando que o Exército não foi concebido para ser polícia.
Em novembro, alegou-se uma situção de emergência para a entrada do exército. Na sua avaliação, essa operação não deveria ter acontecido?
Isso, numa situação de emergência. Nós não estamos mais numa situação de emergência. Já tem quase um ano de ocupação.
E deveria ter ocorrido o quê, no caso de não ser possível a implantação de uma UPP, que o senhor reconheceu que é muito difícil? Havia outra solução?
Aí tem que ter a palavra de um especialista, e eu não sou. Estou falando aqui como cidadão, como observador. Está demonstrando que não dá certo o Exército, obviamente eu não estou propondo a retirada do Exército. Estou sugerindo, propondo e esperando que se implante imediatamente a UPP. Agora, quando vai ser implantada, se não for implantada, aí efetivamente quem pode responder melhor sua pergunta são as autoridades de segurança pública aqui do Rio.
O Rio de Janeiro possui mais de mil favelas e centenas delas apresentam esse mesmo problema. Só existem 18 UPPs, que atendem a 23 favelas e 280 mil pessoas. Qual é sua visão sobre isso?
Esse é outro problema, porque acaba gerando, no âmbito do universo das favelas, uma situação de desigualdade. As favelas com UPP, com investimentos sociais, com serviços públicos e as favelas sem UPPs, dominadas por bandos armados, sem saneamento básico. Esse é um problema que também as autoridades do Estado do Rio de Janeiro terão que enfrentar.
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