Toda terça, Gerônimo se apresenta na escadaria da Igreja do Passo
Atrativos discretos tornam o Pelourinho um lugar para
entendidos. Aqueles que sabem circular sobre as pedras do tipo cabeça de
nego, que calçam as ruas, encontram sofisticação na simplicidade do
cotidiano desse Patrimônio da Humanidade, classificado assim em 1985,
pela Unesco. Sem poder se referir a todos, A TARDE selecionou alguns: um show em uma escadaria, um restaurante em um sobrado, uma loja de discos e livros alternativa, uma escola de dança que não para e a sorveteria de um francês com gostos exóticos.
Toda terça-feira, das 19h às 22h, Gerônimo se apresenta na escadaria da Igreja do Passo, onde Anselmo Duarte filmou O Pagador de Promessas (Palma de Ouro em Cannes, 1962). O cantor faz uma ponte entre o passado e o presente, sem folclore, como um tradutor da cultura que fez a fama boa da Bahia e transita por ela, intimamente. O show é de graça, em todos os sentidos.
“Qualquer pessoa pode subir no palco e falar o que quiser”, institui o cantor, com o mesmo espírito democrático que o levou a se candidatar à Câmara de Vereadores, na eleição passada. A banda completa tem dez pessoas tocando há 8 anos, com satisfação. Pagos mesmo só os técnicos que armam o palco e o som, e o aluguel de equipamento e coisas assim.
“O pessoal dança o tempo todo e nunca houve violência”, exibe-se Gerônimo, que encarna a Bahia nessa hora em que dialoga com a comunidade frequentadora do seu show. Depois do espetáculo, os próprios moradores limpam a área, diferentemente do que acontece em outros locais, como o Largo do Porto da Barra, que dorme sujo para ser varrido quando os garis chegam lá pelas 7 horas.
“Os hotéis que circundam a escadaria tem clientes que voltam para participar do show que eu faço. Eles fazem reserva até quarta-feira pra não perder a terça”, exibe-se, de novo, o rei do Centro Histórico. Gerônimo se instalou ali, onde cresceu e se criou, porque sentiu que o lugar era praticamente um teatro pronto, por conta do côncavo que as ladeiras e os prédios históricos constroem. O som não abala as estruturas dos sobrados seculares porque nada é estridente, muito pelo contrário, é bem “cool”.
“É um espaço que não era utilizado. Eu até tirei alguns hábitos do local, como o de ficar enlixeirado. Isso não existe mais. Hoje a comunidade mantém a ladeira limpa”, informa. “Eu aqueço o mercado do Carmo. Mais de 20 famílias fazem a sua economia a partir desse meu show”, gaba-se Gerônimo, que também não ganha nada, a não ser a alegria por estar ali, cantando e dançando para uma escadaria lotada. São afoxé, salsa, balada e até pagode, a depender da “circunstância ou momento”.
O compositor diz que, do palco, reconhece frequentadores. Volta e meia é visitado por gente que gosta dele e da área, como Caetano Veloso, Regina Casé, Armandinho, Mariene de Castro, Luiz Caldas, Raimundo Sodré, Eduardo Araújo, fora os internacionais. “Músicos de Israel que estavam circulando, viram que era uma jam e se aproximaram”, diz o autor de obras clássicas como É D’Oxum e Eu Sou Negão.
O show é aberto com um xirê (reverência a orixás). Eventualmente, há até quem sirva caruru. “Oseás e Bel Emplacamentos – para não dizer Bell do Chiclete, porque este nunca foi lá... (risos) – fizeram um de Cosme, com 3.500 quiabos”, exulta Gerônimo, que já ampliou o repertório, com Fogo e Paixão, de Vando; Marina e Das Rosas, de Caymmi; Como uma Onda no Mar, de Lulu Santos; e outra
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