O projeto da Lei Geral da Copa, encaminhado à Câmara dos Deputados pelo
Poder Executivo, ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional e já
enfrenta questionamentos sobre a sua constitucionalidade. Um artigo em
especial, tem causado preocupação entre entidades de defesa dos
interesses de comerciantes, de consumidores e de juristas.
O artigo 11 do texto trata da restrição do comércio de produtos e de
publicidade nas áreas em torno dos estádios e principais vias de acesso
aos eventos esportivos. O artigo determina que a União, os estados e
municípios que sediarem os jogos da Copa devem assegurar que a Federação
Internacional de Futebol (Fifa) tenha exclusividade para “divulgar
marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de
produtos e serviços”, além de atividades de comércio de rua nos Locais
Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.
O parágrafo único do artigo diz ainda que os limites dessas áreas de
exclusividade serão definidos posteriormente pela autoridade competente
“considerados os requerimentos da Fifa”.
O trecho foi mantido pelo relator da matéria na Câmara dos Deputados,
Vicente Cândido (PT-SP), e recebeu parecer favorável no que se refere à
sua constitucionalidade no substitutivo apresentado por ele na comissão
especial que analisa o assunto. No entanto, juristas e entidades de
defesa do consumidor e dos comerciantes, alegam que a lei irá obrigar os
estabelecimentos comerciais que estiverem instalados próximos aos
estádios a venderem apenas as marcas patrocinadoras do evento esportivo.
Para o professor de direito constitucional da Universidade de Brasília,
Mamede Said, é “inadmissível” que um comerciante seja obrigado a deixar
de vender determinadas marcas ou produtos por causa dos jogos da Copa do
Mundo. Na opinião dele, o artigo fere o direito à liberdade de
exercício de profissão e contraria outras leis já existentes, como o
Código de Defesa do Consumidor. “As relações de consumo têm que ser
respeitadas”.
O professor defende que algumas exigências polêmicas da Fifa sejam
negociadas pela autoridade brasileira sem serem incluídas na lei, porque
isso abriria precedentes que podem ser questionados juridicamente
depois. Para ele, o ideal seria que o poder público conseguisse uma
conciliação, em que todos cedessem, inclusive a Fifa.
Mas, caso um acordo não seja possível e a lei seja aprovada da maneira
como está, Said acredita que a saída para os comerciantes será
questionar a nova lei juridicamente. “Em relação ao comércio que já está
estabelecido, é inviável, descabido que ele tenha que deixar de vender
seus produtos. Ele [comerciante] pode até buscar [seu direito] junto ao
judiciário”.
Também em busca de um acordo que modifique o artigo, a Confederação
Nacional do Comércio (CNC) aguarda o fim do recesso legislativo, no
próximo dia 2 de fevereiro, para procurar a comissão especial da Câmara.
O diretor da CNC, Alexandre Sampaio, no entanto, diz que se não houver
uma saída de “bom senso”, a solução será questionar a
constitucionalidade da lei.
“A princípio, esperamos a volta dos trabalhos legislativos para
dialogarmos e dizermos à comissão que somos peremptoriamente contra esse
tipo de imposição. É um absurdo nos vergarmos a esse tipo de exigência.
Somos totalmente contrários e, se for o caso, vamos questionar isso
judicialmente”, declarou em entrevista à Agência Brasil.
Para Sampaio, que também presidente a Federação Nacional de Hotéis,
Bares, Restaurantes e Similares, da maneira como está, o texto viola
direitos adquiridos historicamente. Ele acredita que o artigo não deixa
margem para dúvidas e obrigará os comerciantes a venderem os produtos
determinados pela Fifa. “Do jeito que está, ele é totalmente
impositivo”.
A insatisfação com a possibilidade de restrição nas vendas e publicidade
de produtos e serviços também atinge o Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor (Idec). Representantes do instituto chegaram a participar
de uma audiência pública na Comissão Especial para discutir a proposta.
No entanto, os argumentos contrários a este e outros trechos do projeto
apresentados pelo advogado Guilherme Varella, do Idec, não foram
considerados pelo relator em seu substitutivo.
Além de considerar que o texto fere o direito de escolha do consumidor,
Varella alerta que este e outros artigos do projeto de lei são
conflituosos com a legislação brasileira, em especial o Código de Defesa
do Consumidor (CDC). Na opinião dele, isso irá gerar impasses judiciais
que só serão resolvidos quando não houver mais como ressarcir o
prejuízo causado ao consumidor.
“Você vai ter o CDC dizendo que o consumidor tem direito e a Lei Geral
da Copa dizendo que não tem. Isso vai criar um conflito de normas que
provavelmente só vai ser resolvido depois que a Copa já tiver acabado.
Aí, o prejuízo fica para o consumidor e para o Judiciário brasileiro”,
alerta o advogado do Idec.
Varella lembra que em alguns eventos privados, como festivais de música,
é comum que só vendam produtos dos patrocinadores, mas diz que o mesmo
não pode ocorrer fora do local do evento. “Tudo bem que em eventos
particulares se determine os fornecedores. Mas esse artigo diz que não é
só nos estádios que vai ser assim. Ele diz, também, que no entorno e
nas vias de acesso os produtos devem ser dos patrocinadores”, aponta o
advogado. Isso caracteriza, na opinião dele, uma violação “imensurável”
dos direitos do consumidor.
E não é só a liberdade de escolha dos cidadãos que preocupa o Idec, mas
também o aumento de preços que a restrição pode gerar. Varella explica
que a falta de concorrência deverá inflacionar os preços dos produtos
que serão vendidos nas imediações dos estádios, o que prejudicará os
consumidores de menor poder aquisitivo. “A concentração desse mercado
vai fazer com que esses produtos tenham valores muito altos. Os
consumidores estrangeiros, que têm maior potencial aquisitivo, não vão
sentir tanto os efeitos. Mas o consumidor brasileiro vai ficar
excluído”.
Autor do projeto original, o Ministério do Esporte informou por meio de
sua assessoria que o texto foi amplamente discutido antes de ser enviado
ao Poder Legislativo e que agora está em debate na Câmara. Até a
publicação desta reportagem, ninguém do ministério comentou as críticas
apontadas.
O relator da matéria na comissão especial, deputado Vicente Cândido,
também não quis se pronunciar. Sua assessoria de imprensa informou
apenas que ele está negociando um novo substitutivo que deverá ser
apresentado nos próximos dias.BocãoNews
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