Pânico em Salvador-Veja como aconteceu em 2001




A polícia promove a anarquia nas ruas
e a bandidagem
aproveita enquanto o
governador viaja para fazer política
o 

Imagens do caos: enquanto policiais fazem baderna no quartel, políticos sobem no palanque, longe da confusão
Na semana passada, ladrões e desordeiros estavam à vontade em Salvador. Seis agências bancárias e quarenta ônibus foram assaltados só na quinta-feira. Dezenas de lojas tiveram os estoques saqueados. Centenas de encapuzados, muitos usando uniforme da Polícia Militar, rodavam pela cidade exibindo armamento pesado. Um grupo desses chegou a desfilar pelos corredores de um shopping, aterrorizando comerciantes. Cidadãos em pânico corriam de um lado para o outro, com medo de arrastões, de tiroteios e dos mascarados. Algumas pessoas saíram armadas, dispostas a se defender a bala na hipótese de assalto. Emissoras de rádio apelavam para que a população não saísse de casa. Os bancos e o comércio fecharam as portas. Empresas de transporte reduziram o serviço ao mínimo. A preocupação com parentes e amigos levou muita gente ao telefone. Um aumento de 60% no total de ligações tirou aparelhos do ar por quatro horas e isso deu origem a um boato sobre sabotagem no sistema. O corpo de um homem morto a tiros ficou horas estendido numa passarela sobre uma das principais avenidas de Salvador. A média de homicídios a cada 24 horas aumentou de três para dez casos. Pior: em cidades em torno da capital, o cenário era idêntico.
Na manhã de quinta-feira, enquanto a balbúrdia crescia, os homens mais poderosos da Bahia estavam a 500 quilômetros de Salvador, fazendo política no sul do Estado. O governador, César Borges, e uma dupla de senadores pefelistas, Paulo Souto e Waldeck Ornélas, foram a Ilhéus para o pré-lançamento de um programa agrícola do governo federal. O presidente Fernando Henrique Cardoso irá à região dentro de uma semana, para apresentar oficialmente esse programa. Embora não suba mais em palanques governistas, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães arrastou toda sua turma até Ilhéus para faturar com o anúncio antecipado dos benefícios aos agricultores. Foi só depois dessa cerimônia que o governador e sua trupe trataram da segurança dos baianos. De lá o grupo partiu para Brasília, para tornar oficial um pedido de ajuda ao Exército para a contenção da baderna e do pânico em Salvador. Àquela altura, já havia moradores da cidade pedindo socorro até em telefonemas para o escritório local de VEJA.
"Não tenho mais a quem recorrer", dizia a comerciária Maria Cristina dos Santos, sentindo-se ameaçada por uma tropa de encapuzados. Em greve desde a semana anterior, exigindo aumento de 100% nos salários, os policiais militares da Bahia tornaram-se o principal motivo de insegurança na capital. O salário é de 575 reais. "O pior do Nordeste", diz o presidente do Sindicato dos Cabos e Soldados, Crispiniano Daltro. Antes da mobilização, o governo prendeu líderes do movimento, o que exasperou os soldados. Primeiro, eles desafiaram o governador decretando uma paralisação para forçá-lo a oferecer mais que os 14% propostos no começo da negociação. Depois, ganharam a adesão dos policiais civis, bombeiros e vigilantes bancários. Em seguida, diante da hesitação de Borges – que demorou a pedir oficialmente a ajuda de tropas federais –, 800 deles tomaram três quartéis, armaram-se com fuzis e escopetas e constituíram milícias para assustar a população. Só na manhã de sexta-feira, quando 24 quartéis já estavam nas mãos dos amotinados, esse clima de anarquia pareceu diminuir. Depois de uma noite inteira de saques e desordens, principalmente na periferia, os primeiros soldados do Exército começaram o patrulhamento.
Os problemas do governo baiano, porém, estavam longe de ter um final. Professores, fiscais de trânsito, funcionários da Justiça e motoristas de ônibus também estavam em greve na sexta-feira, uns por aumento de salário, outros para não enfrentar a insegurança nas ruas. O comércio ficou fechado. O Banco Central determinou que as agências de Salvador só reabrirão quando a situação estiver controlada. O governo estadual decretou ponto facultativo nas repartições públicas. No presídio Lemos de Brito, onde os presos estavam sem banho de sol fazia cinco dias por falta de policiais para vigiá-los, iniciou-se uma rebelião. Dos 29.000 PMs baianos, só os coronéis e uns poucos oficiais abaixo deles não se envolveram na greve. Paralisações de policiais aconteceram também nas cidades do interior. O general Edson Sá Rocha, chefe do comando militar do Nordeste, anunciou que não atacaria as tropas amotinadas e só restou ao governador mandar cortar a água e a luz dos quartéis. "O que podemos fazer é esperar que eles desistam do movimento", resignava-se a secretária de Segurança Pública, Kátia Alves.http://veja.abril.com.br

Postar um comentário

0 Comentários