Escândalo: Grilagem de terra em área nobre de Lauro de Freitas


A demissão da funcionária Ivania Maria Rodrigues do Cartório de Registro de Imóveis da comarca de Lauro de Freitas, na última terça-feira (23), trouxe novamente para a pauta uma disputa pelo direito de posse da valorizada localidade Km “0” da Estrada do Coco.

Ivania foi demitida por decisão do Conselho da Magistratura. O corregedor Antônio Pessoa Cardoso julgou procedente a acusação de que ela violou os deveres funcionais estabelecidos na lei de organização judiciária, além de não ter tido zelo no cumprimento dos deveres funcionais da então servidora.

A funcionária deixou de atender uma “ordem superior” para vincular um protesto feito pelos representantes de Alexandre Teles Menezes em uma escritura de propriedade de terra aberta e certificada por ela enquanto oficial de registro geral de imóveis da Comarca da cidade.

Duas pessoas disputam o direito sobre o terreno. Contudo, os documentos obtidos pela reportagem do Bocão News demonstram que desde 1971, Alexandre Teles possui o “domínio útil” da localidade. Já Maria de São Pedro, que entregou uma procuração ao policial militar Paulo Roberto Amorim, alega ser herdeira das terras.


O problema é que a matrícula (registro) dessas terras em nome de Maria de São Pedro data de 2010 foi oficializada pela agora demitida Ivania Maria em um processo que está sendo alvo de questionamento por parte dos advogados de Alexandre. A ação ainda tramita na justiça baiana.

As acusações giram em torno de uma suposta quadrilha que estaria “grilando” as terras. Ainda dentro das argumentações de Alexandre, este grupo integra diversas pessoas que já respondem a uma ação criminal.

Diante da incerteza da propriedade, as terras não deveriam ser colocadas à venda. Não sem que a recomendação da magistrada para constar na matrícula o protesto. Este é um recurso que demonstra para um interessado de boa-fé que o terreno é alvo de disputa judicial e, portanto, existe uma insegurança no processo. Com a recusa da então servidora alguns lotes foram vendidos.

Propriedade

Pesa favoravelmente a Alexandre o fato de que há mais de 20 anos ele recebe aluguel dos estabelecimentos comerciais instalados na região e que apenas em 2007 aconteceram os primeiros questionamentos por parte de locatários que buscavam anular os contratos.

O terreno é parte de uma extensa área que foi herdada por Alexandre após a morte dos pais Fidelis Teles de Menezes e Davina Teles de Menezes. Mas ele não é o proprietário, é sim o ‘foreiro’, ou seja, detém o que se chama de domínio útil da localidade.

Já Maria de São Pedro, representada por Paulo Roberto Amorim, alega que herdou as mesmas terras por adjudicação (quando existe apenas um herdeiro) mesmo constando outros três ‘herdeiros’ ou qualificados como tais no inventário.


O primeiro problema aparece aí. Um inventário aberto em 2005 e finalizado em Camaçari foi encontrado. Dois anos mais tarde, houve a tentativa de abertura de outro em nome do mesmo José de Aleixo Bomfim. A juíza que pegou o processo de abertura pediu uma série de documentações que não foram apresentadas e por isso segurou o processo.

Mesmo com o pedido ainda tramitando, Paulo Roberto, de posse da procuração de Maria de São Pedro, foi ao cartório extrajudicial no 2º Ofício e conseguiu uma escritura pública de inventário e adjudicação. Com este documento procurou o cartório de registro geral de imóveis em Lauro de Freitas para fazer a matrícula do terreno em disputa.

Machadinho

A nova matrícula, certificada por Ivania Maria, foi expedida em 2010. O terreno ocupa uma área total de 166.667 m² e perímetro de 1.773 m² em virtude de desmembramento da maior porção das terras que compõem a Fazenda Machadinho.

De acordo com os representantes de Alexandre, no primeiro inventário, a Fazenda Machadinho está mapeada como pertencente ao município de Camaçari, existindo ainda uma planta na Conder.

Alexandre reuniu ainda diversas certidões de cartórios de registro de imóveis que situam a Fazenda Machadinho em Camaçari. Nenhum deles mencionam parte, fragmentos ou afins em outros municípios.

No entanto, na escritura pública do inventário de Salvador, nos originários da escritura pública de reti-ratificação e na matrícula do registro de imóveis de Lauro de Freitas – todos sendo questionados judicialmente – a área em disputa aparece como parte remanescente da Fazenda Machadinho, em Lauro de Freitas.


 
Fazenda Itinga de Baixo ou Boa Nova

A defesa de Alexandre afirma que desde 1971 a área passou para o nome dele. O domínio útil da localidade antes conhecida como Fazenda Itinga de Baixo ou Boa Nova. Este aluga imóveis na região desde então e por muitos anos foi reconhecido pelos locatários como detentor deste espaço.

Existem certidões expedidas por cartórios do 2º e 3º ofício de registro de imóveis de Salvador que comprovariam os sucessivos adquirentes e proprietários do referido imóvel.

O terreno herdado por Alexandre teria uma área total de 60 tarefas que após a desapropriação realizada pelo Estado da Bahia para abertura da Estrada do Coco ficou com uma área remanescente de 55,20 tarefas.

Os documentos obtidos pela reportagem do Bocão News dão conta ainda de que a área está registrada sem controvérsias. A única questão aí é que antes a área pertencia a Salvador, mas com a criação do município de Lauro de Freitas em 1962 passou a ser da cidade vizinha.

Por outro lado, em uma decisão que cassou uma liminar obtida por Alexandre, o desembargador Gesivaldo Brito escreve que “existe área remanescente da Fazenda Machadinho, no município de Lauro de Freitas, bem como escritura e matrícula da porção da aludida fazenda é legítima e que a Fazenda Itinga de Baixo ou Boa Nova inexiste, por não possuir uma matrícula ou escritura pública na Comarca de Lauro de Freitas.

Na mesma decisão, o desembargador escreve que “neste sentido, verifica-se, inclusive, que inexiste controvérsia acerca da propriedade em favor da agravante” (Maria de São Pedro).

Disputa

As terras em disputa são valiosas e a quantidade de empreendimentos que se instalam na região justifica a necessidade da justiça baiana chegar a uma decisão.

Seja qual for a decisão o que se percebe é a fragilidade dos cartórios e dos processos no estado. Algo que traz a luz a grilagem ou possíveis grilagens de terras urbanas em áreas de fronteira.

Neste caso, o município foi criado há 50 anos, mas a história dessas terras datam de muito antes.

Fotos: Roberto Viana // Bocão News

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