Ex-policial torturador deu aulas por 24 anos com identidade falsa

Por 24 anos, Cleber de Souza Rocha deu aulas de geografia em escolas públicas da zona norte na capital paulista. Apesar das faltas e de relatos de alunos de que costumava ir às aulas embriagado, conseguiu chegar ao posto de diretor de escola municipal.
Durante o período, ninguém havia suspeitado de que aquele professor, motivo de piada entre alunos, era, na verdade, um ex-investigador de polícia condenado por homicídio e tortura.
Medidas legais foram tomadas, dizem secretarias sobre professor com identidade falsa
Julgado em 1982 por um crime cometido três anos antes, Cleber decidiu fugir. E adotou o nome, documentos e o diploma do irmão mais novo, sem o conhecimento dele.
Foi aprovado em concursos para lecionar geografia nas escolas da prefeitura e do Estado. Na rede municipal, passou no concurso para diretor.
Tirou ainda carteira de motorista e contraiu empréstimos como se fosse o irmão, com quem brigou ainda jovem.
A farsa durou de 1984 a 2009, ano que ele morreu. Apenas meses antes a prefeitura e o Estado descobriram que haviam sido enganados.
E só no final do mês passado o Conselho Estadual de Educação concluiu o caso --os alunos de Cleber não precisarão refazer as aulas.
O irmão caçula ainda tenta se livrar na Justiça de empréstimos bancários que estão em seu nome, mas que foram feitos pelo irmão.

Danilo Bandeira/Editoria de arte/Folhapress
HISTÓRICO
Cleber deu início à farsa em 1979, quando era investigador de polícia na região de Perus (zona norte). Um motorista foi detido sob a suspeita de integrar uma quadrilha que atuava na região. Não havia provas claras de que ele de fato era um criminoso.
Após seis dias, o suspeito foi achado morto na delegacia. Segundo o processo, foi torturado por várias vezes e de diversas formas.
Cleber foi apontado como um dos principais autores das torturas. Eles utilizaram, entre outros instrumentos, um pau-de-arara.
Na época, o ex-policial negou o crime. Afirmou que nem teve contato com o preso.
Mas, em 1982, a Justiça concordou com os argumentos do então promotor Luiz Antonio Fleury Filho --eleito governador de São Paulo oito anos depois: Cleber foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão e ainda perdeu o cargo.
Com a prisão decretada, Cleber não se entregou. Dois anos depois, ingressou na rede municipal como professor.
O advogado do irmão caçula, Francisco Deus, diz não saber onde Cleber conseguiu os papéis, que também foram usados para a entrada na rede estadual, um ano depois. O irmão pede para que seu nome não seja divulgado.
A falsificação não causou suspeitas, segundo a Secretaria Estadual de Educação, porque Cleber havia se formado em geografia e em pedagogia.
DAVA NOTAS BOAS
O falso professor lecionou em ao menos seis escolas públicas, todas na zona norte.
Entre 2004 e 2008, sofreu quatro suspensões ou repreensões, por não cumprir ordens superiores ou por excesso de faltas ao trabalho.
Ex-alunos da escola estadual Joaquim Luis de Brito, em Itaberaba (zona norte da capital), relatam em redes sociais na internet que Cleber constantemente chegava alcoolizado e dispensava os estudantes sem motivos.
"Ele nunca passava nada [de matéria] e sempre dava notas boas", brinca uma ex-aluna. Muitos disseram que, algumas vezes, era bruto.
Foi justamente a truculência que fez a fraude ser descoberta. Em 2008, ele discutiu com um vizinho. Na delegacia, se identificou ora com o nome verdadeiro, ora com o do irmão.
Desconfiado, o delegado resolveu analisar as digitais. Era o fim da farsa.
Chamada à delegacia, a diretora da escola Joaquim Brito afirmou que nunca havia suspeitado de nada.
Antes do fim dos processos nas redes estadual e municipal, Cleber morreu aos 54 anos, em decorrência de insuficiência respiratória, hepática e renal aguda.
Pouco antes, o advogado do irmão encontrou Cleber. "Ele disse: 'O que vocês queriam? Que eu roubasse?' Isso chamou a atenção. Ele fez toda a confusão para ser professor. Poderia ter virado traficante. A situação fez o irmão ficar um pouco menos chateado."FOLHA.COM

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