Rio - A possibilidade de
uso de mandados coletivos de busca e apreensão durante a intervenção
federal na segurança pública do Rio de Janeiro, levantada após a reunião
dos conselhos da República e da Defesa Nacional, divide opiniões e tem
gerado polêmica.
O instrumento do mandado coletivo permite a procura por
bens e suspeitos não apenas em um local específico, como um imóvel, mas
em uma área maior, até mesmo um bairro. Este tipo de medida depende de
uma decisão judicial, que delimita a área, as ações permitidas e quem
pode realizá-las.
Nesta terça-feira, o ministro da Justiça, Torquato
Jardim, se reuniu com o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, desembargador Milton Fernandes de Souza, na capital fluminense.
Na saída, Jardim falou à imprensa que os mandados seguirão o “devido
processo legal” e que todas as ordens judiciais necessárias à execução
da intervenção “obedecerão os princípios constitucionais fundamentais”.
Na segunda-feira, após a reunião dos conselhos, o
ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que os mandados não serão uma
“carta branca” para os militares nas ações no contexto da intervenção.
“Não existe carta branca, nem carta negra, nem carta cinza”, disse. Em
nota, no início da noite, o Ministério da Defesa informou não serão
usados os mandados coletivos de prisão, e serão restritos à busca e
apreensão.
A legislação brasileira não prevê a figura do mandado
coletivo, mas de diferentes tipos de mandados. O Código de Processo
Penal prevê, em seu Artigo 243, que o mandado deve “indicar, o mais
precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o
nome do respectivo proprietário ou morador” e “mencionar o motivo e os
fins da diligência”.
Já a Constituição Federal, em seu Artigo 5º, afirma que
a casa “é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial”.
Para a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, os
mandados coletivos são ilegais e inconstitucionais, por ferirem as duas
normas. “A inviolabilidade de domicílio só tem exceção em flagrante,
socorro ou determinação judicial mediante a definição individualizada da
pessoa. O Código de Processo Penal é explícito ao especificar a casa
onde será a busca e a pessoa objeto do mandado”, argumenta a defensora
Lívia Cassares.
Na opinião do doutor em ciências penais pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Leonardo Yarochewisk, o
mandado não pode ser indeterminado nem violar o princípio constitucional
da presunção de inocência. “Vai ter mandado no Leblon? Em Ipanema? Vai
ser nas favelas, e com violação de direitos e garantias fundamentais.
Que presunção de culpa é essa nessas comunidades?”, questiona.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciou, em
nota, que pretende questionar na Justiça o instrumento. "Por ser
limitadora de garantias fundamentais, toda e qualquer medida cautelar
jamais pode ser genérica. Caso contrário, há a violação constitucional
da garantia individual de inviolabilidade do lar e intimidade –
colocando sob ameaça ainda maior os direitos da parcela mais
desassistida da população", diz o texto.
Leia Mais
A Advocacia-Geral da União (AGU) informou à Agência
Brasil que irá atuar para garantir a segurança jurídica das medidas
tomadas pelas Forças Armadas no âmbito da intervenção federal.
Ação
Para o ex-secretário Nacional de Segurança Pública,
coronel reformado José Vicente da Silva Filho, é preciso, em alguns
casos, usar medidas extremas para se chegar aos criminsosos e um recurso
central na sua atuação: armas e munição. “Entendo que para encurtar
essa crise no Rio de Janeiro, o melhor caminho é tirar o principal
instrumento, que são as armas. Nessas comunidades, elas podem ser
buscadas e apreendidas. É dando condições para a polícia que vamos
expulsar os bandidos”, defende.
Já a Federação de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj)
classifica o uso deste instrumento como “muito ruim” e acredita que dará
pouco resultado. “Vai ser ineficaz, como têm mostrado todas as
operações militares. Se eles realmente querem fazer operação que tenha
êxito, as forças de segurança têm que usar a inteligência e
investigação. Não é na favela que está ocorrendo o tráfico, o espaço é
varejista. Se você mapear quem é quem, bandido e morador, você causa
impacto menor na comunidade e consegue prender o bandido que está
escondido ali”, disse Fillipe dos Anjos, secretário-geral da Faferj.
Outras experiências
O uso dos mandados coletivos não é inédito, e já
ocorreu em outras situações no Rio de Janeiro. Em agosto de 2017, a
Justiça autorizou que a polícia entrasse em qualquer casa na comunidade
do Jacarezinho e em quatro favelas vizinhas. A operação resultou na
prisão de 43 pessoas, apreensão de 11 armas e de drogas. No dia 25 do
mesmo mês, a medida foi suspensa por um desembargador.
Em novembro de 2016, a Justiça do Rio expediu mandado
coletivo de busca e apreensão na Cidade de Deus. No mesmo mês, a medida
foi revogada após a queda de um helicóptero que resultou na morte dos
quatro ocupantes, depois de uma ação contra o tráfico de drogas na
comunidade. Moradores fizeram protestos na ocasião contra a permissão,
classificando-a de medida arbitrária.
Em março de 2014, foi expedido mandado coletivo para
atuação nas favelas Nova Holanda e Parque União, no Complexo da Maré,
que contemplava apenas os delegados. Na ocasião, o Exército também foi
chamado a atuar, mas por meio de uma operação de Garantia de Lei e Ordem
(GLO)
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