A posse de Luiz Fux na presidência do STF (Supremo Tribunal Federal), seguida de um coquetel para comemorar a chegada do ministro ao posto mais alto do Poder Judiciário, rendeu ao magistrado o primeiro desgaste de sua gestão à frente da corte.
Fux chegou a ser aconselhado por pessoas próximas a fazer uma cerimônia virtual, mas preferiu promover um evento presencial no último dia 10 para marcar sua ascensão ao comando do tribunal. No coquetel, foram servidos petiscos, água, vinho e suco.
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski não foram à solenidade -assim como Celso de Mello, que estava de licença médica.
Servidores ouvidos reservadamente pela Folha se disseram incomodados de terem que participar e se expor ao risco de pegar coronavírus em meio à pandemia.
O presidente do STF insistiu e achou que a adoção de medidas sanitárias seria suficiente. Menos de uma semana depois da posse, começaram a surgir notícias de pessoas infectadas com a Covid-19 e que foram ao evento.
Além de Fux, ao menos outras oito autoridades foram diagnosticadas com a doença na semana seguinte.
Fux agiu para conter a crise e fez uma ofensiva nos bastidores para questionar a vinculação entre a ida à posse e as autoridades contaminadas.
Para blindar o novo presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia apresentou sintomas da doença e evitou anunciá-los. A magistrada faltou às sessões da semana seguinte à posse. Mesmo após a divulgação por veículos de imprensa de que ela contraiu a Covid-19, o gabinete da ministra, questionado pela Folha, não negou nem confirmou a realização do exame e seu resultado.
Quando ela reapareceu no STF, na sessão realizada por videoconferência na quarta-feira (23), o ministro Luís Roberto Barroso prestou solidariedade à colega. "Andamos todos preocupados com Vossa Excelência", disse. A ministra comentou: "Exageradas [as preocupações]".
Os sete ministros do STF que estiveram na posse de Fux usaram máscara durante a cerimônia. Além de Fux, os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber foram os únicos a retirar a proteção facial: ela no momento em que leu o termo de posse como vice-presidente do tribunal, ele ao discursar em nome da corte para saudar Fux.
O novo presidente da corte avaliava que as medidas sanitárias seriam suficientes para impedir o alastramento da Covid-19 na posse. Fux liberou o plenário para 48 convidados, aproximadamente um quinto da capacidade do local, que é de 250 pessoas.
Assessores de autoridades, servidores do tribunal e os dragões da Independência que fazem a recepção em cerimônias oficiais, porém, se acumularam do lado de fora.
Na mesa de honra, além de Fux, estavam os presidentes da República, Jair Bolsonaro, do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além do procurador-geral da República, Augusto Aras. Os dois últimos foram diagnosticados com a doença dias após a cerimônia.
Segundo boletim médico, ela apresenta estado de saúde estável no hospital para o qual foi transferida em São Paulo, mas respira com ajuda de um cateter nasal de oxigênio e tem sido medicada diretamente na veia. Não há previsão de alta.
A assessoria do tribunal informou que Peduzzi estava cumprindo todos os compromissos de forma remota desde o início da pandemia, à exceção da posse do chefe do STF.
O convite de Fux foi disparado cerca de dez dias antes da cerimônia para alguns convidados. Ele fez questão de que alguns amigos, como ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que são do Rio de Janeiro, estivessem no plenário do Supremo.
Ministros e outros convidados da posse relatam que não houve uma recepção. Os magistrados preferiram não se reunir em uma antessala na corte, como de costume, e foram direto para o plenário.
Após a cerimônia, que durou duas horas, Fux fez um coquetel para alguns convidados no gabinete da presidência.
Segundo relatos de pessoas que estiveram no local, havia cerca de 30 pessoas: alguns amigos, como os ministros do STJ e a presidente da Associação de Magistrados Brasileiros, Renata Gil, além de assessores e a família do ministro.
Boa parte dos contaminados não foi a essa segunda parte da posse, o que leva ministros e outros convidados a acreditarem que a contaminação ocorreu dentro do plenário.
Maia, Aras, Cármen Lúcia e Peduzzi, por exemplo, não foram ao gabinete da presidência após o fim da cerimônia.
Professora de saúde coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Lígia Bahia critica a posse por ter promovido aglomeração de pessoas. "A posse foi um evento considerado 'superspread', em português vulgar: um covidário", diz. "Evento totalmente irresponsável", avalia.
Ela critica o número de pessoas que participaram, o fato de ter sido em um local totalmente fechado e a demora da cerimônia. Ainda cita que as pessoas tiraram as máscaras para discursar, comer e beber.
O médico epidemiologista da Fiocruz Diego Xavier explica que o vírus tem uma grande capacidade de ficar suspenso no ar. "As pessoas estão subestimando a capacidade do vírus de se disseminar. É um vírus respiratório", diz.
Ambos os médicos criticam sobretudo o mau exemplo propagado pelas autoridades ao promoverem eventos do tipo.
Diante do desgaste, a presidência do STF emitiu uma nota para informar que o cerimonial da corte estava em contato com todos os convidados da posse de Fux.
"A presidência do STF vem prestar solidariedade e votos de ampla recuperação aos que eventualmente contraíram a Covid-19", diz o comunicado.
No último dia 16, o tribunal informou que 157 funcionários já foram diagnosticados com Covid-19 desde o início da pandemia. O órgão diz que não foi identificado caso de transmissão na corte.
A Folha de S.Paulo questionou ao STF quantos servidores participaram da solenidade, se houve orientação quanto à realização de exame e quais os procedimentos adotados na posse. O tribunal não respondeu até a publicação deste texto.
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