A marra toda na foto acima é do perito Manuel Gomez Garrido, supervisor de cinco coordenadorias do Departamento de Polícia Técnica (DPT) no interior da Bahia. Ele aparece bem à vontade, recostado num Volkswagen Voyage preto parado numa estrada de barro. Mas o que parece ser a recordação de um momento de lazer, é também a prova de uma das irregularidades cometidas pelo funcionário público.
O Voyage em questão havia sido encaminhado para uma perícia no DPT de Teixeira de Freitas em 2010 e desde então vem sendo usado para momentos de lazer pelo perito. Ou seja, Garrido vem cometendo prevaricação, crime praticado por funcionário público contra a Administração Pública. A prevaricação consiste em retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse pessoal.
O CORREIO teve acesso com exclusividade ao dossiê
contra Garrido, encaminhado à Corregedoria do DPT em julho deste ano e
também ao Ministério Público do Estado. Os dois órgãos abriram
investigação. Além do Voyage, Garrido é acusado de usar para fins
particulares outro veículo de placa clonada, cujas multas foram
lançadas no veículo original, e emitir laudos para favorecer terceiros.
Denúncia
Para dar conta dos 417
municípios baianos, o DPT é divido em seis polos: Grande Regional
Recôncavo (Salvador e outras 88 cidades), Grande Regional Planalto (97
municípios), Grande Regional Chapada (74 cidades), Grande Regional
Nordeste (50 municípios) e por fim Grande Regional Mata Sul, que abrange
65 municípios. Esta última regional está sob a responsabilidade de
Garrido.
O Voyage encaminhado pela Polícia Civil para perícia do DPT de Teixeira de Freitas (Foto: Divulgação) |
A Grande Regional Mata Sul supervisiona e controla as cinco Coordenadorias Regionais de Polícia
A
Grande Regional Mata Sul supervisiona e controla as cinco
Coordenadorias Regionais de Polícia Técnica de Itabuna, Ilhéus, Valença,
Porto Seguro, Teixeira de Freitas, além do posto de Eunápolis.
A
denúncia diz que Garrido vem se utilizando seu cargo para práticas de
crimes dentro do DPT de Teixeira de Freitas. “As denúncias apresentadas
aqui, já foram por várias vezes protocoladas na direção geral do DPT em
Salvador e a Corregedoria Geral da Secretaria da Segurança Pública, que
não se manifestaram”, diz o documento.
Veículos
O dossiê possui fotos, laudos e boletins
de ocorrências, documentos internos do DPT de Teixeira de Freitas e
outras provas que comprovariam as irregularidades cometidas por Manuel
Garrido. De acordo com o material, Garrido vinha utilizando para lazer
desde ano de 2010, o Volkswagen Voyage preto JRW 3779, licença de
Alcobaça-BA, encaminhado para perícia de vistoria pela Delegacia da
cidade de Prado, conforme foto da denúncia – o veículo foi apreendido
porque apresentava uma restrição financeira por atraso de parcelas junto
a financeira.
No documento, fotos mostraram Garrido de braços
cruzados, bem à vontade, usando trajes bem diferentes do habitual de
trabalho – camisa, bermuda, chinelo, óculos escuros – ao lado do Voyage
parado numa estrada de barro, que deveria estar no DPT ou na delegacia
ou em mãos do proprietário, que, segundo a denúncia, já tinha ido
diversas vezes junto com um advogado na tentativa recuperar o veículo,
mas sem sucesso. Segundo a denúncia, as fotos posadas foram retiradas de
uma rede social do próprio Garrido. O CORREIO tentou localizar o
proprietário do veículo, mas não obteve sucesso. No dossiê, Garrido é acusado de cometer irregularidades em 2016 usando
um outro veículo destino à perícia, a picape GM Montana branca ODM 8098,
licença de Manhuaçu-MG, oriundo da delegacia da cidade de Nova Viçosa.
Ele teria circulado com a picape, cujos dados são de um outro veículo,
pertencente à rede de lojas Casa do Adubo, e consequentemente cometidos
infrações. As multas geradas foram lançadas nos dados do verdadeiro
veículo, Montana branca ODM 8098, licença de Cariacica-ES, pertencente à
loja em Teixeira de Freitas, mas que desde de 2013, estava parado na
cidade de Manhuaçu à serviço da rede.
Então, diante do
problema, a responsável pela Cada de Adubos de Teixeira de Freitas,
Renata Guerra de Oliveira, registou um boletim de ocorrência na
delegacia da cidade. Em um dos trechos, Renta disse: “o veículo foi
clonado e que o clone se encontra nesta cidade”. O boletim consta no
dossiê, assim como fotos que mostram a picape clonada parada no
estacionamento do DPT de Teixeira de Freitas
Picape branca clone no pátio do estacionamento DPT que teria sido usado por Garrido (Foto: Divulgação) “À época foi feita ocorrência em delegacia, mas
não fizeram nada a respeito. A gente só descobriu porque chegaram muitas
multas do Detran para nós pagarmos. Descobrimos que estava sendo
utilizada uma placa clonada. As multas não foram ocasionadas pela Casa
do Adubo e sim por este autor da infração”, disse Renata, por telefone
ao CORREIO.
Ônibus
O perito Garrido é
acusado de emitir um novo laudo, dias depois de um acidente, dando
condições de uso a ônibus escolar, que sofreu sérias aviarias, inclusive
que põem em riso a vida de seus ocupantes, apontadas numa análise da
primeira perícia feita instantes depois do acidente. O dono do ônibus
escolar, segundo o dossiê, é um vereador que vem alugando o veículo para
a prefeitura de Caravelas fazer o transporte dos alunos do distrito de
Juarana.
De acordo com a denúncia, no dia 04 de marco de
2016, o ônibus trafegava na BA 001, sentido Caravelas/Alcobaca, quando
colidiu com uma carreta carregada de eucalipto, do tipo tri trem. Na
hora, o ônibus transportava crianças, que ficaram gravemente feridas. O
laudo emitido pelo perito Bruno Ferreira de Melo concluiu que carreta
foi a causadora o acidente e chama atenção para as irregularidades
encontradas no ônibus, no quesito segurança: “sistema elétrico em
ruim estado de conservação (lanterna dianteira lado direito e
lanternas traseiras), sistema de iluminação noturna do interior
do veículo em ruim estado de conservação, poltronas em ruim
estado de conservação e ineficiente sistema de retenção, ao
qual levou ao desacoplamento de um grande número de poltronas
no momento do impacto. Cintos de segurança danificados e sem
função, pois estavam em desuso. Veiculo em desacordo com O PNATE
(Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar) – programa do Governo
Federal custeado por meio de recursos do orçamento da União, cujo
objetivo é o de propiciar condições dignas de transporte para os alunos
da rede pública de ensino, facilitando o acesso à escola aos filhos da
população mais humilde”, diz trecho do laudo do perito Bruno que consta
no dossiê.
Já no segundo laudo, emitido para o mesmo ônibus
escolar envolvido no acidente com o tri trem, desta vez assinado por
Garrido, em 21 de março do mesmo ano, diz que o veículo está em bom
estado de conservação.
Garrido nega acusações, alega perseguição de colega e diz que DPT vai arquivar processo
Questionado novamente sobre a foto dele ao lado do carro numa estrada de barro, Garrido respondeu: “Está no Ministério Público que já me ouviu e não vai se pronunciar até o DPT colocar tudo no papel, entendeu? Porque isso daí envolve o colega que está me perseguindo. Isso é assédio moral, você entendeu? Tudo isso aí é uma mentira, é uma inverdade plantada por ele. Já foi apurado pela primeira vez pelo Departamento de Polícia Técnica, foi arquivado o processo, e agora está fazendo isso pela segunda vez, é só isso que tenho para dizer”.O CORREIO insistiu mais uma vez sobre a foto. “O carro está no fórum. Esse material todo já foi esclarecido. O carro nunca saiu de lá. Esta foto não tem nada a ver. É outra história. Já foi colacada (história). Nunca rodei com esse carro. Isso é coisa de um maluco, do perito que está fazendo o assédio. Isso não existe. Nunca rodei com esse carro. Isso é coisa de um maluco, do perito que está fazendo o assédio. Isso não existe”, disse já irritado.
Com base na resposta, o CORREIO perguntou, então, se a foto era uma montagem e Garrido respondeu: “Não sei. Pergunta ao perito que pôs isso para rodar, para frente. O DPT já que isso aí não tem nada a ver, inclusive vai arquivar e estou esperando só publicação (Diário Oficial). Depois que publicar, tudo vai ficar esclarecido”. Já sobre o uso do clone da picape Montana, Garrido debochou quando perguntado sobre a acusação de estar circulando com o carro adulterado. “É mesmo? Ah tá, então estou fazendo uso, fazer o quê?”, disse rindo. Pergunto sobre as demais denúncias, ele disparou: “Ah... você está vendo é um dossiê ... manda (diz o nome de um perito) se catar ... obrigado e tchau!”. O CORREIO tentou falar novamente, mas Garrido não atendeu.
A Corregedoria do DPT e a MP-BA apuram denúncias contra perito
Diante das circunstâncias, o CORREIO encaminhou o
dossiê, ao qual teve acesso, aos três órgãos públicos responsáveis por
apurar as supostas irregularidades. O Departamento de Polícia Técnica
(DPT), informou, através de sua assessoria de comunicação, que “as
denúncias foram recepcionadas na Corregedoria, tendo sido instaurada uma
Investigação Preliminar, resultando no Processo Administrativo
Disciplinar (PAD) tramitando na Corregedoria do DPT”. O PAD foi
instaurado no dia 29 de julho deste ano e publicado no Diário Oficial do
mesmo dia.
Já o Ministério Público estadual (MP-BA) disse que
recebeu três notícias de fato com o mesmo conteúdo relacionado a Manuel
Gomez Garrido. "Elas foram recebidas, por diferentes órgãos do MP, em 25
de outubro de 2017, 16 de janeiro de 2018 e 19 de julho desse mesmo
ano. Ela foram juntadas em um único procedimento, conduzido pela
promotora de Justiça Graziella Junqueira, que adotou as medidas
cabíveis", diz nota.
A primeira notícia de fato foi distribuída à promotora no dia 5 de dezembro de 2017 e a segunda no dia 7 de fevereiro de 2018, quando foi aberto o procedimento para apurar os fatos. A notícia de fato de julho de 2018 foi recebida diretamente pela Promotoria de Teixeira de Freitas e anexada ao procedimento já existente.
"Desde então, foram solicitadas diversas informações sobre o veículos mencionados nas denúncias, por meio de ofícios encaminhados à Polícia, Secretaria Municipal de Administração de Teixeira, ao Cartório de Prado e à Corregedoria-geral da SSP, com necessidade, por vezes, de reiteração dos pedidos", diz outro trecho da nota. Além disso, foram ouvidas cinco testemunhas.
Por fim, o CORREIO também procurou a Corregedoria-geral da Secretaria de Segurança Pública (SSP), mas não obteve resposta. com informações do Correio da Bahia
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