A Morte dos Jacús e Carcarás - Uma Síntese da História Politica de Jacobina.

 

Se você não for jacobinense pode está pensando que o título deste artigo versa sobre alguma ave exótica ou em extinção, entretanto, o quê iremos tratar aqui, aponta para o modo bipolarizado de fazer politica e ocupar o poder na cidade de Jacobina. Assim como muitos municípios baianos, o seu povo fora subjetivado pelo fantasma do Coronelismo durante décadas, contudo, esta arquitetura de poder, parece ter sofrido um deslocamento a partir do pleito eleitoral de 2020, pelo menos é o que pretendemos mostrar de forma metódica e linear neste texto. 

No que tange aos aspectos históricos, Jacobina se tornou vila em 1722 vindo a ser cidade através da Lei Provincial nº 2049 de 1880, porém desde os início do século XX a cidade era conhecida pela influência e controle político exercido através do Coronel Francisco Rocha Pires, popularmente chamado de Chico Rocha. Somente por volta dos anos 70  houve a primeira ruptura contra a hegemonia de Chico Rocha, naquela época, um primo seu, o médico Fernando Daltro, ousou a desafiá-lo e concorreu ao cargo de prefeito, conseguindo vencer o conhecido e influente Coronel que reinava há quase 50 anos, nascia ali um novo grupo político denominado de Carcarás.

Sob a influência do grupo político dos Carcarás, a hegemonia política em Jacobina foi exercida por muito tempo, com poucas alternâncias, geralmente entre candidatos dos mesmo campo político. Ademais, após o fim da Ditadura Militar e a promulgação da Constituição de 1988 outros fenômenos políticos ocorreram na região, a emancipação de municípios e o advento de partidos políticos para a disputa democrática. Neste sentido, o grupo político que ora chamava-se Carcarás passou a ocupar espaços dentro do PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro e os demais atores ainda sob influência do legado político de Chico Rocha, organizaram suas fileiras na agremiação PFL - Partido da Frente Liberal contribuindo assim para a eclosão do grupo político que iria ser conhecido como os Jacús.

O estabelecimento dos Jacús e Carcarás em Jacobina se manteve por quase meio século, as estruturas de poder consolidadas por estes grupos se compuseram em sua maioria por médicos e agentes de seus hospitais, a prestação de serviço de saúde e o carisma de alguns destes profissionais da medicina/política fizeram com que os "doutores" representantes dos Jacús e dos Carcarás, comandassem o poder político desde os anos 80 até 2012 quando emergiu a primeira chapa com chances de peitar o reinado das "Aves". Um ponto importante que devemos observar, reside no modo como as classes que historicamente são mais valorizadas, refletem no imaginário social algum tipo de superioridade, conseguem se organizar para manter subjetivamente o exercício do poder, construindo durante todos esses anos uma espécie de dinastia onde o poder alternava somente entre os membros daqueles clubes ou grupos hegemônicos. Outro ponto marcante, aponta para a estrutura de 2 (dois) hospitais revestidos de natureza Fundacional, ou seja, sem fins lucrativos, serviam de plataforma para eleger os eventuais candidatos, salvo engano, nos últimos 30 anos os prefeitos eram oriundos destes nosocômios, seja como médico ou alguma atividade ligada à área da saúde dos supracitados hospitais.

Por outro lado, com advento da constituição de 1988, os municípios passaram a ter autonomia financeira e administrativa, recebendo diretamente em seus cofres recursos federais e estaduais referentes à partilha federativa - FPM, repasses estes que desde os anos 80 têm aumentado compulsoriamente. Neste sentido, a disputa das eleições no contexto municipal reflete não somente uma disputa democrática pelo interesse público mas uma forma de ter o controle da "chave do cofre" uma máquina de dinheiro, na qual a cada 4 (quatro) anos de mandato passa quase um bilhão de reais. É neste cenário, que os Jacús e Carcarás fincam-se no Poder Executivo em caráter longevo, sem ter preocupações com eventuais opositores, pois em Jacobina, até então, não se conhecia nenhuma forma de governo que estivesse fora do espectro dicotômico Jacús x Carcarás.

Após a chegada das forças progressistas conduzidas por Lula ao poder, uma série de políticas públicas foram desencadeadas repercutindo no fortalecimento da agricultura familiar, energia elétrica para lugares periféricos, fortalecimento dos conselho municipais, associativismo dentre outras ações que auxiliaram no surgimento de lideranças pelos rincões do Brasil. Nesta seara, um jovem, filho de agricultor familiar, encorajado a buscar soluções para os problemas que afetavam as comunidades rurais, se torna presidente de uma associação na região de Cachoeira dos Alves, a partir daquele instante, se iniciava uma saga responsável pela reconfiguração dos centros de poder na história de Jacobina, aquela associação outorgou suas demandas e anseios para um rapaz que  atendia pelo nome de Tiago Dias.

Os Carcarás e Jacús sempre obtiveram êxito em projetar uma imagem de rivalidade e diferença dentro do arcabouço político de cada um deles, porém, sempre estiveram numa mesma dimensão de poder, o poder das classes dominantes. Foram algumas décadas de dominação e alternância do poder político canalizado para estes dois grupos de "farinha do mesmo saco". Contanto, a entrada no século XXI, fez emergir outros grupos políticos descolados, ainda que parcialmente, da estrutura de poder dualista dos Carcarás e Jacús.

No ano de 2012, um jacobinense vigoroso e combativo colaborou com a organização de lideranças e partidos que viriam ameaçar pela primeira vez os grupos dominantes, Amaury Teixeira era o nome dele, participou de 2 eleições subsequentes reunindo uma quantidade massiva de votos e contribuindo para a eclosão de novos ícones políticos. Durante aquele movimento de reorganização das forças políticas locais, Amaury concorreu pelo PT e teve seu vice José Amin Hassan indicado pelo PCdoB. Naquele contexto, durante um comício realizado na Cachoeira do Alves, Amaury percebeu e apoiou uma jovem liderança que havia recentemente adentrado nas fileiras do Partido Comunista do Brasil, a partir daquele momento, o potencial da incipiente liderança do campo iria mudar a história dos rumos políticos de Jacobina.

Conforme supracitado, após exercer seu mandato na Associação de Cachoeira dos Alves, o rapaz, Tiago Dias, percebe a necessidade de fortalecer o trabalho das associações e funda com alguns colaboradores a UARJA -  decide filiar-se ao PCdoB, inicialmente recepcionado por Carlinhos da Caixa, recebeu as boas vindas e teve garantia de concorrer às eleições de 2012. Finalizada as eleições daquele pleito, Carlinhos e Tiago são eleitos ao Poder Legislativo, este como o segundo vereador mais votado do município. Ainda "verde" nos trâmites do legislativo, recebeu apoio do experiente Carlinhos da Caixa e do corpo diretivo do diretório municipal.

Quatro anos mais tarde, no pleito de 2016, o PCdoB teve 1.753 votos com Zé Amin representando o partido ao Executivo, mas o então vereador (Tiago Dias), mais maduro e consciente do processo político, decide concorrer a Reeleição, naquele momento já não fazia parte do PCdoB, pois por influência de seu padrinho político (Amaury Teixeira - PT) migrou para o PROS, onde voltaria a fazer história,  quando se tornou o vereador mais votado de Jacobina com 1.262 votos, deixando vários candidatos da velha política no vácuo. Aquele resultado simbolizaria uma mudança de paradigma no posicionamento de parte da sociedade jacobinense, Tiago se estabeleceria como uma liderança enigmática, um jovem humilde, oriundo da zona rural, começava a desbancar velhos fazendeiros em seus feudos eleitorais.

Nos meados do ano de 2017, Tiago Dias decide retornar ao seu partido de origem - PCdoB -  onde foi recebido com generosidade pelos seus camaradas. A proximidade das eleições estaduais e a necessidade de garantir espaço político, fez com que o diretório municipal busca-se apoio junto ao Deputado Daniel Almeida para lança-lo pré-candidato a Deputado Estadual, assim o vereador e suas bases iniciam uma robusta caminhada rumo à disputa estadual. Em 2018, após uma campanha marcada pela dedicação e modéstia do jovem camponês, Tiago alcança 14.921 votos, configurando a maior votação nos últimos 30 anos registradas no contexto de eleições estaduais na cidade.

Mas foi em 2020 que ocorreria a mais ousada guinada política de Jacobina, num cenário onde 3 candidaturas foram apresentadas para o Executivo Municipal, uma tendo na "cabeça" Mariana Oliveira, apoiada pelo Amaury Teixeira, ex-deputado federal e o candidato a prefeito mais votado na oposição aos Carcarás e Jacús, respectivamente em 2012 e 2016. Do outro lado, o atual prefeito do DEM, Luciano Pinheiro, representando o espectro político dos Jacús uma vez que era apoiado pelo Dr. Leopoldo, herdeiro e quadro remanescente do antigo PFL, exerceu o mandato de prefeito por duas vezes; além dele, outro velho conhecido da paróquia de Santo Antonio, Dr. Rui Macedo prefeito por duas vezes e herdeiro político de Carlito Daltro um Carcará original também fazia parte da base de apoio da chapa do DEM. Por fim, Tiago Dias, vereador por dois mandatos, suplente de Deputado Estadual e pleiteante pela primeira vez a cadeira de prefeito de Jacobina.

Pois bem, a partir desta configuração, Tiago Dias foi eleito o primeiro prefeito negro e camponês de Jacobina - Bahia - Brasil com 19.207 votos, deste modo,  no dia quinze de novembro de 2020, precisamente às 21:27hs ocorreu, talvez, o fim da mais longa história de perpetuação de poder político em uma cidade de médio porte. O cortejo durou décadas, mas foi exatamente hoje, o sepultamento de Jacús e Carcarás numa cova comum, todavia não esqueçamos que a sociedade é Cristã e pode ressuscitar defuntos.

Este texto é dedicado à vitória soberana do povo e à memória funerária da velha política representada por Jacús e Carcarás.

Saudações Democráticas!!!

 Autor Dayvid Sena 

   Fonte:     observatorio de jacobina

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