Justiça Militar determina que jovens que denunciaram tortura em quartel no Rio sejam presos novamente

 

Presos durante a ação do Exército antes de chegarem à Vila Militar Foto: Reprodução

Os ministros do Superior Tribunal Militar (STM) determinaram que sete jovens que denunciaram uma sessão de tortura dentro de um quartel do Exército no Rio em agosto de 2018 sejam novamente presos. Eles permaneceram mais de 500 dias na cadeia sem serem julgados, até que, em março passado, a juíza federal Marilena da Silva Bittencourt, da 4ª Auditoria do Fórum de Justiça Militar do Rio, decidiu pela soltura dos sete. O Ministério Público Militar (MPM), no entanto, recorreu da decisão e, por unanimidade, os ministros do STM restabeleceram a prisão preventiva dos réus. Os mandados de prisão contra eles já foram expedidos pela Justiça Militar.

Em outubro de 2018, o EXTRA revelou, em primeira mão, que os sete presos denunciaram à Justiça que haviam sido espancados com pedaços de madeira e levaram chicotadas com fios elétricos dentro de uma “sala vermelha” na 1ª Divisão de Exército, na Vila Militar, na Zona Oeste do Rio. Mais de um ano depois, laudos elaborados por peritos do Instituto Médico Legal (IML), a pedido do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio, confirmaram os relatos dos presos. Com base nesses documentos, os sete foram absolvidos pelo Tribunal de Justiça do Rio da acusação de tráfico de drogas. Até hoje, nenhum militar foi punido.

Na decisão que determinou a nova prisão dos jovens, o ministro Péricles Aurélio Lima de Queiróz, relator do recurso, alegou que não há prova de que as lesões sofridas pelos jovens foram cometidas pelos militares. "As supostas torturas citadas em documentos do Departamento Geral de Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro baseiam-se em probabilidades e análises psicológicas do relatado pelos Recorridos, segundo o estabelecido no Protocolo de Istambul. Porém, nenhum documento confirmou de forma peremptória a existência de violência descomunal na condução dos presos ou afirmou, categoricamente, que eventual lesão decorreu de uma conduta ilícita do Exército Brasileiro", escreveu Queiróz na decisão.

Presos que denunciaram tortura, ainda na favela
Presos que denunciaram tortura, ainda na favela Foto: Reprodução

Os mesmos fatos que geraram o processo no na Justiça Estadual também serviram de base para a denúncia feita contra os réus na Justiça Militar. Homens do Exército, em plena intervenção federal, prenderam os sete jovens no Complexo da Penha durante uma operação na madrugada do dia 20 de agosto de 2018. Os jovens foram detidos após saírem de uma região de mata com as mãos para o alto, após um tiroteio. Depois de os jovens serem algemados, os militares encontraram três pistolas e uma mochila com drogas na mata.

A prisão em flagrante pelo porte das armas e pelo crime de tráfico de drogas gerou o processo no TJ do Rio. Já o Ministério Público Militar (MPM), de posse dos depoimentos dos militares, denunciou o grupo por tentativas de homicídio contra todos os dez militares que participaram das prisões. Nenhum dos homens do Exército, entretanto, afirmou ter visto os homens atirando contra eles ou mesmo portando as armas.

Em dezembro do ano passado, os sete foram absolvidos da acusação de tráfico de drogas pelo TJ do Rio. Na sentença, a juíza Simone de Faria Ferraz, da 23ª Vara Criminal da capital, questionou a versão dos militares que prenderam os homens e sustentou que laudos periciais corroboram os relatos dos presos. "Os laudos oficiais, realizados por peritos legistas, agentes públicos do Estado do Rio de Janeiro, com assento no Departamento Geral de Polícia Técnica-Científica, do Instituto Médico Legal, em observância do Protocolo de Istambul, corroboram as palavras dos réus. Diante de tal quadra como dar crédito aos seus captores?", escreveu Ferraz.

Um dos presos, no dia da audiência de custódia logo após a prisão
Um dos presos, no dia da audiência de custódia logo após a prisão Foto: Reprodução

Mesmo após a decisão, eles seguiram encarcerados no Complexo de Gericinó, já que, na Justiça Militar, o processo segue na estaca zero: nenhuma audiência sequer foi realizada mais de dois anos após as prisões.

Em março deste ano, a juíza Marilena da Silva Bittencourt decidiu soltar os jovens: "uma vez apurado o excesso de prazo na instrução criminal, deve-se colocar em liberdade os acusados, visto que a ordem jurídica impõe prazos para a concretização dos atos processuais, em privilégio às garantias da presunção de inocência e de não culpabilidade", escreveu Bittencourt à época.

Após a publicação da reportagem com os relatos dos jovens sobre a sessão de tortura no quartel, em outubro de 2018, o MPM abriu um inquérito para investigar os militares. A investigação segue em andamento. Até hoje, nenhum militar foi acusado pelo crime.

 

 

 

Fonte:Extra o Globo

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