Candidatas
respondem por 65% do total de candidaturas 'zeradas'. Partidos são
obrigados por lei a ter um terço de mulheres nas chapas. Especialistas
dizem que proporção alta de mulheres pode ser indício de irregularidade.
Mais de 5 mil candidatos não receberam nem um voto sequer nas eleições municipais de 2020, segundo levantamento do G1 com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desse total, 65% são mulheres.
Isso aconteceu apesar de as candidaturas femininas representarem apenas 33% do total de candidatos.
Especialistas afirmam que não ter nem o próprio voto é um indício de 'candidatura laranja', aquela feita apenas para cumprir o mínimo obrigatório por lei.
Caso seja comprovada, a fraude na cota de gênero pode levar à cassação de toda a chapa, segundo o TSE.
Segundo o jurista e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves, o fato de não ter recebido voto não configura irregularidade, mas a grande proporção de mulheres é um indício. "O normal seria seguir a mesma proporção do registro de candidaturas. Se 1% teve problema, é normal que 70% sejam homens e 30%, mulheres. Se é o inverso, isso é um indício (de que há algo errado)."
Os partidos começaram a aumentar o número de candidaturas de mulheres após a minirreforma eleitoral de 2009. A emenda tornou obrigatória a cota de, no mínimo, 30% para candidaturas de mulheres em eleições proporcionais (como a de vereador). Antes disso, uma lei previa a reserva de 30% das vagas para as mulheres, mas os partidos deixavam essas vagas vazias.
PSD e MDB têm maior número de candidatos sem voto, enquanto PTC e Patriota têm os maiores percentuais de mulheres — Foto: Elcio Horiuchi/G1
PSD e MDB têm o maior número de candidatas sem voto. Já o PTC e o Patriota têm os maiores percentuais de mulheres entre os candidatos "zerados".
Sem voto por cidade
As cidades que concentram mais candidatos sem voto estão no Amazonas e em Pernambuco.
Itacoatiara (AM) encabeça a lista, com 26 candidatos que não foram votados. Desses, 20 são mulheres.
Amazonas têm mais municípios entre os que concentram mais candidatas sem voto — Foto: Elcio Horiuchi/G1
Voto no filho
Alzenira Jacquiminouth saiu como candidata a vereadora pelo DEM, mas em sua rede social diz ter votado no filho, Wemerson Barriga (PTB), que foi eleito vereador de Itacoatiara (AM), com 680 votos. Ela mesmo acabou sem nenhum.
Candidata que teve zero votos em Itacoatiara (AM) fez campanha para o filho em sua rede social — Foto: Reprodução
Funcionários públicos
Na lista dos candidatos "zerados", há 133 funcionários públicos. Para se candidatar, esses servidores tiram uma licença de três meses do trabalho, mas continuam recebendo os salários normalmente.
Desses, 123 trabalham para prefeituras, 9 para o governo estadual e 1 para o federal.
As ocupações mais comuns entre os sem voto são:
- dona de casa:671 candidatos
- agricultor: 401 candidatos
- comerciante: 286 candidatos
- empresário: 180 candidatos
- estudante, bolsista, estagiário e assemelhados: 173 candidatos
- aposentado (exceto servidor público): 141 candidatos
- servidor público municipal: 123 candidatos
Razões para não ter voto
De acordo com Henrique Neves, há diversos motivos legítimos para um candidato não ter votos. Ele lista, por exemplo, uma possível desistência após o início da campanha, doença, trocas e erros no registro do número e do nome, entre outros. Problemas desse tipo, no entanto, deviam afetar igualmente homens e mulheres, diz, o que não ocorreu.
"Vamos dizer que seja dentro de uma justificativa válida. Por exemplo: 'fiquei com medo da Covid-19'. A não ser que você prove que as mulheres têm mais medo do que os homens, o que não existe, a divisão desse número deveria seguir a proporção do total de candidaturas", afirma.
Carlos Vinícios Cavalcante, coordenador de registros e informações processuais do TRE-RS, reforça que problemas no registro das candidaturas costumam acontecer.
"Temos um rol muito grande de candidatos e, não raras vezes, existem problemas. Já aconteceu de candidato fazer a campanha toda com o número errado, por exemplo. Dois dígitos trocados", afirma.
Segundo ele, o Ministério Público Eleitoral costuma fazer a varredura dos candidatos para identificar possíveis laranjas. Além da falta de votos, ele lista a inexistência de gastos de campanha e fotos e documentos retirados da internet como outros possíveis indícios.
"Se a pessoa não teve voto algum e nem gasto algum, isso vai formando elementos para que, se o MP entender, possa iniciar um procedimento investigatório para ver se a candidatura é uma fraude ou não."
Os especialistas lembram que o prejuízo para o partido que é pego cometendo a fraude na cota de gênero é muito grande: a perda dos votos de todo o partido naquele município. E que, além do MP, os outros partidos e adversários costumam fiscalizar e denunciar essas irregularidades.
"Antigamente existia repercussão direta só para a candidatura. Mas hoje o entendimento é que todos os votos daquele partido no município vão ser anulados. Tem um custo alto", diz Cavalcante.
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