Enfermeiro é acusado de dar golpe de R$ 300 mil em grupo de 20 pessoas

 

Coordenador do setor de enfermagem de uma maternidade pública de Salvador, preceptor de estágio numa faculdade particular, uma pessoa que vivia cercada de amigos. Quem poderia desconfiar de alguém assim? Pois esse é o perfil de um suspeito de estelionato, acusado de aplicar um golpe que rendeu um prejuízo de mais de R$ 300 mil a um grupo de pelo menos 20 pessoas de Salvador que o tinham como amigo. Depois de pegar dinheiro emprestado com esses amigos para sociedades na revenda de máscaras contra a covid-19, perfumes importados e aluguel de apartamentos para o Carnaval, ele desapareceu. Entre as pessoas lesadas, cinco já estão movendo ações contra ele no Ministério Público da Bahia (MP-BA).

Identificado como Jorge Alan Duarte, de 41 anos, ele já não está mais no apartamento onde costumava morar, no bairro da Barra, sumiu das redes sociais e desde outubro não atende às ligações. O CORREIO conversou com cinco das vítimas, que pediram para não serem identificadas por razões diferentes como medo, vergonha e mesmo por falta de confiança de que o caso seja solucionado.

Uma delas é uma enfermeira, natural de Feira de Santana, que dividia a coordenação do setor de Enfermagem do hospital com Jorge. Ela trabalhava havia um ano e meio com ele e dividiam a mesma sala. A profissional resolveu voltar a trabalhar na sua terra de origem e pediu demissão da unidade de saúde. O colega, então, começou a brincar com o fato de que ela logo receberia o valor da rescisão do contrato. 

“Ele era muito amigo, cativante, todos confiavam nele. Quando ele soube que eu ia receber a rescisão, ele ficava todo dia perguntando se já tinha caído”, recorda ela. Um dia, ele ligou para ela pedindo o valor de R$ 9 mil emprestado para poder comprar perfumes importados do Paraguai porque tinha encontrado uma promoção muito boa e não tinha aquele valor no momento. Antes de ajudá-lo, ela até consultou colegas que já tinham emprestado dinheiro a ele e ouviu relatos de que ele pagava certinho. “Ele me pediu aquele valor, mas eu só dei metade porque fiquei meio desconfiada”, conta ela. Ele prometeu pagar 20 dias depois.

Chegado o dia do pagamento, Jorge passou a dar desculpas, disse que tinha sido assaltado e que estava abalado psicologicamente. Depois, falou que não tinha recebido o salário e que estava com problemas com a empresa pela qual era contratado. “E foi assim até chegar o dia em que ele sumiu”, conta a enfermeira.

Caiu a máscara
Foi também há cerca de um ano e meio que outra vítima, um contador de 26 anos conheceu Jorge através de um aplicativo de relacionamentos. O encontro terminou virando amizade. Saíram junto com amigos em comum, foram a shows. Não tinha nada que desabonasse a conduta do enfermeiro. Jorge compartilhava sua história de vida, contava que teve uma juventude miserável, que ainda ajudava a família que morava na Paraíba. Um dia, o contador comentou que estava investindo dinheiro numa corretora e andava tendo resultados legais. Não demorou muito e Jorge ofereceu a ele uma sociedade para a venda de máscaras para hospitais durante a pandemia. 

“Ele disse que as máscaras estavam saindo a R$ 6,8 mil. Eu entraria com R$ 3,4 mil e ele com a outra parte”, conta. Nesse esquema, a máscara seria comprada a R$ 1,70 e vendida a R$ 2,10 a unidade, o que, no fim, renderia um lucro de R$ 1,6 mil, sendo então R$ 800 de ganho para cada. “Ele tinha uma vida estável, trabalhava na área da saúde. Eu aceitei e fiz a transação. No dia de receber o dinheiro, ele começou a dar desculpas de que a mãe dele fez uma cirurgia de R$ 18 mil e que ele estava descapitalizado. Eu me comovi e falei que ele podia me pagar depois”, conta ele, que registrou boletim de ocorrência na 5ª Delegacia Territorial (Periperi). 

Trecho de conversa em que enfermeiro oferece sociedade a uma das vítimas (Foto: Reprodução)

A faculdade em que o enfermeiro era preceptor de estágio, o Centro Universitário Estácio, disse à reportagem que, assim que foi informada da suposta ação de estelionato, no fim de 2020, afastou Jorge Alan do quadro de funcionários e que, portanto, ele já não exerce nenhuma atividade na instituição.

Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) disse que está pesquisando sobre o caso antes de se pronunciar. Já a Polícia Civil informou que o caso está registrado na 5ªDP.

Círculo de amizade
Segundo o contador, a espera pelo pagamento foi o tempo de ele aplicar ainda mais golpes. Num desabafo nas redes sociais, uma das pessoas lesadas publicou o que tinha acontecido e pediu ajuda para encontrar Jorge Alan. Todo mundo foi dando uma pesquisa no nome dele na internet e acabaram se encontrando. Eles criaram um grupo no WhatsApp com 24 pessoas, com gente que chegou a perder de R$ 3 mil a R$ 40 mil. Os membros estimam que o rombo possa chegar a mais de R$ 500 mil, já que outras vítimas deixaram o grupo por achar que não haveria solução para o caso.

Amigo de Jorge há cinco anos, um professor de 31 anos também foi levado a cair no golpe e conta que quase todas as vítimas faziam parte do círculo de amizade do enfermeiro. “Ele já tinha tomado dinheiro na minha mão e pagado, acabei tendo a confiança. Quando dei por mim, ele tinha sumido de todas as redes sociais. Estive no apartamento dele e descobri que ele estava fugido, os vizinhos contaram que todo dia chegava alguém lá procurando por ele e cobrando”, conta ele, que emprestou R$ 9 mil com base na promessa de que teria o triplo quando Jorge vendesse os perfumes. 

Ex-bancário, um aposentado dono de um imóvel na Barra também foi alvo das trapaças. Ele conta que conheceu o enfermeiro quando, há três anos, ele alugou seu apartamento para o Carnaval. No ano passado, Jorge alugou o imóvel mais uma vez e sugeriu ao aposentado uma forma de ganhar mais com a locação. “Ele era conhecido por alugar apartamentos para turistas. Ele sugeriu que eu o emprestasse dinheiro para barganhar com proprietários o valor do aluguel. Com o dinheiro em mãos, ele conseguiria um melhor preço e me daria uma comissão pelo lucro”, explica. 

De 2019 a 2020, o homem emprestou cerca de R$ 15 mil a Jorge e, embora com um certo atraso, sempre recebeu o valor certinho. “Era como uma ‘sociedade informal’. Se o dono alugava por R$ 10 mil, ele conseguia a R$ 8 mil no dinheiro, passava para o turista a R$ 10 mil e a sobra era dividida. Ele ficava com uma parte e me dava uma comissão”, conta. Até que na última vez, já com confiança, emprestou R$ 40 mil e só teve R$ 22,8 mil de volta. Um prejuízo de R$ 18,2 mil. 

O contador amigo dele, chamado para a sociedade de venda de máscaras, argumenta que Jorge Alan agiu de forma muito bem articulada. “Eu estive na delegacia da Barra para denunciar e não fui bem atendido lá, ficou parecendo que eu era agiota. Eu nem consegui registrar lá, tive que colocar em Periperi. No primeiro dia que me dei conta de que caí no golpe, eu fui com sangue no olho para a casa dele. Jamais imaginaria que cairia num golpe. O valor fez falta para caramba e eu quero justiça, quero ver ele preso”, desabafa.

O advogado criminalista Osvaldo Barreto afirma que o crime de agiotagem se configura quando o agente ou empresa busca lucrar com empréstimo de dinheiro, cobrando juros, sem estar autorizado para tal atividade. Essa autorização vem com o registro como instituição financeira junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou corresponde bancário.

Já o estelionato se configura com a identificação de quatro requisitos: quando há obtenção de vantagem ilícita; quando causa prejuízo a outra pessoa; o meio utilizado é ardil ou se dá com artimanha; quando leva alguém a erro

Correio da Bahia

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