Sem Carnaval, economia baiana perde e trabalhadores informais buscam auxílios

 Pelo menos R$8 bilhões poderão deixar de circular na economia com o cancelamento | Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE - Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE

Sem o Carnaval, uma das mais tradicionais festas de Salvador, a estimativa é que cerca de R$ 1,7 bilhão deixe de circular na cidade, valor que seria gasto pelos foliões na festa. Esse número, estimado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), pode ser ainda maior, já que a festa conta com milhares de trabalhadores informais.

Segundo a coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Unifacs, Carolina Spinola, são profissionais da área de turismo, de serviços e eventos, além de ocupações temporárias, como cordeiros, seguranças, motoristas, artistas, eletricistas e trabalhadores informais, que enfrentam de maneira ainda mais sensível a crise.

Eles dependem da festa e, sem alternativas de compensação financeira, dependem de auxílios governamentais e federais. “Se pensar no que a cidade perdeu, a gente tem toda essa gama de profissionais que vivem do Carnaval. É praticamente impossível dimensionar, mas esse dado não é fora da realidade e acredito que é ainda maior”, explica.

Em 2021, segundo estimativa feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, pelo menos R$ 8 bilhões poderão deixar de circular na economia com este cancelamento.

Para a ambulante Clealzira Sousa, que trabalha há mais de 30 anos no Carnaval, esse período é o 'dia da memória'. "Começou pela geração da minha mãe, fui nascida e criada com ambuantes. Agora estamos sem o Carnaval, só a lembrança. Hoje é o dia da lembrança, postando as coisas do ano passado. Choro, nestante estava assistindo um vídeo antigo e caí no choro", conta.

"Agora estaria colocando minha cerveja no carrinho e levando pra avenida. Fico triste é que muitos estão passando nescessidade", explica. "Para mim a situação está um pouco melhor, que tenho outras fontes de renda, mas muitos não têm isso, dependem de doações, de cestas básicas", completa.

Mario Lopes, presidente da Associação Integrada de Vendedores Ambulantes e Feirantes da Cidade de Salvador (Assidivam), entidade que congrega cerca de mil trabalhadores, concorda com Clealzira e afirma que a situação é complicada para os informais.

“Ambulantes são os verdadeiros protagonistas do Carnaval, que fazem essa festa acontecer. Muitos largam as suas casas durante todo o período de Carnaval para estar na rua, servindo aos baianos e turistas. E nesse ano estamos como? Com o pires na mão, sem o olhar de ninguém”, conta.

Mario reclama da falta de união da Prefeitura e do Governo do Estado para auxiliar os trabalhadores nesse momento difícil, especialmente porque a categoria já está fragilizada pelos impactos da pandemia, sem festas como Iemanjá e Bonfim.

Estima-se que, em 2020, Salvador tenha recebido mais de 600 mil turistas durante o período de Carnaval. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), o número corresponde a uma média de 12% do lucro anual do setor de hospedagens.

Carolina comenta que essa situação de perdas econômicas por causa da pandemia deve servir como um alerta para Salvador e a Bahia repensarem a sustentabilidade do setor de entretenimento e a necessidade de se transformar em uma atividade menos suscetível a crises.

“Esses eventos contribuem de maneira significativa para a economia, só que esse cenário de pandemia acende um alerta. Um destino que tem uma série de outras possibilidades, como Salvador tem, pode ser melhor trabalhado, até para tornar menos dependente destes eventos”, conta.

Ela explica que uma forma de fazer isso é desconcentrar os eventos temporalmente, para evitar que um surto em determinada época não tenha um impacto tão significativo. “Uma desconcentração geográfica é importante também, sair de outros lugares como a Barra, por exemplo”, explica.

Auxílios

Sem poder contar com a renda dos dias de Carnaval, a Ambev criou para os ambulantes, junto com o app Zé Delivery, a plataforma “Ajude um Ambulante”, um movimento para apoiar os vendedores com um auxílio financeiro, diminuindo o impacto das festas que não vão acontecer.

A expectativa é ajudar cerca de 20 mil trabalhadores em todo o Brasil, com um auxílio de até R$ 255 para cada. Para isso, os vendedores devem se cadastrar na plataforma virtual

Com a aprovação do cadastro, o ambulante recebe o valor de R$ 150 e, também, um código para distribuir a consumidores, podendo receber R$ 5 a cada vez que o código for utilizado no Zé Delivery, com máximo de 20 usos por ambulante.

Apesar de admitir que toda ajuda é bem-vinda, o presidente da Assidivam reclama que a plataforma pode não ser tão acessível para os trabalhadores.

“Boa parte dos ambulantes não tem esse nível de conhecimento tecnológico, até um cadastro pode ser confuso para as pessoas. Deveria ser de uma forma mais objetiva e flexivel, quem vai ter os DAMs todos guardados? Se fosse uma coisa interligada com a Prefeitura, poderia puxar os dados a partir do CPF, para saber quem trabalhou nos anos anteriores”, diz.

“Foi uma boa iniciativa da cervejaria, mas por que não se organizou? Por que não se reuniu com os representantes? Por que não se reuniu com as lideranças para saber como passar isso tudo? Entendo também que a Prefeitura e o Governo do Estado deveriam ter chamado os ambulantes para dar um auxílio, pelo menos nesse período”, completa.

O Governo do estado foi procurado, entretanto, não retornou até a publicação desta reportagem. A Ambev também foi procurada pelo Portal A TARDE, mas não respondeu os questionamentos até o fechamento desta matéria.

Já a Prefeitura de Salvador afirmou, por meio de nota, que o programa Salvador Por Todos, que oferece o auxílio no valor de R$ 270 para os trabalhadores informais da cidade, foi prorrogado até março e atenderá cerca de 15 mil ambulantes.

Ainda segundo a gestão municipal, o programa já beneficiou mais de 37 mil trabalhadores e investiu mais de R$ 56 milhões no suporte a quem está no mercado informal de Salvador.

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