A tentativa de homicídio contra uma adolescente ocorrida no Nordeste de Amaralina, no dia 4 de outubro do ano passado, pode ter relação com um furto praticado momentos antes no supermercado Atakarejo, no bairro do Amaralina, em Salvador. Assim como o caso recente que envolve o duplo homicídio de Bruno e Ian Barros da Silva, ocorrido em 26 de abril desse ano, a vítima teria cometido o mesmo crime e foi entregue a facção Comando Vermelho (CV), que promoveu a tortura na localidade do Boqueirão (veja aqui).
A jovem foi socorrida para o Hospital Geral do Estado (HGE) com um ferro enfiado no corpo. No dia da ocorrência, o Informe Baiano noticiou o caso (veja aqui), mas na época não havia nenhuma suspeita de envolvimento de funcionários do estabelecimento.
A reportagem mostra uma foto no local da ocorrência e detalha que dez homens participaram da covardia no ‘Quartel General’ da organização criminosa. Sob anonimato, a adolescente confirmou o caso ao IB.
A vendedora ambulante Elaine Costa Silva, 37 anos, mãe de Ian, que era sobrinho de Bruno, disse ao IB na manhã desta terça-feira (04/05), durante uma reunião na Assembléia Legislativa da Bahia (ALBa), que a jovem também foi levada para o “quartinho da tortura” do supermercado e “passaram até a faca no braço dela”. “Ela conseguiu sobreviver pela honra e glória do Senhor. Saiu no Informe Baiano, aqui o print”, acrescentou.
Bruno e Ian foram mortos no Nordeste de Amaralina e depois tiveram os corpos abandonados no porta-malas de um carro, na Polêmica de Brotas, conforme denunciado pelo IB minutos após o crime chocante. A prática do CV também não é novidade. A facção que domina o Nordeste utilizou os mesmos modus operandi em 19 de setembro de 2020 (veja aqui).
“O dono é um cúmplice porque desde quando eu tenho uma rede de supermercado e não é o primeiro caso que acontece isso, ele tá ciente de tudo. Então, eu creio que ele é cúmplice também. É por isso que eu estou pedindo justiça. Que cada um deles pague e que a rede de supermercados Atakarejo pague. Não vai trazer a alma e nem a vida do meu filho de volta, mas que eles paguem por tudo”, cobrou Elaine.
Apuração do IB revela ainda que pelo menos mais um homem participou da investida no Atakarejo que terminou em duplo homicídio. Quando Bruno e Ian estavam detidos por seguranças, esse cúmplice aguardava dentro de um carro, no estacionamento, e percebeu a chegada de um grupo de criminosos (veja aqui). A fonte do IB revela que ele seria um “motorista de fuga”. Questionada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) confirmou através da sua assessoria de imprensa que investiga essa possibilidade.
Dona Dionésia Pereira de Barros, 58 anos, mãe de Bruno, afirmou que realmente tio e sobrinho foram levados ao supermercado por uma terceira pessoa. “Disse que essa pessoa já chegou lá na porta com um carro e ele disse assim: ‘eu não vou mais, não’. Uma senhora disse a ele no sábado que o espírito da morte estava rondando ele e nessa hora ele lembrou. Mas ele não se tocou. Aí ele disse: ‘Ô fulano, eu não vou lá não. E ainda disse ao sobrinho ‘não venha atrás de mim não porque se acontecer alguma coisa com você seu pai vai me matar’. Só que eu não sei quem é essa terceira pessoa”, pontua Dionésia.
Questionada se a polícia já procurou os familiares, ela negou. “A polícia ainda, não. Não conversou comigo, não. E o povo do Atakarejo também não está dando nenhum suporte. Quem está dando suporte são os repórteres; o doutor aqui, Jacó; a deputada, nome dela é Olívia, né? Foi lá na minha casa ela”, contou.
Funcionários demitidos e ameaça do CV
Um funcionário revelou, também sob anonimato, que o gerente do Atakarejo de Amaralina seria morador do Nordeste. Ele e o segurança não estão indo mais trabalhar, pois “foram demitidos”. Além disso, integrantes da facção CV foram ao supermercado e disseram para não entregar as filmagens aos policiais.
“Não confirmaram as demissões porque fica aquele mistério, ninguém confirma nada. Mas a conversa aqui é que foram demitidos sim. E a gente nem usa mais a farda do trabalho porque a gente tem medo de acontecer alguma coisa. A empresa já orientou a só usar a farda no trabalho”, revelou.
“Tiveram aqui de novo depois do ocorrido e ficou todo mundo apreensivo. Disseram que se entregasse as filmagens para a polícia, iria morrer todo mundo. Mas a polícia teve aqui antes deles (traficantes). Já tem gente pensando até em pedir demissão. Melhor ficar sem emprego do que morrer”, afirmou.
A assessoria de imprensa da empresa disse que o “Atakarejo já entregou todos os documentos necessários para investigação e apuração dos fatos para os órgãos competentes do estado e a segurança pública”. Sobre as demissões, não se posicionou.
“Postura do desprezo”
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da ALBa, o deputado Jacó (PT) parabenizou o IB pelas duas denúncias e afirmou que essas situações são “recorrentes”. O parlamentar e os familiares dos jovens também participaram de uma reunião com o presidente da ALBa, Adolfo Viana, que também condenou o episódio.
“Essa turma não nos procurou. É aquela postura do desprezo, da arrogância. Está faltando humildade, reconhecer e mudar esses modus operandi. Tem que pedir desculpas publicamente para as famílias. Não é o primeiro caso. Vocês mesmos já denunciaram um outro caso em outubro. Então isso já poderia à tona no final do ano passado, mas passou batido ano passado porque na época não tiveram a informação completa. Então, ficou na conta do ‘Tribunal da Impunidade’, pois não teve o mandante por trás. É recorrente! Que país é esse!? Esses caras se sentem acima da lei”, disse.
“O que me machuca é a hipocrisia. Eu quero ver agora a justiça, eu quero ver agora os doutores. Agora é um bilionário. Eu quero ver o Ministério Público. Eu quero ver a verdade e se a gente vive mesmo um racismo institucionalizado. A gente está vendo um milionário mandando matar pobre, preto, homem e mulher da periferia. Isso é um escândalo. O Atakarejo tem uma política mafiosa de crimes que estão aí encobertos”, desabafou o parlamentar petista.
“Vou cobrar sim das estruturas do Estado. A polícia precisa investigar e oferecer a denúncia para que a sociedade possa se contagiar com essa indignação. Eu não tenho medo de ameaça e cara feia”, concluiu Jacó.
“Deveriam ser entregues na justiça e fora da justiça, é barbárie. E foi o que aconteceu. Em pleno século XXI. Essa Casa vai fazer o seu papel de cobrar das autoridades, incluindo o secretário de Segurança Pública para que essa coisa não volte a acontecer, que me parece que era uma rotina. É uma coisa inacreditável”, finalizou o presidente da ALBa.
Informe Baiano
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