Lucas e a mãe: luta contra o câncer Foto: reprodução
O Ministério Público do Rio denunciou à Justiça quatro policiais militares por terem executado um adolescente com um tiro na cabeça após ele ter sido colocado, ainda vivo, na caçamba de uma viatura na Zona Norte do Rio. Lucas Azevedo Albino foi baleado, aos 18 anos, num dos acessos do Complexo da Pedreira, em Costa Barros, quando estava na garupa de uma moto, indo buscar a namorada para passar o dia com sua família na praia em Mangaratiba, na Costa Verde Fluminense, em 30 de dezembro de 2018. A investigação do caso concluiu que Lucas, após ter sido atingido no ombro, foi colocado na viatura pelos PMs ainda consciente, gritando que não era bandido e pedindo que chamassem sua mãe. Quando deu entrada Hospital estadual Carlos Chagas, 30 minutos depois, o rapaz já estava morto com um tiro na cabeça.
De acordo com a denúncia do MP, obtida com exclusividade pelo EXTRA, "quando o jovem já estava em poder da guarnição policial, os policiais, dolosamente, todos mancomunados entre si, sob odioso pacto de silêncio, em frontal desarmonia com os valores cultivados na caserna, ceifaram a vida de Lucas Azevedo Albino de modo cruel e covarde, agindo em atividade típica de grupo de extermínio". Foram denunciados por homicídio doloso os PMs Sérgio Lopes Sobrinho, Bruno Rego Pereira dos Santos, Wilson da Silva Ribeiro e Luiz Henrique Ribeiro Silva, lotados no 41º BPM (Irajá). Por decisão da Justiça, todos estão afastados das ruas.
O crime só foi esclarecido graças à luta da mãe de Lucas, Laura Ramos de Azevedo. Lutando contra um câncer no pulmão, já em estado avançado, ela investigou a morte do filho por conta própria: logo após o crime, foi atrás de testemunhas e conseguiu até uma foto, tirada por um morador da favela, que mostrava o momento em que Lucas era colocado na viatura pelos PMs. A imagem foi publicada pelo EXTRA e entregue ao MP.
O depoimento da mulher à Justiça foi antecipado, a pedido do MP, porque a doença poderia impossibilitar o testemunho da mulher. Em seu relato à Justiça, em fevereiro de 2019, Laura disse que, após o filho ter saído da favela ainda vivo, "os policiais militares pegaram ele e levaram, e o executaram". Atualmente, Laura recebe tratamento paliativo no Instituto Nacional do Câncer (Inca) e ainda faz sessões de quimioterapia.
— É uma vitória, eu vivo pela memória do meu filho. A luta ainda não acabou, mas hoje é um dia muito feliz — disse Laura.
Uma testemunha localizada pela mulher e levada aos promotores afirmou, em depoimento, que viu o momento em que Lucas foi baleado. Na ocasião, o homem esperava um ônibus no momento em que os PMs atiraram em direção à moto onde o adolescente estava. A testemunha alega que Lucas não estava armado, não atirou contra os agentes e estava consciente quando foi colocado na viatura: "Lucas continuou gritando pela mãe e dizendo que não era bandido", disse. O relato contrapôs a versão dada pelos PMs na delegacia logo depois do crime: eles alegaram que foram atacados a tiros por Lucas e pelo condutor da moto que levava o jovem e revidaram os disparos, atingindo Lucas.
Segundo a investigação do MP, Lucas foi baleado por volta das 7h e ficou em poder dos PMs por cerca de 30 minutos antes de dar entrada no hospital, já morto, às 7h32. A denúncia relata que, durante o trajeto da favela ao hospital, um dos agentes "efetuou um segundo disparo de arma de fogo na cabeça do jovem ferido, provocando a fratura de todos os ossos do crânio, a laceração do encéfalo e a sua morte imediata". Ainda de acordo com o documento, "para dar aparência de legalidade ao brutal extermínio da vítima, sob o pretexto de prestação de socorro, os policiais militares prosseguiram no trajeto, transportando o cadáver ao hospital".
A mãe do adolescente, que soube que o crime havia acontecido minutos depois de os policiais deixarem a entrada da favela, chegou à unidade de saúde antes mesmo dos policiais. O trajeto do Complexo da Pedreira até o Hospital Carlos Chagas pode ser percorrido em até 15 minutos num dia sem trânsito — como a manhã de domingo em que o crime aconteceu.
Após o crime, os policiais apresentaram na delegacia uma pequena quantidade de maconha e crack, um radiotransmissor e uma granada e afirmaram que o material estava com Lucas. O MP pediu à Justiça que a Corregedoria da PM seja oficiada "para apurar a procedência do material".
Extra o Globo
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