Buscar saídas para o tédio, oscilando entre os polos do desejo e da satisfação, tem sido rotina necessária, em processo incessante de fazer escolhas, algumas delas arriscadas, como é o caso dos fogos de artifício, recurso de mobilização dos sentidos humanos.
Acuadas em seus lares, devido à ameaça de contágio pelo coronavírus, as pessoas precisam encontrar meios de entretenimento, agarrando-se às tradições, entre as quais o estouro em luzes e fumaça ocupa uma das opções preferenciais.
Quem dispõe de laje própria, quintal ou frente de casa com passagem moderada de pedestres, pode divertir-se, sem aglomerações, ao dispor arsenal capaz de produzir impressões de beleza e emoção, mantido o olhar para o céu salpicado de estrelas e rojões.
O resultado deste amplo privilégio dos aparelhos percipientes sobre o raciocínio é o descuido com a vida, uma tendência prevalecente em um país cuja imunização contra uma pandemia é deliberadamente retardada, produzindo mais de meio milhão de mortes.
Antes da pandemia e de seus efeitos sobre os padrões de sociabilidade, o ato de enfeitar o firmamento com a pólvora e seus congêneres já deixava em alerta as equipes de pronto socorro, agora, então, com os hospitais cheios, a preocupação aumenta proporcionalmente.
Um mercado consolidado, gerador de lucros e empregos, oferece as cobiçadas luzes, mas não há correspondência entre as vendas e os avisos do perigo no manuseio dos objetos de prazer.
Acresce, na Bahia, a ocorrência
das guerras de espada, reafirmando anualmente, no plano simbólico, ancestrais conflitos guardados no murmúrio dos tempos, anacronismo aceitável, se aplicada a superdose de generosidade irrestrita em relação a esta manifestação cultural.
Tanta entrega ao sensível, no entanto, pode produzir uma menor participação do inteligível nestas ações em prol da estética, sem a ajuda da qual a suposta realidade torna-se mais difícil de enfrentar, quando sobrevêm a dor e o sofrimento das evitáveis queimaduras.
A tarde
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