Presidente nacional do Democratas, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, planeja intensificar suas andanças pelo interior da Bahia e começa a sinalizar as estratégias que usará na eleição de 2022. Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, Neto reconhece que existem conquistas importantes dos governos do PT e que ele e seus apoiadores não vão desconsiderar. “Mas também há problemas sérios que precisam ser enfrentados, sobretudo, na economia, educação e segurança pública”. Para o democrata, “a Bahia pode olhar para o futuro sem ficar presa ao passado”. “Eu pretendo fazer um debate que confronte claramente o passado com o futuro”, diz ACM Neto, ao criticar os adversários, afirmando que “nos últimos anos, o governo do estado deixou de ouvir as pessoas”. “Precisamos reconectar a vontade dos baianos com o que os seus governantes fazem”. Confira:
Você tem percorrido o interior do estado desde que deixou a prefeitura. Como tem sido esse primeiro contato com a população e como tem sido sua receptividade?
Não poderia ser melhor. Afinal de contas, eu passei 8 anos governando Salvador, focado no trabalho da prefeitura, é natural que houvesse da minha parte uma dúvida sobre como os baianos de fora da capital interpretavam o meu trabalho e hoje eu vejo que o que nós fizemos durante 8 anos foi algo que repercutiu na Bahia toda e que há esse sentimento de reconhecimento dos baianos ao trabalho de transformação que fizemos na capital. Então, não poderia ser melhor do que a gente vem encontrando nas andanças pelo interior.
Que diagnóstico já é possível fazer do estado? Aonde estão os maiores gargalos deixados nos governos do PT?
Eu não sou daquele tipo de cara que fica só atirando, jogando pedra e apontando defeitos. Existem conquistas importantes nesses 16 anos do PT que nós não vamos desconsiderar. Mas também há problemas sérios que precisam ser enfrentados. Eu apontaria três áreas que eu considero que são estratégicas para o futuro da Bahia: primeiro, em relação à economia da Bahia. Nesses 16 anos, a Bahia perdeu competitividade olhando para o Brasil. É preciso ter um olhar mais voltado para as vocações e potencialidades de cada região, fomento e desenvolvimento regional, e assim, uma vida muito mais equilibrada de investimentos futuros do estado, e para fomentar o que cada região pode ter de aproveitamento máximo. A gente percebe que cada local tem a sua vocação, tem a sua força econômica, e se houver uma visão muito mais voltada para os problemas de cada região, é possível reposicionar economicamente a Bahia, o que vai proporcionar um crescimento muito maior com geração de emprego. O segundo ponto que eu destaco é em relação à educação. A gente sabe que não existe o estado que pretenda ser forte e desenvolvido para o futuro, que pretenda ser competitivo, que tenha pessoas preparadas para essa disputa global, se não investir na educação. Tem que investir na educação. A educação tem que ser prioridade. Quando a gente olha os números, a Bahia tem a pior avaliação do ensino médio de todo o Brasil. Não é admissível que um estado como a Bahia ocupe o último lugar do Brasil na avaliação do ensino médio, que é o que reflete a qualidade da educação da rede estadual. Então se a Bahia quer ser um estado forte para o futuro, se a Bahia quer liderar um processo de crescimento do Brasil no futuro, é fundamental investir em educação. Tenho um compromisso prioritário com a educação. A terceira coisa que eu coloco como absolutamente importante é a questão da segurança pública. Porque a gente sabe que nos últimos 16 anos a violência piorou muito, não só nas grandes cidades, mas também nos pequenos municípios da Bahia. E é fundamental que a gente tenha uma liderança que cuide da segurança pública pessoalmente. Que chame para si a responsabilidade, que encare os problemas e que seja o “resolvedor” desses problemas. Então o próximo governador da Bahia precisará, inevitavelmente, cuidar pessoalmente da questão da segurança pública. Não pode se elevar a terceiros, não pode buscar desculpas. Vai precisar matar no peito, chamar a responsabilidade para si e encarar esse problema que é grave no estado hoje.
Você já começou a construir o seu plano de governo. Como tem sido esse processo e como pretende conduzi-lo até o começo de 2022?
Antes de tudo, ouvindo pessoas. É fundamental a gente ter a sensibilidade para saber o que as pessoas estão sentindo e o que elas desejam para o futuro. Então nessa caminhada pela Bahia, a gente tem valorizado muito o ouvir as pessoas. É preciso construir um plano de governo que seja reflexo da mensagem do estado, do país. Eu não sou dono da verdade, ninguém é dono da verdade. Eu penso que nos últimos anos, de certa forma, o governo do estado deixou de ouvir as pessoas. Nós precisamos reconectar a vontade dos baianos com o que os seus governantes fazem. Então isso é a essência do que nós estamos pensando. A segunda coisa é o seguinte: é preciso ter um olhar regionalizado. A Bahia tem um tamanho de país. Cada região tem as suas próprias características, tem a sua própria peculiaridade. E é fundamental traçar um plano que seja estratégico, que traga uma visão contemporânea, pensando o que cada região deseja para o futuro.
São 16 anos do PT no poder e o atual governador terá como candidato à sucessão o nome que o antecedeu. Qual será a sua estratégia para convencer o eleitorado a mudar os rumos na Bahia?
Eu acho que de um lado é não ter uma visão mesquinha de dizer que nada foi positivo nesses últimos 16 anos. Então existem coisas que foram acertadas e que devem ser preservadas. Mas por outro lado, mostrar que a Bahia pode muito mais. E que a Bahia pode olhar para o futuro sem ficar presa ao passado. Eu pretendo fazer um debate que confronte claramente o passado com o futuro. Nós queremos discutir e dialogar sobre o futuro da Bahia. E eu acho que é isso que os baianos querem. Então se eu pudesse produzir uma só frase ou expressão, eu diria o seguinte: os baianos querem e podem muito mais. E é possível construir olhando o futuro da Bahia, mostrando que o estado pode muito mais.
Jaques Wagner representa o “velho”? Há um cansaço do PT na Bahia?
Eu não gosto de usar essa expressão “velho” porque ela vem carregada de uma certa dose de preconceito. Respeito o senador Jaques Wagner, não iria aqui detratá-lo de maneira alguma, mas, na minha opinião, a cabeça do senador, a história, e o trabalho dele dialogam com o passado, e eu quero conversar com o futuro. E é exatamente esse contraponto que eu acho que a gente pode fazer. É obvio que se você enxerga quadros do passado que estão hoje estabelecidos na política da Bahia, você vai lembrar de Jaques Wagner. Se você quer pensar no futuro, em algo novo, diferente, mais arrojado, mais criativo, mais inovador, então você pode pensar em outras alternativas, e eu quero humildemente alocar as minhas ideias à disposição dos baianos para dialogar com o futuro.
As alianças começam a ser articuladas, as conversas começam a ser feitas. Você tem expectativa de que os partidos que apoiaram o atual prefeito Bruno Reis poderão marchar contigo em 2022?
Essa é a nossa base inicial. É nosso ponto de partida. É óbvio que eu quero inicialmente prestigiar o diálogo com esses partidos. Cada um tem a sua independência, cada um tem a sua própria liderança, e a gente tem que respeitar isso. Agora, olhando para os eventos de 2022, a minha prioridade será pensar, construir uma aliança com os partidos que hoje estão alinhados conosco, que pensam como nós pensamos. Isso não significa dizer que estamos fechados a outras possibilidades. Estamos abertos. Mas eu não vou contar com outras possibilidades. Então a minha prioridade, e eu entendo que os partidos são extremamente representativos, se nós conseguirmos uma aliança que, de certa forma, retrate pelo menos uma parte desses partidos que apoiaram o prefeito Bruno Reis em 2020, nós já seremos muito fortes e teremos uma base partidária robusta para enfrentar a disputa de 2022.
Você acredita que o ministro João Roma possa lançar a candidatura ao governo para dar palanque ao presidente Bolsonaro na Bahia?
Não sei e não posso falar por ele. Só quem pode falar por ele é ele próprio. Nós não sabemos como é que o desenho da disputa de 2022 vai ficar. É preciso ter calma e paciência. Eu, com a experiência e com a vida política de tantos anos que já tenho, sei que muitas coisas ainda vão acontecer até 2022. Então eu não posso fazer prognóstico e não posso falar nem pelo ministro, nem também pelo partido dele. Vamos aguardar para ver como as coisas vão ficar.
Preocupa um cenário em que Roma se lance candidato ao governo, já que ele pode dividir votos com seu eleitorado e ainda atrair partidos que hoje estão na sua base, como o PL, Patriota e o próprio Republicanos?
Olha, eu sempre disse uma coisa que para mim é algo absolutamente verdadeiro. Quando a gente quer construir um projeto político, a gente não pode se preocupar com os outros. Primeiro a gente tem que se preocupar com nós mesmos. A minha preocupação nesse momento, e a mais importante, é fazer uma aliança com o povo, com as pessoas. É traduzir um projeto que seja de vontade das pessoas. Se esse projeto for consistente, eu tenho certeza que a política vem junto. E mais do que qualquer tipo de articulação política, prevalece a vontade das pessoas. Eu fui eleito em 2012 num contexto que, do ponto de vista político, o meu principal adversário tinha alianças muito mais fortes do que a minha, mas fui eleito prefeito, e a população não se arrependeu disso. Penso eu que, olhando para 2022, coincidentemente 10 anos depois, eu vou ter que focar nessa mesma estratégia. Ou seja, a minha aliança principal é com o povo. Acho que as pessoas que quiserem um projeto diferente para o futuro da Bahia virão conosco.
Você e o atual ministro João Roma romperam em fevereiro desse ano politicamente e muito se fala no imaginário da política de que possa haver uma recomposição lá na frente. Isso está na sua conta de possibilidades, Neto?
Eu não trabalho com especulação. Quando o deputado João Roma foi escolhido como ministro eu me posicionei sobre esse assunto. Não tenho mais tratado desse assunto, porque eu tenho outras prioridades e meu foco está voltado para dialogar com os baianos, dialogar com o futuro da Bahia. O que vai acontecer ou não, e articulações políticas futuras somente o tempo dirá.
Você é presidente nacional do Democratas e está à frente também da articulação nacional do partido. Que cenário você desenha para 2022? A polarização que a gente vê hoje de Lula e Bolsonaro preocupa?
Eu acho que é prematuro a gente dizer que essa polarização será exatamente o retrato nas eleições de 2022. Ainda faltam 1 ano e 4 meses para as eleições de 2022. Pode ser que essa polarização se mantenha ou pode ser que surjam outras alternativas que não estejam expostas no presente. O fato é que quando a gente olha as pesquisas hoje, a gente tem que olhar com muita ressalva, porque elas podem muito mais retratar o passado do que projetar o futuro. Então, nesse aspecto é fundamental ter cautela e aguardar como a política nacional vai se desenhar. Mas eu acho que em algum momento pode acontecer uma janela de oportunidades para que outros nomes sejam avaliados pela população brasileira.
O que fazer para furar esse bloqueio dos extremos que estão colocados hoje e construir uma terceira via que seja realmente competitiva?
Eu acho que, antes de tudo, fazer uma reflexão de que o Brasil não precisa necessariamente ficar preso ao presente e ao passado. Ele pode ter um caminho diferente para o futuro. Será essa a vontade dos brasileiros? Não sabemos. Pode ser que os brasileiros se mantenham com o foco nos dois nomes que hoje estão postos. Refletindo sobretudo nos índices de pesquisas que são avaliadas no cenário atual. Agora, repito: temos ainda 1 ano e 4 meses. E aí uma coisa que é fundamental compreender: nem sempre o tempo das pessoas é o tempo da política. Às vezes, a política atropela o tempo das pessoas. Eu sou muito mais comprometido e preocupado com o tempo das pessoas do que com o tempo da política. Então eu não acho que a eleição de 2022 hoje está na cabeça das pessoas. Existem outras prioridades. Principalmente a superação da pandemia. Ora, quando a política se consolidar, quando os nomes se consolidarem, vamos ver como o cenário fica.
A polarização Lula e Bolsonaro pode ser prejudicial para você aqui na Bahia, já que você não tem um palanque forte nacionalmente ainda definido?
O eleitor baiano é independente. Ele sabe distinguir bem o que é uma eleição presidencial e uma eleição para governador. Eu, aliás, mais do que qualquer outro político de outro estado, posso dizer que vivi isso na pele. Porque em 2012, quando disputei a eleição para prefeito, o grande discurso que havia contra mim era o fato de que eu era de um partido contra o governador e contra a então presidente da República. Venci as eleições com a confiança, o crédito do povo de Salvador, e durante 8 anos mostrei toda a capacidade de dialogar e governar com governadores e presidentes que não eram do meu partido. Governei com dois governadores diferentes do PT, Jaques Wagner e Rui Costa, e governei com três diferentes presidentes da República: Dilma, Temer e o próprio Bolsonaro. E isso nunca prejudicou a cidade. Ao contrário, eu sempre soube colocar os interesses de Salvador em primeiro plano. E assim será caso eu seja governador da Bahia. Os interesses do estado estarão em primeiro plano. E eu terei a capacidade e a experiência política para governar com qualquer presidente da República. Então, as eleições são distintas, as escolhas são absolutamente distintas, então tenho certeza de que os baianos vão saber julgar isso em outubro de 2022. Farão a sua escolha para governador com o seu pensamento, o seu coração, mas farão também a sua escolha para presidente da República.
A tarde
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