Por: Reprodução Por: Folhapress
As
razões para querer morrer iam muito além das dores físicas que sentia
durante uma sessão de tortura de mais de uma hora. Paloma Amaral, 32,
tinha furtado um colar e um botijão de gás no bairro São Joaquim, na
zona norte de Teresina, quando foi pega e começou a apanhar.
O crime contra a travesti negra, ocorrido há um mês, foi gravado e postado nas redes sociais.
Após
levar socos e pontapés, ser jogada ao chão, ter mãos e pés amarrados e
ser colocada dentro do porta-malas de um carro, Paloma suplicou para que
lhe tirassem a vida, por não aguentar o sofrimento físico e mental, em
meio ao olhar de dois agentes da guarda civil municipal.
"Caí
nas garras do Estado. Eu apanhei da população. Eu estava passando por
necessidade, por isso roubei, peguei no que era alheio, por não aguentar
mais tanta fome. Preciso de um emprego, de uma casa para morar", disse a
travesti na ocasião.
Desconfiando
de todos e com medo de mais um ataque, Paloma seguiu para um bairro
vizinho. A assistente social Ayra Dias, do Fonatrans (Fórum Nacional de
Travestis e Transexuais Negras e Negros), foi atrás dela pelas ruas da
cidade.
Após uma ronda, encontrou Paloma deitada, em cima de papelões, em uma casa que estava sendo demolida.
"Trouxe
para minha casa, a fim de garantir, minimamente, esse lugar de estadia
para ela, um lugar para dormir e uma alimentação digna para aquela que
sofreu todas as violações de direito", conta Ayra. "Paloma tem 32 anos e
poderia ser mais uma daquelas que têm suas vidas ceifadas antes dos 35.
Queremos travestis vivas,
A
preocupação de Ayra não é à toa. Segundo a Antra (Associação Nacional
de Travestis e Transexuais), os transfeminicídios estão acontecendo cada
vez mais cedo. Das 89 mortes ocorridas no primeiro semestre de 2021,
apenas 15% das vítimas conseguiram ultrapassar a faixa dos 35 anos.
Ayra
diz que a equipe que se mobilizou para ajudar Paloma recebeu ameaças.
"Nossos companheiros estavam recebendo mensagens no WhatsApp, ligações
telefônicas, para que não continuássemos com a campanha, em virtude ao
ato ilícito que ela cometeu."
Paloma,
além de sofrer os castigos físicos, teve os documentos queimados
durante o episódio de violência. Após uma semana, acompanhada da
Gerência de Enfrentamento à LGBTfobia e do Centro de Referência LGBT, da
Secretaria da Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos, obteve a
segunda via da carteira de identidade e a carteira do nome social.
De
lá, foi encaminhada para a Casa do Caminho, equipamento da rede
socioassistencial municipal destinado às pessoas em situação de rua de
Teresina. Atualmente, equipes do estado e do município fazem
acompanhamento de toda a situação, com visitas periódicas ao abrigo e à
casa da família de Paloma.
Tomando
ciência da situação de extrema vulnerabilidade social de Paloma, a 49ª
Promotoria de Justiça informou que agora estão sendo adotadas medidas
relacionadas à sua inclusão em programas socioassistenciais e benefícios
eventuais a cargo do município, ainda com prazo para atuação da
Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas
Integradas.
No
dia 21 de julho, o Ministério Público instaurou dois inquéritos para
apurar as agressões sofridas por Paloma em 19 de julho. Em nota,
informou que a Guarda Civil Municipal de Teresina enviou ofício
afirmando que, ao chegar no local da ocorrência, encontrou a travesti
amarrada e orientou para que ela fosse solta.
No
mesmo documento, a Guarda Civil disse que vai apurar se os agentes
falharam no procedimento durante a violência cometida contra Paloma.
A
comissão instituída deverá encaminhar informações à Promotoria de
Justiça no prazo de 30 dias. Já o inquérito policial também foi
instaurado e tramita na Delegacia de Polícia de Repressão às Condutas
Discriminatórias e Proteção aos Direitos Humanos de Teresina.
Procurada,
a Guarda informou que o processo administrativo para apurar se houve
omissão na conduta dos agentes públicos segue em andamento e que, até a
conclusão da apuração interna, os guardas municipais continuam exercendo
suas funções.
Fonte: BNews
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