Um grande debate sobre privacidade está ocorrendo no Reino Unido depois que o jornal “The Guardian” anunciou que havia entrado com uma ação contra a exclusão da mídia de uma audiência sobre o testamento do príncipe Philip que ocorreu meses atrás. O marido da rainha Elizabeth faleceu em abril deste ano.
Em setembro, Andrew McFarlane, presidente da Divisão da Família do Tribunal Superior, decidiu que o testamento de Philip seria mantido secreto por 90 anos. Entre os poucos presentes estava um advogado que representava os bens do duque no escritório de advocacia Farrer & Co, os advogados particulares da rainha e o procurador-geral, o principal conselheiro jurídico do governo.
Os meios de comunicação não foram avisados nem autorizados a comparecer à audiência, sendo o interesse público representado pelo procurador-geral.
Um porta-voz do Guardian News & Media disse à CNN que a decisão da Suprema Corte de proibir a imprensa das audiências sem informar os meios de comunicação ou permitir que façam seus apontamentos “é uma clara ameaça aos princípios da justiça aberta”.
“Também é preocupante que o tribunal pareça acreditar que apenas o procurador-geral pode falar em defesa do interesse público”, continuou o porta-voz. “Estamos pedindo permissão para argumentar que o comportamento do tribunal superior nesta instância constitui uma falha de justiça aberta e que o caso deve ser novamente examinado”.
De acordo com a lei britânica, se uma pessoa prepara um testamento antes de sua morte, ele se torna um documento público após ser admitido para inventário, e qualquer pessoa pode obter uma cópia do Registro de Sucessões mediante o pagamento de uma taxa.
No entanto, qualquer pessoa pode pedir ao tribunal para “lacrar” um testamento e mantê-lo privado, de acordo com Geoff Kertesz e Judith Swinhoe-Standen, do escritório de advocacia Stewarts do Reino Unido.
“O tribunal deve ser convencido de que seria ‘indesejável ou inapropriado’ tornar o testamento público”, explicaram.
“Historicamente, os tribunais aprovaram esses pedidos apenas para membros mais antigos da família real. Não está claro sob quais outras circunstâncias, se houver, o tribunal poderia concordar em manter um testamento privado”.
Um recente membro sênior da realeza que teve testamento tornado público recentemente foi Diana, princesa de Gales, que desistiu de seu título de Sua Alteza Real quando se divorciou do Príncipe Charles. O testamento foi revelado em 1998, ano seguinte à sua morte.
O juiz McFarlane disse em sua decisão que “tornou-se o padrão que, após a morte de um membro sênior da Família Real, é feito um pedido para lacrar seu testamento” e que “parece que tais pedidos sempre foram ouvidos em privado e sempre foram concedidos”.
Segundo o juiz, o primeiro membro da família real cujo testamento foi lacrado foi o príncipe Francis of Teck, o irmão mais novo da esposa do rei George V, a rainha Mary, que morreu em 1910.
O especialista em leis e realeza Michael L. Nash disse à CNN: “Foi a Rainha Mary quem usou esses poderes e prerrogativas reais incomuns nunca usados antes”.
Francis morreu repentinamente aos 40 anos, após um exame médico malsucedido em seu nariz, de acordo com Nash, que também é autor do livro “Royal Wills in Britain from 1509 to 2008” (“Testamentos da Realeza na Grã-Bretanha de 1509 a 2008”, sem edição no Brasil).
Ele disse que o príncipe Francis era um “jogador imprudente”, mas também um “personagem extremamente adorável”. Na primeira versão do testamento, o irmão da rainha havia deixado preciosas joias de família para sua amante.
Nash, que viu uma cópia do testamento que apareceu nos arquivos da Irlanda do Norte, disse que o príncipe estava constantemente em apuros financeiros.
Após sua morte “a rainha Mary sabia que os credores, assim que vissem o testamento, apareceriam e tudo mais que Frank tinha em sua posse ao morrer teria que ser vendido a fim de saldar essas imensas dívidas”.
O autor continuou: “Ela ficou horrorizada imaginando que o povo pudesse saber sobre o estado em que o irmão dela se meteu”.
Nash também apontou que a família já enfrentou contestações legais quanto ao sigilo dos testamentos reais.
O mais recente dos quais foi analisado na corte em 2007: um pedido de Robert Andrew Brown, que alegava ser filho ilegítimo da irmã da rainha, a princesa Margaret. Brown tentou abrir o testamento de Margaret, bem como o da Rainha Mãe, mas o pedido foi rejeitado e tratado como uma fantasia.
A privacidade virou o grande debate da era moderna para a monarquia britânica, emergindo rotineiramente a questão de quanta privacidade um membro da família merece.
Os críticos costumam dizer que os membros da realeza usam seus cargos e privilégios para garantir isenções e evitar escândalos, ao mesmo tempo em que observam que os Windsors são financiados pelos contribuintes.
Em seu julgamento, McFarlane disse que era o guardião de um cofre com mais de 30 envelopes, cada um dos quais supostamente contendo o testamento secreto de um membro da realeza morto.
As adições mais recentes foram feitas em 2002 com as da Rainha Mãe e da princesa Margaret.
O autor também abordou por que a privacidade foi concedida aos testamentos reais.
“A resposta à pergunta de que se deveria haver uma exceção para os membros mais antigos da família real é, a meu ver, clara: é necessário aumentar a proteção conferida à vida privada deste grupo único de indivíduos, a fim de proteger a dignidade e a posição do papel público da Soberana e outros membros próximos de sua família”, disse.
Os advogados Kertesz e Swinhoe-Standen disseram que havia uma diferença notável no tratamento dos testamentos do duque de Edimburgo (o príncipe Philip) e dos da realeza antes dele.
“Todos os testamentos reais previamente lacrados devem ser mantidos em sigilo indefinidamente, mas o testamento do príncipe Philip é diferente, pois sua privacidade é restrita por tempo de 90 anos”, afirmou a dupla.
“Depois de 90 anos, só algumas autoridades poderão inspecioná-lo e, então, convidar o tribunal a decidir se o testamento deve ser tornado público naquele momento ou mantido em sigilo por mais um período”, completou.
O especialista e autor Nash descreveu o estabelecimento de um prazo como um “avanço importante”, já que a posição anterior era a de ocultar os testamentos para sempre. “Isso trouxe grandes apreensões a historiadores, advogados, pesquisadores, todos que tivessem uma razão válida para ler o testamento”, acrescentou.
“Imagino casos futuros que 90 anos caíram para, digamos, 50 anos ou até menos para que haja alguma possibilidade de as pessoas que vivem agora possam ler (um testamento) em algum momento no futuro durante suas vidas”.
CNN
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