Após a fenomenal conquista do ouro olímpico em Tóquio, o boxeador baiano Hebert Conceição viu sua vida mudar. Na semana que vem, concorre à honraria principal no Prêmio Brasil Olímpico (PBO) e abre a série de entrevistas do A TARDE, que vai cobrir in loco o evento na próxima terça-feira, 7, em Aracaju – nos próximos dias, Ana Marcela e Isaquias Queiroz, os outros baianos na disputa do maior prêmio da noite, serão os entrevistados. Ao abordar assuntos como a indicação para o PBO e a trajetória até a medalha na última Olimpíada, Hebert afirmou se considerar o melhor do mundo na sua categoria e relembrou o gostinho especial que sentiu com o ouro em Tóquio.
O que significaria vencer o PBO para você?
Esse prêmio vai significar, lógico, se eu for premiado, o trabalho, não só do ano todo, mas do ciclo inteiro que se resumiu no último ano. O mais importante é a medalha olímpica, mas eu acho, sim, importantes essas premiações. São uma forma de reconhecimento ao trabalho, ao desenvolvimento, a tudo que o atleta conquistou. Eu acho legal, me importo, sim. Não que tire o mérito se eu não ganhar, mas me valoriza ainda mais se eu for o vencedor.
Você estava claramente perdendo uma luta, e de repente veio aquele soco. O que você acha que ele te trouxe? Mudou tudo na sua vida?
Mudou, sim, um pouco, porque se eu não tivesse acertado aquele soco eu seria um medalhista de prata, não seria um campeão olímpico. Mas eu acho que não iria mudar o atleta que eu sou hoje, não iria mudar a pessoa que eu sou hoje. Mas não foi do nada aquele soco, foi algo muito treinado, um momento em que fui premiado porque realmente trabalhei sério. A Olimpíada ficou marcada muito pela minha luta da final, mas a trajetória foi muito mais importante, muito mais difícil do que conseguir dar aquele soco. Até chegar na final, eu tive que enfrentar um campeão mundial, um vice-campeão mundial. Foi muito mais difícil chegar na final do que propriamente achar aquele soco no rosto do ucraniano.
Você e Robson Conceição [ouro na Rio-2016] parecem ter uma relação próxima. Robson está no profissional, vocês já tiveram alguma conversa relacionada a isso?
Já tive muitas conversas com ele, já perguntei muitas coisas, já tive muitas dúvidas. Antes mesmo da Olimpíada, não só depois, mas eu acho que é isso. Eu tenho vontade sim de ser profissional um dia, não sei se será agora, não sei se será depois de Paris. O boxe olímpico é uma espécie de catapulta para a gente passar para o profissional. Mas ainda tomando decisões, não tenho a certeza de ficar ou não.
Você se considera o melhor do mundo na sua categoria?
Com certeza eu me considero o melhor, não é à toa que fui campeão. Eu venci os que seriam os melhores antes da Olimpíada, eu provei que me preparei para ser o melhor e hoje, sim, sou o melhor.
Já que não participou do Mundial [por uma lesão na mão], qual é o seu foco a partir de agora? Paris-2024?
Eu quero participar em Paris. Independente de eu seguir carreira profissional ou não, tenho vontade de participar da Olimpíada de Paris, tenho vontade de estar lá, então, quem sabe trilhando o profissional olímpico, quem sabe Hebert esteja em Paris novamente?
Como você vê essa questão da valorização tão grande apenas ao vencedor no Brasil, tanto das pessoas em geral quanto da mídia? Antes não se falava tanto em você e muito de Bia Ferreira. Agora, com seu ouro e a prata dela, as coisas se inverteram. Você reflete sobre isso? É muita pressão?
É bem relativo. Antes da Olimpíada eu não tinha tanta pressão da mídia, mas pressão minha e da minha equipe eu tinha, porque sabia da minha capacidade. Já tinha sido medalhista em todas as competições principais do ano, então a mídia às vezes esquece muito da trajetória, foca muito em uma pessoa só, acaba até pressionando certos tipos de atleta, fica um peso nas costas muito grande. Não sei se pode ter atrapalhado Bia, mas acho que na Olimpíada isso não tem nada a ver com a conquista dela. Nós somos seres humanos, podemos falhar, estamos sujeitos a tudo. Sobre valorizar os campeões, é normal que os campeões, as pessoas que se destacam mais ganhem maior evidência. Por exemplo, eu já tinha visto algumas matérias antes da Olimpíada, que Hebert não era não candidato a medalha, mas pode surpreender. Mas nunca deixei nada disso me abalar, eu sempre soube do meu potencial e sempre trabalhei duro, independentemente da mídia. Eu não fiz nada para provar nada para ninguém, fiz para mim mesmo. Então, fui focado, não deixei nada de fora atrapalhar, até me desliguei dessas informações quando chegou um pouco mais próximo da Olimpíada para que nada pudesse me atrapalhar.
O que você acha que os governos poderiam fazer para melhorar a estrutura do boxe na Bahia?
O boxe baiano é o esporte ou um dos esportes que mais valorizam o nosso estado, a Olimpíada provou isso. Isso até já serviu de incentivo para os governantes, para as políticas públicas atuarem e olharem com mais carinho para o esporte, principalmente investimentos nas categorias de base, porque aqui temos muitos jovens, muitos atletas iniciando que não têm tanta estrutura. E se com pouca estrutura a gente consegue trazer tantos resultados, imagina com investimento e uma estrutura boa, acho que poderíamos trazer ainda mais.
Quais pessoas e trabalhos você pode citar que mantêm essa chama acesa do boxe baiano e principalmente com você, as pessoas que mais estiveram do seu lado, que mais te ajudaram a chegar lá?
São muitas pessoas. Desde que iniciei, por exemplo, tem gente que tem um pouco de mérito nessa minha conquista hoje. Então, desde a Federação Baiana, que promove campeonatos aqui na Bahia para que eu tivesse a oportunidade de lutar e me desenvolver, a meus treinadores aqui da Bahia, eles fazem parte também. Os treinadores da equipe olímpica na seleção brasileira. A equipe multidisciplinar, que é aquela galera que ninguém vê, o fisioterapeuta, a galera que faz a comida, a médica, o dirigente que passa nossas bolsas, nossos salários, que faz o dinheiro chegar na nossa conta no dia, que não deixa faltar, que não atrase. Eles fazem parte também. É a nossa família que tá do nosso lado, nos abraçando nos momentos bons e ruins. Nossos amigos, pra quem a gente desabafa, as pessoas que estão ao nosso lado. Eu me recuso até citar um nome ou outro porque eu vou acabar esquecendo de alguns e indiretamente estarei sendo ingrato. Então acho que um conjunto de pessoas que trabalham, que fazem parte do desenvolvimento de um atleta, tem todo o mérito. Uma equipe, não é uma, duas pessoas, é uma equipe completa que está por trás de um atleta.
A Bahia sempre está produzindo novos boxeadores de talento. Quais ainda não apareceram para o público que você já pode apontar para ficar de olho?
Tem uns meninos aqui na Bahia que já estão se desenvolvendo, já estão mostrando que podem dar bons frutos se tiverem a continuidade necessária, a estrutura necessária. Mas já tem muitos na base que fizeram parte da equipe olímpica também, até foram para Tóquio para nos ajudar. Tem muitos baianos chegando... Isaías [Filho], Ronaldo [Bezerra], Joel [Ramos], Edson [de Jesus]... Tem uns meninos que podem aparecer futuramente e que muitas vezes ainda não apareceram, mas que em breve muita gente pode ouvir falar.
Você acha que o investimento na base é a coisa mais importante para o boxe baiano?
Talvez não seja a coisa mais importante, mas é algo que é necessário para a manutenção do boxe baiano. Porque eu não serei eterno, Bia não será eterna, Keno não será eterno, Robson não será eterno. Precisamos criar e formar novos atletas, para que eles deem continuidade nos bons resultados e na nossa tradição. Por isso eu destaco o investimento na base. Mas também a manutenção dos investimentos que já temos, proporcionando uma estrutura adequada, uma estrutura que um atleta olímpico e medalhista merece, e também com foco nos projetos sociais.
A Tarde
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