QG da intervenção ficava no Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Quando a intervenção federal na segurança do
Rio foi decretada, em fevereiro de 2018, o salão de honra do Comando
Militar do Leste (CML), que costuma receber cerimônias solenes, foi
adaptado para virar o QG dos responsáveis pela missão dentro do Palácio
Duque de Caxias, no Centro. Divisórias e computadores foram instalados
no local, de onde a segurança pública do Rio passou a ser comandada. O
quartel-general virou palco, no entanto, de um crime que até hoje não
está completamente esclarecido: 35 notebooks desapareceram do salão em
janeiro de 2019. Quase três anos depois, o Exército não sabe onde está a
maioria dos aparelhos: só dois foram recuperados. Um soldado que fazia a
faxina do local foi o único militar responsabilizado pelo furto.
O
sumiço foi constatado em 24 de janeiro de 2019 por um tenente-coronel
que trabalhava na área de engenharia e precisava trocar o computador de
um de seus subordinados, que havia apresentado defeito. A intervenção já
havia terminado oficialmente, mas a secretaria do Gabinete de
Intervenção Federal (GIF) ainda funcionava no local, afinal ainda havia
processos administrativos em andamento. Quando chegou à sala onde os
notebooks ficavam guardados, o oficial encontrou várias caixas vazias.
Caso João Pedro: Policiais recolheram estojos de cartuchos antes de perícia chegar ao local
Os
aparelhos — todos novos, comprados exclusivamente para os militares que
trabalhavam naquela missão — ficavam dentro da sala de um general,
montada no meio do salão. Ao todo, eram 60 notebooks da marca Acer,
modelo Aspire 5, adquiridos por R$ 168 mil (R$ 2,8 mil, a unidade). Após
fazer uma conferência, o tenente-coronel só encontrou 25 aparelhos no
local.
A descoberta levou à abertura de um Inquérito
Policial-Militar (IPM). Peritos da 1ª Divisão de Exército analisaram o
salão e concluíram que não havia sinal de que as vias de acesso tinham
sido arrombadas — ou seja, os aparelhos foram retirados pela porta
principal, ninguém havia invadido o local. Os peritos, no entanto,
alegaram que a investigação foi prejudicada porque as atividades no
local não foram paralisadas depois que o sumiço foi constatado. “Houve
uma significativa perda de evidências que contribuíssem para
determinação de uma provável dinâmica ou, até mesmo, autoria do fato”,
alegam os peritos.
O IPM também descobriu um erro
administrativo que facilitou o furto. O salão onde o GIF funcionava era
lacrado ao final do expediente. À noite, o último que saía da sala
passava um cadeado e colocava um lacre numerado na porta, que só era
rompido no dia seguinte, quando o primeiro militar chegava para
trabalhar. Entre 8 e 21 de janeiro de 2019, período em que o furto
provavelmente ocorreu, o lacre não foi usado. No IPM, não há explicação
para essa falha.
Caso Henry: Monique disse a Jairinho que queria ter um filho com ele
Quase
um mês depois da descoberta do desfalque, no entanto, uma denúncia
anônima encaminhada ao CML informava que os computadores extraviados do
Exército estavam sendo anunciados na internet, no site OLX. O vendedor
era um militar: o então cabo da Marinha Ronald Feitosa Paz. Ouvido no
IPM, Paz contou que comprou três notebooks de um amigo, também militar, o
soldado do Exército Raphael Cristiano de Castro, que trabalhava no CML.
O cabo disse que não sabia que os aparelhos eram furtados e que o amigo
afirmou que precisava de dinheiro para fazer uma festa de aniversário
para a filha.
Paz, então, comprou três aparelhos por R$
800 cada — valor menor do que a metade do preço de mercado do produto.
Ele disse que não desconfiou da procedência dos aparelhos, apesar do
valor e do fato de os notebooks não terem nota fiscal nem estarem
embalados. Logo depois da compra, o cabo colocou um dos notebooks à
venda pela internet — o que culminou na denúncia que chegou ao CML. O
aparelho, de fato, foi vendido por R$ 1.500, quase o dobro do valor pelo
qual foi adquirido. Paz afirmou que precisava do dinheiro para ajudar
um parente com câncer. O notebook vendido jamais foi encontrado. Já os
outros dois foram devolvidos por Paz e são os únicos dos 35 que foram
recuperados.
O soldado que vendeu os aparelhos para o
cabo, Raphael Castro, trabalhava como faxineiro do QG da intervenção.
Diversos oficiais do GIF afirmaram, no IPM, que Castro era o primeiro a
chegar, por volta das 4h30, e por isso tinha a chave da sala onde
estavam os notebooks. O soldado foi ouvido e negou o crime. Ele disse
que, diariamente, era revistado na saída do trabalho. Nenhuma das
testemunhas ouvidas afirma ter visto Castro levar os aparelhos. Até
hoje, não se sabe como os notebooks deixaram o CML.
— A
forma como os notebooks saíram da sala não ficou provada porque não
havia câmeras no local. Acredita-se que o soldado tenha levado aos
poucos, numa mochila — afirma o procurador de Justiça Militar Luciano
Moreira Gorrilhas, que atuou no caso.
Ao final do IPM, o
soldado Castro foi denunciado à Justiça Militar pelo furto. Já o amigo
respondeu por receptação. Ambos foram condenados em agosto passado:
Castro a três anos de prisão, e Paz a 30 dias de detenção. Procurado, o
Exército afirmou que Castro “foi licenciado ao término do serviço
militar em 2019”. Em nota, a corporação afirma que “não compactua com
qualquer tipo de conduta ilícita”
Extra o Globo
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