O loiro pivete e o nevou ganhou notoriedade há cerca de 4 anos, de acordo com o barbeiro, Douglas Reis
“Veio da favela, desse povo que, como eu, ouviu a vida toda que preto não pode ser loiro”, afirma o psicólogo, Franklin Santos, 23 anos.
Em Salvador é assim: o verão começa a bater na porta, exatamente no dia 21 de dezembro, e os soteropolitanos correm para as barbearias e salões de beleza para fazer o famoso ‘’loiro pivete’’ ou ‘’nevou’’. Essa tendência que consiste em descolorir os fios para um tom amarelado ou branco, como a neve, nasceu nas periferias de Salvador e se expandiu para todos os cantos.
Em contrapartida, antes da ‘’goumertização’’ dessa moda, os pioneiros - jovens pretos, que moram nas comunidades - sofreram com a estigmatização de que quem fosse adepto ao ‘’loiro pivete’’ ou o ‘’nevou’’ automaticamente estaria associado à criminalidade e/ou ao não-padrão de beleza. Como explicou acima o psicólogo, Franklin Santos.
O jovem, que hoje possui formação para abordar o assunto, já entendia sobre esse preconceito ainda na infância.
“A primeira vez que fiz o loiro pivete nem era moda, tinha uns oito, nove anos, minha tia descoloriu meu cabelo e aí minha avó chegou e quando viu aquilo disse: ‘Não, preto não pode ser loiro’. E várias outras coisas que acho que todo mundo já ouviu na vida, infelizmente. Aí eu tive que raspar o cabelo, por isso quando eu cresci falei: ‘sou dono do meu próprio cabelo, dono meu próprio corpo’’’, relembrou.
Atualmente, Franklin descolore os fios todos os anos quando chega o verão e reiterou a satisfação que sente ao mudar o visual, como um posicionamento subversivo.
“Nossa, só de pensar que tô loiro já é suficiente. Eu penso muito no loiro platinado, nesse loiro pivete como uma rebeldia, porque a gente sempre ouviu que preto não pode ser loiro, quem disse que preto não pode ser loiro? Olha eu aqui”, ressaltou o psicólogo.
À reportagem, o CEO e diretor criativo da grife soteropolitana Dendezeiro, Pedro Batalha, elucidou que o ‘’pivete’’ no nome ‘’loiro pivete’’ é associado ao estilo de forma racista, pela sociedade, já que estamos falando de uma manifestação de pessoas pretas e periféricas.
Todavia, a resistência das comunidades com o seu estilo próprio, sua moda, vem como um auto-reconhecimento dessa população sobre suas manifestações culturais que, consequentemente, mudou a perspectiva do ‘’loiro pivete’’ ressignificando como um marco da estação mais quente do ano.
“Isso é uma forma de elo, uma conexão que existe entre as pessoas de periferia, especialmente pessoas pretas, muito forte. É um símbolo, é uma identidade, algo que pertence à periferia e que é uma manifestação, um fenômeno constante, que ocorre há muito tempo e não perde a força. A gente conseguiu, a periferia conseguiu modificar o peso desse nome, tirando negativo, atribuindo positivo.
O ‘’pivete’’ pra nós, significa um outro símbolo, uma outra coisa, é o nosso amigo, nosso colega, é pessoa que jogava bola com você quando era pequeno, é a pessoa que ajuda sua mãe a subir com as compras na ladeira da comunidade, então tem todo um afeto envolvido nesse loiro pivete e quando a gente tem também esse ‘’nevou’’ no final do ano é um reconhecimento em massa”, destacou Pedro, da Dendezeiro.
E completou: “não deixam de ser traços identitários que povo preto e o povo preferia, não abre mão de utilizar, e as pessoas têm que entender que esses traços não têm necessariamente associação criminosa, não são negativos, são traços de um povo, é a identidade, cultura de uma população e a gente tem que fortalecer para que isso seja difundido dessa forma, não difundido de uma maneira entre positivo e negativo, é a identidade daquele povo e ela tem que ser respeitada”.
Para o barbeiro, que exerce a função desde jovem, Douglas Reis, 24, direto do Subúrbio Ferroviário de Salvador, em Paripe, o crescimento exponencial do ‘’loiro pivete’’ ou como ele mesmo chama ‘’nevou na Bahia’’, é o resultado de um trabalho, que vem de dentro das comunidades para as áreas nobres de Salvador.
“Se tornou uma cultura, que antes era discriminada, as pessoas eram vistas como ladrões, associadas ao tráfico e isso hoje em dia não é mais visto desta forma, já virou estilo da Bahia, que saiu das periferias para orla, você vê em todo lugar”, analisou Douglas.
A expectativa do barbeiro é que esse fenômeno continue em destaque por muito tempo.
Periferia é o espelho da moda
Ao BNews, o diretor criativo da Dendezeiro, Pedro Batalha, ressaltou que as comunidades são como fontes nas quais ditam a moda no Brasil e no mundo. “É assustadora a potência imensa da periferia e as grandes marcas percebem isso e utilizam disso para poder dar mais criatividade ao seu produto, à sua marca. As pessoas das comunidades, pessoas pretas de periferia, têm senso de moda muito também, assim como o loiro pivete, muito identitário e também desse processo de autoconhecimento e de reconhecimento do outro”, pontuou.
Questionado sobre suas inspirações nas comunidades para a DND, Pedro não hesitou em dizer como essas pessoas são fundamentais não só para a criação de peças, mas também para o trabalho de comunicação de mídia, imagem de fotografia e audiovisual. “Tudo perpassa por esse universo, porque a gente acredita que a potência criativa está lá, que as pessoas mais criativas ao nosso redor estão na periferia, as pessoas mais potentes que a gente pode conhecer estão nas ruas, estão nas periferias criando, desenvolvendo alternativas em meio às situações de extrema vulnerabilidade de maneiras incríveis. Nosso trabalho acima de tudo, é captar essas potências, não copiar, reproduzir, mas captar essa essência e direcionar o imaginário dessas pessoas para imaginário de futuro, para imaginário possível”, disse.
E concluiu que a Dendezeiro vem para além de uma grife, mas também como uma ferramenta que contribui para o enfrentamento dos preconceitos contra pessoas pretas e periféricas.
“Se antes o imaginário de uma pessoa de loiro pivete era de ser criminalizado, marginalizada nas ruas pela polícia, pelas pessoas, a gente pega esse loiro pivete e coloca na capa de uma revista para que a gente consiga mudar esse imaginário e as pessoas entendem que aquilo ali não é um símbolo negativo. Se a gente entende que as tranças eram marginalizadas, elas eram símbolos de preconceito, se os dreads eram marginalizados, a gente pega esses símbolos e transforma eles em imaginários positivos para as pessoas”, concluiu.
Bnews
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