Em um site de venda de imóveis, uma casa de quatro quartos no Engenho do Mato, na Região Oceânica de Niterói, município da Região Metropolitana do Rio, é anunciada por R$ 1,5 milhão. O comprador, contudo, estará a sério risco de, apesar do luxo da residência, não poder contar com um serviço dos mais básicos: conexão à internet. Nos últimos meses, criminosos vêm impedindo operadoras regularizadas de atuar na região, sabotando a rede e ameaçando funcionários, enquanto os moradores são forçados a contratar serviços clandestinos. Antes restrito a áreas mais internas do bairro, onde as moradias são mais simples e há presença relativamente tímida do tráfico, o problema se expandiu e já afeta condomínios de classe média alta.
Em 30 de dezembro, a Leste Telecom — empresa regional de internet com duas décadas de experiência em Niterói e cidades vizinhas — fez um desabafo nas redes sociais, dirigido a moradores do bairro: “Hoje, pela terceira vez no mês, nossas equipes foram expulsas”, escreveu a operadora. “Temos clientes com chamados na localidade, alguns por sabotagem clara na rede, e não poderemos atender”, continuava o texto. “Os meliantes agora impedem até a chegada em condomínios, como ocorreu hoje pela manhã”, concluía o post.
Todos os episódios foram registrados na 81ª DP (Itaipu), responsável pela área. Na delegacia, um inquérito sobre a ação dos criminosos reuniu diversas ocorrências. Segundo o delegado Fábio Barucke, titular da unidade, um suspeito pelas ameaças a funcionários das empresas já foi identificado e teve a prisão preventiva pedida à Justiça. Além dele, a investigação também enquadrou João Carlos Diano Marques, o João Coroa, apontado como integrante da maior facção do estado e como chefe do tráfico em toda a Região Oceânica de Niterói.
— Ele (João) já está preso, mas continua dando ordens da cadeia — diz Barucke, acrescentando que o outro identificado é orientado pelo tráfico a favorecer os serviços clandestinos: — Não vamos divulgar o nome para aguardar a decisão judicial e não atrapalhar as investigações, mas é ele quem proíbe a entrada das outras operadoras.
‘Se entrar, não sai’
Em um dos registros de ocorrência, o funcionário de uma empresa de internet relata que, ao chegar na Rua Sagrada Família, dois homens o abordaram e disseram que ele não poderia seguir adiante. “Se entrar, não sai”, afirmaram. O empregado relata que obedeceu e deixou o local, “pois ficou com medo de morrer”.
Na última quarta, uma equipe do 12º BPM (Niterói) esteve no bairro para verificar as denúncias de que as empresas de internet estariam sendo impedidas de atuar. Na esquina entre as ruas 76 e 78, dois homens foram presos em flagrante, e três menores apreendidos. Eles foram autuados só por tráfico, já que portavam maconha, cocaína e crack.
— Flagrar a situação das ameaças é muito difícil. E, pelo que sabemos, as mesmas são ou foram praticadas por marginais ligados ao tráfico — explica o tenente-coronel Marcelo Ramos do Carmo, comandante do 12º BPM.
Bairro já virou ‘área de risco’
Antes conhecido pela proximidade com a natureza e as ruas arborizadas e calmas, o Engenho do Mato já é considerado pela maioria das operadoras de internet regularizadas como “área de risco”. Em um mapa interno obtido pelo EXTRA junto a uma dessas empresas, a maior parte da região aparece sinalizada em vermelho, o que indica a impossibilidade de fornecer o serviço por conta da violência.
— Ficou impraticável, infelizmente. Um funcionário nosso, excelente profissional, se demitiu porque mora no bairro e estava com receio de sofrer retaliações. Se você for lá, até vai ver gente supostamente trabalhando com internet, mas só carros sem identificação, pessoas sem uniforme. Os postes estão uma zona. Isso prejudica muito a qualidade da conexão, e não existe nenhum tipo de controle possível por parte de quem, na falta de outras opções, contrata esses grupos. Vão recorrer a quem? — lamenta um executivo da empresa, sob condição de anonimato.
‘Eu cogito até me mudar’, diz morador
Moradores ouvidos pelo EXTRA contam que os serviços clandestinos oferecem, em geral, apenas um telefone celular para contato, sem site, rede social ou qualquer tipo de formalização da operação. O suporte técnico é praticamente nulo e não soluciona em tempo razoável as constantes quedas da internet.
— Sempre contratei empresas grandes de internet, mas mudei para uma regional por conta do preço. Pouco tempo depois, começaram a enfrentar esses problemas, e também não consegui voltar para a anterior. Fechei com uma que anuncia nos postes aqui do bairro, mas não tem sequer contrato, e a qualidade deixa muito a desejar — conta um morador de uma das principais ruas do bairro, também pedindo para não ser identificado.
Os transtornos são tantos que, mesmo vivendo na mesma casa há mais de duas décadas, abandonar o bairro virou uma solução no horizonte.
— A situação é tão complicada que já cogito até me mudar, algo que para mim seria inimaginável — diz ele
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