Uma faixa de mais de dez metros de
altura dividida ao meio foi instalada na madrugada da última quinta, dia
11 de agosto, em um dos pontos de maior visibilidade da saída de Porto
Alegre (RS).
Um
lado amarelo, com a bandeira do Brasil no topo, outro lado vermelho,
com a foice e o martelo cruzados, ícones do comunismo, o painel gigante
opõe em cada metade "vida" versus "aborto", "bandido preso" versus
"bandido solto", "valores cristãos" versus "ideologia de gênero",
"liberdade" versus "censura".
Ainda
do lado amarelo, "agro", "menos impostos", "polícia" e "ordem e
progresso". Do lado vermelho, "MST", "mais impostos", "PCC" e
"narcotráfico". No topo, a frase: "Você decide". No rodapé, o chamado
para os atos marcados para o 7 de Setembro.
O
grupo de WhatsApp dos moradores do edifício Caraíba, no viaduto da
Conceição, cuja empena cega ampara a propaganda de desinformação e
alarmismo, amanheceu em polvorosa.
"Houve
muita discussão e até briga no grupo do condomínio", conta o estudante
de medicina João Vitor Sperança, 21, que mora no local. "A grande
maioria dos moradores ficou indignada, tem muita mentira. Queremos que
seja retirado e alguns já denunciaram o caso ao TSE (Tribunal Superior
Eleitoral)."
"Tem
morador com medo de ser agredido por associação do conteúdo a quem mora
no edifício", conta Sperança, que explica que o condomínio vendeu o
espaço para uma agência de publicidade. "Está o maior rolo aqui."
A
empresa LIFEpoa, responsável pelo comércio do espaço, informou por meio
de nota divulgada em seu perfil numa rede social que veicula campanhas
"desde que estejam de acordo com as normas do mercado publicitário e com
a legislação vigente".
A
nota informa ainda que o conteúdo é de responsabilidade dos anunciantes
e que "conviver com simpatia ou rejeição a estas [campanhas] faz parte
da liberdade que deve prevalecer na sociedade". O texto sugere que o
conteúdo do painel é uma questão de opinião e conclui: "E que Deus
abençoe a todos".
"Há
uma série de associações tortas e comparações falsas de coisas que
sabemos não terem nada a ver", avalia o estudante de Cuiabá que se mudou
para a cidade para frequentar a faculdade de medicina de Porto Alegre
(UFCSPA).
Para
ele, mesmo sem assinatura ou logo, a propaganda tem afinidade com o
bolsonarismo, "que sequestrou a bandeira nacional como símbolo" e que
"trata a esquerda como comunista, associando ela a todos tipo de
fantasma, como o aborto e o MST".
"Isso
só mostra que, infelizmente, a gente ainda não evoluiu no Brasil em
certos debates", diz ele, que afirma não ser comunista e que pretende
votar em Lula nas eleições deste ano.
Na
tarde desta sexta-feira, a ex-deputada Manuela D´Ávila (PC do B), que
desistiu de concorrer a cargo nas eleições deste ano, postou a imagem
acompanhada da frase "Todas as mentiras das redes ganham as ruas de
Porto Alegre. Isso é criminoso. Quem pagou?".
Leonardo
Zigon Hoffmann, sócio da LIFE, disse à reportagem que a versão original
do anúncio tinha a um "Já ir", associado à coluna amarela, e um "Já
era", à coluna vermelha. O bordão "Jair ou Já era" foi usado por Eduardo
Bolsonaro (PL) anteriormente, e faz referência ao primeiro nome do seu
pai, atual presidente e candidato à reeleição. Por enxergar alusão
direta ao candidato Jair Bolsonaro (PL), a peça foi alterada pelo
cliente para então ser aprovada pelo jurídico da LIFE.
Hoffmann
diz não estar autorizado a revelar o nome de quem pagou pela peça ou o
valor pago. O preço padrão para um anúncio do mesmo porte exibido por um
mês gira em torno de R$ 89 mil. Já o painel da avenida Benjamin
Constant, uma das principais da zona norte da cidade, custa R$ 76 mil.
No
caso de ordem judicial para a retirada, o tempo de exibição é encurtado
sem que haja ressarcimento ao cliente. O empresário cita que já houve
anúncios contrários ao presidente (embora assinados) e que, no próximo
mês, firmou uma parceria com o Grupo Universitário para resguardo do
espaço a uma campanha pelo voto consciente. Nesses casos, o valor do
anúncio pode chegar a 10% do normal, e resguarda a empresa de problemas
com a Justiça no período pré-eleitoral.
O
vereador Matheus Gomes (PSOL) declarou ter entrado com representação do
seu gabinete contra a peça junto ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e
o Ministério Público, além da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo, responsável pelo regramento da instalação de publicidade na
capital gaúcha.
A
Lei do Mobiliário Urbano impede que se divulguem peças com
"preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, cor, idade, religiosidade,
orientação sexual, identidade de gênero e quaisquer outras formas de
discriminação". A legislação também veta calúnias a pessoas, órgãos e
entidades.
"O
painel tem exposições caluniosas. É uma contrapropaganda e isso está
fora do padrão", avalia Gomes. "Do ponto de vista político, temos uma
série de elementos que propagam o ódio e incitam a violência contra
setores da sociedade, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o
maior produtor de arroz orgânico do país, associado a organizações
criminosas."
Leonel
Radde (PT), candidato a deputado federal que se declara como policial
civil antifascista, disse que o material propaga "calúnias e fake news" e
que vai acionar a empresa.
Procurados,
TRE-RS e TSE não responderam aos pedidos da reportagem de informações
sobre o trâmite das denúncias. Por meio de nota, o Ministério Público do
Rio Grande do Sul informou que recebeu duas denúncias nesta sexta (12) e
que elas "foram encaminhadas ao promotor com atribuição na fiscalização
da propaganda eleitoral, que irá analisá-las".
Fonte: Bahia Notícias
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