TJ do Rio decidirá se juíza citada em áudio por miliciano assumirá o I Tribunal do Júri

A juíza Tula Corrêa (de vestido vermelho) nos festejos de Natal na casa de Marcelo Cupim (de bermuda)
A juíza Tula Corrêa (de vestido vermelho) nos festejos de Natal na casa de Marcelo Cupim (de bermuda) Foto: Reprodução

Os desembargadores do Conselho de Magistratura e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio analisarão nos próximos dias os nomes de cerca de 60 juízes que disputam a titularidade em varas que se encontram vagas. Entre elas, estão a 2ª e a 3ª Varas Especiais Criminais, nas quais tramitam crimes contra organizações criminosas, e o I Tribunal do Júri, consideradas as mais sensíveis. Uma das concorrentes é a juíza Tula Corrêa de Melo, que decretou a prisão do contraventor Bernardo Bello, em janeiro deste ano. O nome dela foi citado num áudio do miliciano Marco Antônio Figueiredo Martins, o Marquinhos Catiri, que afirmou que a magistrada era amiga de Marcelo Simões Mesqueu, o Marcelo Cupim, alvo de uma operação do Ministério Público do Rio (MPRJ) ocorrida na semana passada. A juíza nega tal vínculo.

A magistrada é titular da 20ª Vara Criminal, mas sempre atuou em auxílio aos tribunais do júri, principalmente o I Tribunal do Júri, vago desde a promoção de Carlos Gustavo Vianna Direito, a desembargador, em agosto do ano passado. De acordo com o edital de remoção do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), publicado em 10 de novembro, os cargos para varas e juizados especiais podem ser preenchidos por critério de merecimento ou de antiguidade. No caso da juíza, ela ocupa o topo da lista dos candidatos à 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital – I Tribunal do Júri, pois a exigência é por tempo de magistratura. Há duas décadas na carreira, ela se encontra desde 30 de novembro de 2016 à frente da vara atual.

Em entrevista exclusiva ao EXTRA, a juíza Tula Melo se diz apaixonada pela área criminal. Ela chegou a se inscrever também às vagas das duas varas criminais especializadas, ainda sem titularidade. No entanto, ela acabou desistindo, optando por concorrer exclusivamente para o I Tribunal do Júri. O Conselho de Magistratura se reúne na próxima quarta-feira (07 de dezembro) para analisar se os nomes preenchem os requisitos exigidos e, em seguida, o Órgão Especial do TJRJ decidirá quem ocupará os cargos.

Esta reunião, cujos desembargadores irão bater o martelo para a escolha dos eleitos ainda não tem data marcada, pois na semana que vem, possivelmente, haverá apenas dois dias de expediente forense. O fórum não funcionará nesta segunda-feira, por causa do jogo da seleção brasileira; no dia 8, por ser o Dia da Justiça; e na sexta-feira, caso o time de futebol brasileiro ganhe dos jogadores sul-coreanos.

68 varas e juizados sem titular

O Conselho de Magistratura é formado por dez desembargadores: o presidente do TJRJ, desembargador Henrique de Andrade Figueira, seu corregedor e três vices, além de cinco magistrados eleitos para o cargo. Já a composição do Órgão Especial conta com um total de 25 desembargadores: os dez mais antigos, o mesmo número de eleitos e cinco da área administrativa. Há 68 varas e juizados sem titulares no Tribunal de Justiça. O candidato pode desistir da vaga até o dia da sessão do conselho.

Pela sua experiência, a juíza diz estar preparada para a função, mas ressalta que é uma mulher com vida social ativa, o que foge dos padrões costumeiramente imaginados para a função da magistratura:

— Sou juíza criminal. Minha vida pessoal e social desperta curiosidade, afinal na medida em que “meninos vestem azul, meninas vestem rosa”, juízes são “homens sisudos”. Sempre me apresentei como uma mulher livre e justamente meu atuar profissional firme me permite isso. Não será um miliciano, bicheiro ou traficante que me fará desistir de qualquer coisa na minha vida — garante a magistrada, que reconhece ter uma "vida social ativa".

Perguntada se o áudio pode ser levado em conta na escolha da titularidade do I Tribunal do Júri que tanto almeja, a juíza responde de pronto:

— Você está me perguntando se cogito a hipótese de um miliciano assassinado na guerra do jogo do bicho influenciar nas decisões do conselho da magistratura?! Se as organizações criminosas não influenciam nas minhas decisões, jamais comandariam as decisões do Egrégio Conselho. Assim como você na sua profissão, temos garantias contra quem ardilosamente busca acovardar a Justiça ­— afirma.

'Não me sinto intimidada'

Segundo ela, o episódio do áudio confirma ser ela uma juíza “que jamais recuará diante das organizações criminosas”. O EXTRA lhe perguntou se ela achava então que havia algum objetivo de intimidá-la, uma vez que estava andando com escolta do TJRJ e ela respondeu:

— Não me sinto intimidada. Muito pelo contrário. Qualquer tentativa de interferência na minha atuação só me deixa mais forte. No mais, meu tribunal (TJRJ) está preparado para a proteção dos juízes ameaçados.

É no I Tribunal do Júri que tramita o processo de homicídio do contraventor Fernando Iggnácio, morto em novembro de 2020. Um dos acusados de ser o mandante do crime é Rogério Andrade, bicheiro, sobrinho do contraventor Castor de Andrade e o patrono da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Tula Melo já presidiu as audiências do caso e não pode se manifestar sobre processo pendente de julgamento, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

A magistrada, no entanto, lista os casos de repercussão que atuou como garantia da sua imparcialidade e rigidez: o homicídio do jornalista Tim Lopes (em 2002, justamente no I Tribunal do Júri); os julgamentos dos traficantes Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem (2018) e Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157 (2019 e 2020); e o miliciano Toni Ângelo Souza Aguiar (2019). Dos processos mais recentes, Tula Melo destaca a decisão de prender os três acusados do brutal assassinato do congolês Moïse Kabagambe, em fevereiro deste ano.

Ao explicar sua relação com Marcelo Cupim, a juíza Tula Corrêa argumenta que o filho dela e a filha dele foram colegas de turma na escola e que, por essa razão, ela foi fotografada com o alvo do MPRJ, durante uma festa de Natal, na casa dele. Ainda de acordo com ela, fica inviável pedir a Ficha de Antecedentes Criminais (FAC) de todas as pessoas ao seu redor. Ela lembra que, há poucos dias, “um vizinho de porta” foi preso pela Polícia Federal.

'Cunho sensacionalista'

Além da entrevista concedida ao EXTRA, a magistrada mandou uma nota:

“Quanto ao áudio, em primeiro lugar quero pontuar que a oitiva do conteúdo desprendida de cunho sensacionalista revela por si só que os planos da organização criminosa para soltar o acusado Bernardo Bello - se efetivamente existiram nos termos relatados pelo miliciano assassinado - foram frustrados pela atuação firme desta Magistrada, que jamais permitiria interferência externa de quem quer que seja; sendo o réu solto por força de decisão do STJ.

Quanto às inúmeras relações pessoais e sociais desta Magistrada, não fazem parte do que deveria ser público, eis que ficou bem claro pelo áudio que se a amizade existia na intensidade revelada, por óbvio não interferiu minimamente no mister profissional. Mas, caso a resposta não satisfaça a curiosidade, posso responder afirmativamente quanto a conhecer o mencionado acusado (Marcelo Mesqueu) que não fez parte de nenhum dos processos julgados por esta Magistrada que, frise-se, não tem atribuição investigativa de pessoas de suas relações e fora dos autos. Esclareço que tal função é do Ministério Público e que no aludido processo que envolvia o criminoso Bernardo Bello não havia nada que mencionasse o envolvimento dessa pessoa. E mais, na própria denúncia recentemente oferecida o Ministério Público - GAECO - salienta que até determinado momento das investigações não havia prova de participação nas organizações criminosas em questão.

Finalmente, a prisão do acusado Bernardo Bello se deu por ordem no atuar desta Magistrada, ao deflagrar alerta vermelho na Interpol atendendo as diretrizes e requerimentos do GAECO, sendo absurdamente nefasta qualquer tentativa de enfraquecer o trabalho de profissionais voltados ao combate de criminosos organizados para enfraquecer as instituições. Atualmente esta Magistrada conta com escolta e proteção do Tribunal, de modo a garantir o desenvolvimento do trabalho na área criminal sem qualquer obstáculo imposto pela audácia criminosa”

Extra o Globo

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