Entenda o que pode estar por trás do histórico de ataques de facções no RN

Rio Grande do Norte tem novos ataques em 3ª noite de violência

Em comum, essas ondas de violência -- registradas em 2016, 2017, 2018 e agora -- estavam relacionadas de alguma maneira ao que se passava dentro dos presídios potiguares -- tomados por integrantes de facções criminosas que rivalizam no estado.

O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) apura as motivações dos ataques em um inquérito sigiloso. Até o momento, segundo o MPRN, a causa apontada é a insatisfação dos detentos com a ausência de "regalias", inclusive visitas íntimas -- que não estão previstas na Lei de Execuções Penais. As visitas íntimas estão suspensas desde o massacre de Alcaçuz, em 2017.

Mensagens que circularam nas redes sociais e são atribuídas ao Sindicato do Crime --a facção dominante no estado-- mencionam uma suposta união com o Primeiro Comando da Capital (PCC) para atacar prédios públicos, em represália às condições nas unidades prisionais. Na quarta (15), familiares de detentos fecharam faixas da BR-101, em Natal, em protesto contra o tratamento dado aos presos, como falta de alimentação adequada e fim do banho de sol.

"Não é comum que as facções se unam em prol de mudanças no sistema. É inédito pensar nisso cinco anos depois do que aconteceu em Alcaçuz e da jura de morte que o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Sindicato do Crime teceram", diz a antropóloga Juliana Melo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em 2017, essas duas facções se enfrentaram em uma batalha campal dentro do Presídio Estadual de Alcaçuz que deixou 27 mortos. Segundo Melo, a partir de 2012 é formada a atual facção dominante, o Sindicato do Crime, que conviveu de forma mais ou menos pacífica com o PCC até 2016. Com o massacre de Alcaçuz, em janeiro do ano seguinte, houve o rompimento total entre as organizações criminosas.

Nesta reportagem, você vai ver:

  1. Como facções criminosas se instalaram e cresceram no Rio Grande do Norte
  2. Qual o histórico de ataques no estado e como eles se relacionam com medidas tomadas nos presídios
  3. Por que o massacre de Alcaçuz foi um ponto de virada no sistema prisional do estado e na dinâmica entre as facções
  4. Quais os problemas que persistem

1. Disputa de facções

Como explica a antropóloga Juliana Melo, na década de 2010, o PCC, já instalado no Rio Grande do Norte, tentou estabelecer uma relação de parceria com grupos criminosos locais, caso do Sindicato do Crime -- formado a partir de 2012, o grupo cresceu com dissidências da facção paulista.

No livro "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil", os pesquisadores Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias descrevem o processo de expansão nacional do PCC, iniciado nos anos 2000, quando a facção já controlava presídios de outros dois estados além de São Paulo, ambos de fronteira e importantes para a rota do tráfico: Paraná e Mato Grosso do Sul.

Ao longo dos anos, a nacionalização continuou para outras regiões do país, desencadeando disputas com facções locais, que, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, levaram a sucessivos conflitos em presídios entre 2017 e 2018 em estados como Roraima, Amazonas, Acre e Rio Grande do Norte -- o caso de Alcaçuz.

Segundo Renato Souza Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio Grande do Norte em especial tem dois fatores de atração para facções criminosas: "Mercado e acesso aos portos da região para tráfico para a África e Europa".

"Em 2016, há uma ruptura entre o PCC e o Sindicato do Crime", diz Melo. "A partir daí o Sindicato se coloca como mais atuante, como dominante e faz os primeiros ataques pela tentativa do governo de colocar bloqueadores de celular na prisão estadual de Parnamirim, próxima de Natal".

2. Histórico de ataques

Várias facções criminosas nasceram dentro das prisões brasileiras e a forte presença de seus integrantes em penitenciárias fizeram das unidades prisionais, como as potiguares, um foco de atenção do crime organizado -- seja para impedir o controle efetivo das forças do Estado, seja para cobrar condições melhores para os presos, numa dinâmica também relacionada às disputas entre diferentes grupos criminosos.

No Rio Grande do Norte, explica a antropóloga Juliana Melo, a maioria dessas ondas de ataques se deu em reação a medidas tomadas nos presídios.

A violência foi motivada, segundo o governo estadual, pela instalação de bloqueadores de sinal de celular em presídios -- uma medida para aumentar a segurança e o controle estatal das unidades prisionais.

3. Ponto de virada

O massacre de Alcaçuz marca um ponto de virada no sistema prisional potiguar, com a retomada do controle da unidade por parte do estado, que investiu em melhorias arquitetônicas e de segurança e proibiu as visitas íntimas.

A Lei de Execução Penal estabelece que é um direito do preso receber "visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados", mas não menciona a visita íntima. Em uma resolução, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) recomenda aos departamentos penitenciários que seja assegurado o direito à visita íntima aos presos de ambos os sexos.

"A partir de 2017, há melhorias arquitetônicas, o prédio é reformado, limpo. O nível de segurança também passa a ser outro, retiram as tomadas, então não há mais celular lá dentro", explica Juliana Melo.

Entre 2019 e 2022, por exemplo, o governo concluiu a construção de um novo pavilhão e reformou o pavilhão de segurança máxima na penitenciária, conforme relatório da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP).

Também houve um aumento na quantidade de câmeras de monitoramento, que passaram de apenas três, em 2019, para 413, em 2020. Já em 2022, o governo instalou um sistema de videomonitoramento com mais de 1.400 câmeras, segundo o relatório da SEAP.

Segundo a presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Rio Grande do Norte, Vilma Batista, não há como comparar o sistema prisional antes e depois de 2017, quando, segundo ela, presos dormiam em pé, visitas íntimas eram usadas para o tráfico de drogas e havia casos de estupro e outras violações dentro de Alcaçuz. Também se investiu em ações de educação e trabalho.

"Mas questões do tratamento dos presos, como casos de tortura, falta de acesso a medicamentos, alimentação inadequada, humilhação dos familiares, isso não mudou", afirma a antropóloga Juliana Melo, que, depois da rebelião em Alcaçuz, acompanhou por anos familiares de presos na unidade.

"Eles relataram torturas dos mais variados tipos, como beber água sanitária, choque elétrico, ficar horas em posição de procedimento, ser obrigado a andar nu", diz Melo.

Após o massacre, a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) foi enviada ao Rio Grande do Norte. Tratava-se do braço penitenciário da Força Nacional de Segurança, composto por agentes penitenciários cedidos pelo governo federal e por governos estaduais para atuar em presídios com casos de rebelião.

Procurado pelo g1, o Ministério da Justiça afirma que a atuação da Focopen é "pautada na doutrina de gerenciamento de crises, visando a estabilização da segurança, o apoio às assistências e o auxílio na humanização do cumprimento de pena".

4. Problemas persistentes

A antropóloga Juliana Melo explica que o quadro hoje nos presídios potiguares é de ausência de direitos já estabelecidos; alimentação precária, provocando quadros de desnutrição; além de forte opressão, com casos de tortura.

"Isso gera muita revolta no sistema e acaba transbordando para a rua, como estamos vendo agora, provocando uma espiral de violência", diz ela. "Eles sabem que o que eles fazem aqui na rua também vai ter consequências lá dentro, aumentam as torturas".

De acordo com a perita do MNCPT Bárbara Coloniese menos de 3% dos presos trabalham e praticamente não há ações para a ressocialização dos presos.

Além disso, explica ela, há um problema de superlotação, com algumas celas abrigando mais de 40 pessoas.

Segundo a Seap, o Rio Grande do Norte tem 7.804 presos. O número está acima do total de vagas (6.353) -- um déficit de 1.451 vagas.

Para a antropóloga Juliana Melo, as condições dentro do sistema prisional se refletem na violência do lado de fora, provocando uma "espiral de violência".

"Precisamos construir presídios que valorizem a dignidade humana para que essas pessoas saiam recuperadas para um convívio que, inevitavelmente, vai acontecer -- já que no Brasil não temos pena de prisão perpétua. Em vez disso, nossas prisões acabam potencializando os criminosos e criando pessoas que saem de lá com ódio e vontade de se ving

Em comum, essas ondas de violência -- registradas em 2016, 2017, 2018 e agora -- estavam relacionadas de alguma maneira ao que se passava dentro dos presídios potiguares -- tomados por integrantes de facções criminosas que rivalizam no estado.

O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) apura as motivações dos ataques em um inquérito sigiloso. Até o momento, segundo o MPRN, a causa apontada é a insatisfação dos detentos com a ausência de "regalias", inclusive visitas íntimas -- que não estão previstas na Lei de Execuções Penais. As visitas íntimas estão suspensas desde o massacre de Alcaçuz, em 2017.

Mensagens que circularam nas redes sociais e são atribuídas ao Sindicato do Crime --a facção dominante no estado-- mencionam uma suposta união com o Primeiro Comando da Capital (PCC) para atacar prédios públicos, em represália às condições nas unidades prisionais. Na quarta (15), familiares de detentos fecharam faixas da BR-101, em Natal, em protesto contra o tratamento dado aos presos, como falta de alimentação adequada e fim do banho de sol.

"Não é comum que as facções se unam em prol de mudanças no sistema. É inédito pensar nisso cinco anos depois do que aconteceu em Alcaçuz e da jura de morte que o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Sindicato do Crime teceram", diz a antropóloga Juliana Melo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Em 2017, essas duas facções se enfrentaram em uma batalha campal dentro do Presídio Estadual de Alcaçuz que deixou 27 mortos. Segundo Melo, a partir de 2012 é formada a atual facção dominante, o Sindicato do Crime, que conviveu de forma mais ou menos pacífica com o PCC até 2016. Com o massacre de Alcaçuz, em janeiro do ano seguinte, houve o rompimento total entre as organizações criminosas.

Nesta reportagem, você vai ver:

  1. Como facções criminosas se instalaram e cresceram no Rio Grande do Norte
  2. Qual o histórico de ataques no estado e como eles se relacionam com medidas tomadas nos presídios
  3. Por que o massacre de Alcaçuz foi um ponto de virada no sistema prisional do estado e na dinâmica entre as facções
  4. Quais os problemas que persistem

1. Disputa de facções

Como explica a antropóloga Juliana Melo, na década de 2010, o PCC, já instalado no Rio Grande do Norte, tentou estabelecer uma relação de parceria com grupos criminosos locais, caso do Sindicato do Crime -- formado a partir de 2012, o grupo cresceu com dissidências da facção paulista.

No livro "A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil", os pesquisadores Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias descrevem o processo de expansão nacional do PCC, iniciado nos anos 2000, quando a facção já controlava presídios de outros dois estados além de São Paulo, ambos de fronteira e importantes para a rota do tráfico: Paraná e Mato Grosso do Sul.

Ao longo dos anos, a nacionalização continuou para outras regiões do país, desencadeando disputas com facções locais, que, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, levaram a sucessivos conflitos em presídios entre 2017 e 2018 em estados como Roraima, Amazonas, Acre e Rio Grande do Norte -- o caso de Alcaçuz.

Segundo Renato Souza Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio Grande do Norte em especial tem dois fatores de atração para facções criminosas: "Mercado e acesso aos portos da região para tráfico para a África e Europa".

"Em 2016, há uma ruptura entre o PCC e o Sindicato do Crime", diz Melo. "A partir daí o Sindicato se coloca como mais atuante, como dominante e faz os primeiros ataques pela tentativa do governo de colocar bloqueadores de celular na prisão estadual de Parnamirim, próxima de Natal".

2. Histórico de ataques

Várias facções criminosas nasceram dentro das prisões brasileiras e a forte presença de seus integrantes em penitenciárias fizeram das unidades prisionais, como as potiguares, um foco de atenção do crime organizado -- seja para impedir o controle efetivo das forças do Estado, seja para cobrar condições melhores para os presos, numa dinâmica também relacionada às disputas entre diferentes grupos criminosos.

No Rio Grande do Norte, explica a antropóloga Juliana Melo, a maioria dessas ondas de ataques se deu em reação a medidas tomadas nos presídios.

A violência foi motivada, segundo o governo estadual, pela instalação de bloqueadores de sinal de celular em presídios -- uma medida para aumentar a segurança e o controle estatal das unidades prisionais.

3. Ponto de virada

O massacre de Alcaçuz marca um ponto de virada no sistema prisional potiguar, com a retomada do controle da unidade por parte do estado, que investiu em melhorias arquitetônicas e de segurança e proibiu as visitas íntimas.

A Lei de Execução Penal estabelece que é um direito do preso receber "visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados", mas não menciona a visita íntima. Em uma resolução, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) recomenda aos departamentos penitenciários que seja assegurado o direito à visita íntima aos presos de ambos os sexos.

"A partir de 2017, há melhorias arquitetônicas, o prédio é reformado, limpo. O nível de segurança também passa a ser outro, retiram as tomadas, então não há mais celular lá dentro", explica Juliana Melo.

Entre 2019 e 2022, por exemplo, o governo concluiu a construção de um novo pavilhão e reformou o pavilhão de segurança máxima na penitenciária, conforme relatório da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP).

Também houve um aumento na quantidade de câmeras de monitoramento, que passaram de apenas três, em 2019, para 413, em 2020. Já em 2022, o governo instalou um sistema de videomonitoramento com mais de 1.400 câmeras, segundo o relatório da SEAP.

Segundo a presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Rio Grande do Norte, Vilma Batista, não há como comparar o sistema prisional antes e depois de 2017, quando, segundo ela, presos dormiam em pé, visitas íntimas eram usadas para o tráfico de drogas e havia casos de estupro e outras violações dentro de Alcaçuz. Também se investiu em ações de educação e trabalho.

"Mas questões do tratamento dos presos, como casos de tortura, falta de acesso a medicamentos, alimentação inadequada, humilhação dos familiares, isso não mudou", afirma a antropóloga Juliana Melo, que, depois da rebelião em Alcaçuz, acompanhou por anos familiares de presos na unidade.

"Eles relataram torturas dos mais variados tipos, como beber água sanitária, choque elétrico, ficar horas em posição de procedimento, ser obrigado a andar nu", diz Melo.

Após o massacre, a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) foi enviada ao Rio Grande do Norte. Tratava-se do braço penitenciário da Força Nacional de Segurança, composto por agentes penitenciários cedidos pelo governo federal e por governos estaduais para atuar em presídios com casos de rebelião.

Procurado pelo g1, o Ministério da Justiça afirma que a atuação da Focopen é "pautada na doutrina de gerenciamento de crises, visando a estabilização da segurança, o apoio às assistências e o auxílio na humanização do cumprimento de pena".

4. Problemas persistentes

A antropóloga Juliana Melo explica que o quadro hoje nos presídios potiguares é de ausência de direitos já estabelecidos; alimentação precária, provocando quadros de desnutrição; além de forte opressão, com casos de tortura.

"Isso gera muita revolta no sistema e acaba transbordando para a rua, como estamos vendo agora, provocando uma espiral de violência", diz ela. "Eles sabem que o que eles fazem aqui na rua também vai ter consequências lá dentro, aumentam as torturas".

De acordo com a perita do MNCPT Bárbara Coloniese menos de 3% dos presos trabalham e praticamente não há ações para a ressocialização dos presos.

Além disso, explica ela, há um problema de superlotação, com algumas celas abrigando mais de 40 pessoas.

Segundo a Seap, o Rio Grande do Norte tem 7.804 presos. O número está acima do total de vagas (6.353) -- um déficit de 1.451 vagas.

Para a antropóloga Juliana Melo, as condições dentro do sistema prisional se refletem na violência do lado de fora, provocando uma "espiral de violência".

"Precisamos construir presídios que valorizem a dignidade humana para que essas pessoas saiam recuperadas para um convívio que, inevitavelmente, vai acontecer -- já que no Brasil não temos pena de prisão perpétua. Em vez disso, nossas prisões acabam potencializando os criminosos e criando pessoas que saem de lá com ódio e vontade de se vingar

G1

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