“Peço
ajuda a vocês, pois a situação aqui está precária. Não tem
anestesiologista para fazer meu parto. Será que vocês não conseguem?
Pelo amor de Deus… Estou sentindo muitas dores. Eu já andei aqui várias
vezes e eles mandam eu voltar para casa. Não estou mais dormindo, com
muita contração”.
O
depoimento emocionado é da gestante K.S., de 41 anos, que, ao
reconhecer a equipe de fiscalização do Conselho Regional de Medicina do
Estado da Bahia (Cremeb) ontem, dia 21.03, no corredor do Hospital
Municipal Antônio Teixeira Sobrinho, em Jacobina, pediu que a autarquia
intercedesse por algo que é garantido por lei, já que o artigo 196 da
Constituição Federal diz que “a saúde é um direito de todos e um dever
do Estado”.
O
desabafo descrito acima foi apenas um dos tantos outros que foram
ouvidos por dois médicos fiscais, que receberam a missão de fiscalizar
as três principais unidades de saúde pública de Jacobina: o Hospital
Municipal Antônio Teixeira Sobrinho, o Hospital Regional Vicentina
Goulart e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA). As visitas, que contou
com o apoio de um agente fiscal, foram realizadas nos últimos dois dias
(20 e 21.03), com a finalidade de verificar possíveis irregularidades
denunciadas ao Conselho tanto pela categoria médica quanto pela própria
sociedade, que alegam uma desassistência por parte da gestão municipal,
responsável pelas unidades citadas.
Denúncias
essas que foram evidenciadas pelas vistorias. No Hospital Municipal,
por exemplo, o médico fiscal constatou, nos dois dias de visita, uma
subutilização da unidade, principalmente, devido a um déficit de
profissionais, incluindo médicos, e pela falta de equipamentos e
materiais. Na segunda-feira, dos 48 leitos em funcionamento (são cerca
de 100 ao total, mas, devido às chuvas do ano passado, 50% deles foram
interditados e ainda continuam sem condições de uso), somente 7 estavam
sendo utilizados.
“Ou
seja, apenas 15% dos leitos estavam ocupados, com quatro pacientes que
aguardavam um médico anestesiologista, sendo três gestantes para fazer
cesariana e um paciente esperando uma cirurgia por conta de apendicite”,
disse ele.
Os
únicos médicos plantonistas que estavam no Hospital Municipal nos dois
dias de visitas do Cremeb, um no dia 20 e outro no dia 21.03, relataram
que a falta de profissionais se deve a atrasos de salários. “Estou sem
receber desde dezembro, além de um passivo de 15 dias, da outra empresa
gestora, que administrava o hospital antes da atual assumir”, contou o
plantonista de ontem. O médico que estava no dia anterior, na
segunda-feira, disse nunca ter vivido nada parecido no Hospital: “A
ultrassonografia, por exemplo, está fechada há dois meses porque o
colega não recebia. Estamos vivendo um caos. No domingo faltou até
dipirona”. A unidade não tinha registro no Cremeb, mas, após orientação
do agente fiscal, o mesmo foi solicitado ontem.
No
Hospital Regional Vicentina Goulart, o principal ponto observado pelo
médico fiscal foi a subutilização do espaço físico da unidade, que
apesar da ampla estrutura, está com alguns setores paralisados por conta
de obras. Nessa unidade, a equipe de fiscalização do Cremeb foi
recebida pela diretora administrativa do Instituto Vida Forte (IVF),
G.M., que alegou não haver atraso de salário para a equipe médica no
Hospital. Essa tese foi refutada pelos profissionais do Hospital
Municipal. Vale informar que a empresa é, desde a segunda quinzena de
outubro de 2022, a gestora das três unidades visitadas pelo Cremeb:
Hospital Municipal, Hospital Regional e a UPA.
“Nós
não pagamos fevereiro, ainda, mas isso não caracteriza atraso salarial,
tendo em vista que o contrato nos permite realizar o pagamento até o
último dia do mês de março, que é o período subsequente”, informou o
IVF, através da sua diretora administrativa. Embora o instituto alegue a
regularização, médicos que preferiram não se identificar, apresentaram
ao Cremeb uma carta onde foram informados que os vencimentos seriam
pagos no dia 10 de março – o que não foi feito. Outros colegas médicos
procuraram o Conselho para informar que estão sem receber desde
dezembro, apresentando, inclusive, os seus respectivos contracheques, o
que contraria o discurso apresentado pela empresa gestora dos contratos.
Sabendo
da presença do Cremeb em Jacobina, um grupo de quatro médicos que atuam
na região procurou, na noite da última segunda-feira, a equipe do
Departamento de Fiscalização para ratificar alguns fatos já denunciados
sobre a situação da saúde pública da cidade. Entre os assuntos, o atraso
salarial, que foi atestado, inclusive, com a apresentação de
contracheques de profissionais médicos.
Na
oportunidade, eles também denunciaram que a gestão está escalando
médicos para dar plantão em duas unidades diferentes no mesmo dia e
horário, deixando, claro, uma delas descoberta, sem atendimento médico.
Coincidência ou não, ontem, às 10h20, a Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) do Hospital Vicentina Goulart funcionava sem médico plantonista.
Nitidamente
nervosa com a presença da equipe de fiscalização, a enfermeira que
estava de plantão na UTI não sabia sequer informar o nome do médico que
estaria na escala, dando o nome de dois profissionais, sendo que nenhum
deles foi encontrado pelos médicos fiscais no Hospital. Após inúmeros
questionamentos, alguns deles sem respostas, como se era frequente a UTI
funcionar sem médico, ela acabou revelando que um médico havia passado
no local no período da manhã, por volta das 6h, para realizar apenas as
prescrições dos pacientes, o que foi evidenciado pelos médicos fiscais.
Quando perguntada o que ela faria caso houvesse uma intercorrência, a
exemplo de uma parada cardiorrespiratória, que necessita da intervenção
de um médico, ela não soube informar.
“Ficamos
mais de 20 minutos na unidade, rodamos o hospital, e não encontramos o
médico plantonista da UTI, que é uma unidade fechada, onde o
profissional sequer pode sair de lá. Dos 10 leitos disponíveis, seis
estavam ocupados por pacientes graves, que necessitam de uma assistência
integral. Os pacientes estão completamente desassistidos. O último
médico esteve na unidade às 6h. Já são 11h, e, até agora, nenhum médico
apareceu na UTI de novo. Isso é muito grave”, pontuou o médico fiscal a
uma representante do setor de contas a pagar e a receber do Instituto
Vida Forte, durante a visita.
Na
UPA de Jacobina, o déficit de profissionais médicos para compor as
escalas é o que mais chamou atenção da equipe de fiscais do Cremeb, além
da falta de climatização, há cerca de dois meses, na sala vermelha e a
sala de observação. Segundo o diretor técnico da unidade, a UPA é a
única porta aberta do município, o que acaba gerando uma superlotação.
“Hoje, temos 8 médicos no corpo clínico, mas, para atender a demanda,
precisaríamos de pelo menos mais cinco. Isso tem impactado bastante no
tempo de espera dos pacientes”, afirmou ele.
Quando
questionado sobre qual seria a justificativa para essa falta de
profissionais, o dirigente foi enfático: “No primeiro momento, devido ao
atraso salarial. Hoje, os médicos plantonistas da UPA não estão mais
com esse atraso, mas, devido a questões políticas, ao atraso que teve
antes e ao medo dos profissionais de terem de novo os seus salários
atrasados, talvez, tudo isso somado, não tenha atraído novos
profissionais”.
O
presidente do Cremeb, conselheiro Otávio Marambaia, esclareceu que os
médicos fiscais que participaram da ação irão emitir um relatório, com
todos os detalhes do que foi evidenciado nas visitas. Em seguida, o
Conselho cobrará dos responsáveis a resolução dos problemas.
“Não
vamos sossegar enquanto os responsáveis não forem punidos e a
assistência à saúde pública de Jacobina funcione de forma efetiva. O que
os médicos e a população estão passando é desumano. Muito difícil
digerir cada pedido de socorro ouvido pela nossa equipe nesses dois
dias. Podem ficar certos de que tomaremos todas as medidas para garantir
o funcionamento dos serviços de saúde de qualidade e condições dignas
do trabalho médico àquela cidade”, concluiu ele.
Fonte: Cremeb
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