Ministros de Lula ainda não apresentaram proposta sólida de arcabouço fiscal

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Com uma agenda social recheada de novos programas e consequentemente aumento de gastos, o governo ainda está devendo uma proposta de política econômica. O novo arcabouço fiscal, que irá substituir o teto de gastos — mecanismo para limitar o crescimento das despesas públicas à inflação — tem sido vendido como a "galinha dos ovos de ouro" da equipe econômica. A apresentação vem sendo prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda para este mês, mas não estão claros quais serão os principais contornos da âncora fiscal. Interlocutores da equipe econômica, contudo, já sinalizaram que a nova regra deve buscar um equilíbrio fiscal de médio prazo, com alguma combinação entre recomposição de receitas e crescimento real dos gastos.

De acordo com o ministro, a proposta desenhada já foi debatida dentro do Ministério da Fazenda e também pela área econômica do governo. O próximo passo é apresentá-la ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que está programado para esta semana, para depois, então, poder ser trazida a público. Até lá, Haddad tem evitado dar mais informações sobre os detalhes da proposta desenhada.

O plano da equipe econômica é que o texto venha a público até o fim do mês para que seja encaminhado ao Congresso em abril, junto com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Mas existe a expectativa de que a nova âncora fiscal seja apresentada antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que acontece nos dias 21 e 22 de março.

Segundo o economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, a apresentação do arcabouço junto à aprovação da reforma tributária, outra prioridade definida pelo governo, pode abrir espaço para uma revisão da taxa básica de juros (Selic), tão criticada pelo presidente Lula. "A equipe econômica tem interesse em apresentar logo a proposta até mesmo para que a próxima reunião do Copom considere o esforço de busca de reequilíbrio fiscal quando da tomada de decisão do patamar de juros", ressaltou.

Mercado

Viana lembrou que o governo tem um desafio pela frente, pois atualmente a carga tributária está em patamares bastante elevados, próximo dos 34% do Produto Interno Bruto (PIB). "O espaço para aumento de carga é limitado. Ainda temos que considerar também que o governo não pretende reduzir tão significativamente o espaço para mais gastos aberto com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. As limitações de uma nova rodada de elevação de carga tributária, somada ao atual contexto de deficit primário e juros reais elevados, tornam tão urgente quanto difícil o desenho de uma nova regra fiscal crível e condizente com a estabilização da relação dívida/PIB", afirmou.

Segundo o economista e sócio da Valor Investimentos Davi Lelis, o mercado também tem suas ressalvas quanto à ausência de políticas econômicas concretas. "Os ânimos não melhoraram, o mercado ainda não se mostrou otimista e eu acredito que isso só acontecerá quando for apresentada a proposta no novo arcabouço", disse ele, que destacou que o governo está em um impasse para "agradar a gregos e troianos, tanto a ala política quanto a ala econômica".

"O cenário que nós temos visto nos últimos meses, principalmente desde o início do governo Lula, é um cabo de guerra entre a ala econômica e a ala política do governo. O plano de fundo deste cabo de guerra é um cenário de juros muito altos. Nesse cenário de juros muito altos e crescimento ainda muito suprimido, por conta da produção ainda baixa da economia, discute-se o que fazer para essa economia decolar. Isso passa pelo novo arcabouço fiscal", lembrou Lelis.

Em um primeiro momento, o presidente tem focado em marcar os 100 dias de governo com agenda positiva, principalmente em políticas sociais. Desde fevereiro, Lula lançou o novo Bolsa Família, reajustes de 40% em bolsas de pesquisa e aumento do salário mínimo e a retomada do Minha Casa Minha Vida, com a entrega de moradias populares pelo Brasil. Já na última semana, anunciou o reajuste da merenda escolar em até 39%. Nos próximos dias, o governo deve anunciar ainda o programa "Água Para Todos", criado em 2011, que reúne medidas preventivas e corretivas contra a seca.

Governabilidade

A reforma tributária será um teste de governabilidade enfrentado pelo petista nos próximos meses. Com uma expectativa exacerbadamente otimista de aprovação da primeira fase ainda neste semestre, por mais que a pauta já seja vista como um consenso, a discussão está travada há quase 20 anos e o intervalo de tempo é considerado exíguo para um assunto de tamanha complexidade.

Esta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), acendeu o alerta no momento em que o debate ocorre na Casa. "Hoje, o governo ainda não tem uma base consistente na Câmara nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples. Quanto mais matéria de quórum constitucional… isso precisa ser negociado com bom-senso, muita conversa, clareza", comentou Lira, na Associação Comercial de São Paulo, na última segunda-feira.

Ao argumentar sobre a fragilidade da base governista, o presidente da Câmara fez menção à estreita margem de votos que elegeu Lula na campanha eleitoral do ano passado e disse que o governo precisa entender que o Congresso tem atualmente "uma atribuição mais ampla" do que no passado. O deputado ainda criticou os ataques feitos por Lula à taxa de juros praticada pelo Banco Central (BC) e disse que declarações como essas não agregam.

Vale destacar que o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reconheceu que Lira está certo e que o presidente Lula ainda não tem base suficiente para aprovar PECs. E na busca pelo apoio no Legislativo, o governo tem tropeçado nas articulações com o Centrão, grupo suprapartidário de parlamentares, ao qual Lira faz parte, que tem se mostrado cada vez mais unido e empoderado.

A aprovação de PECs exige um apoio elevado: três quintos dos parlamentares. Isto significa ter os votos de 49 dos 81 senadores e de 308 dos 513 deputados. Ainda no ano passado, logo após ter sido eleito, Lula articulou com os parlamentares a aprovação da PEC da Transição, proposta que, entre outros pontos, elevou o teto de gastos para que o governo pudesse garantir os R$ 600 mensais do Bolsa Família. Desde que tomou posse, no entanto, o governo ainda não submeteu ao Congresso a análise

Correio Braziliense

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