Salvador tem um tiroteio a cada 8 horas, revela estudo do Instituto Fogo Cruzado

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O tiro de fuzil que matou o pedreiro Rui Antônio da Silva, 61 anos, também destruiu a vida de seus filhos. “Eles acabaram com tudo o que a gente tinha. Meu pai era a nossa base”, afirma a operadora de telemarketing Paula Andrade, 29. Rui Antônio morreu durante uma ação da Polícia Militar (PM) no Alto do Coqueirinho, no dia 3 de março deste ano. A dor de Paula reflete o sofrimento das 696 famílias que tiveram parentes baleados em Salvador durante quase oito meses. Nesse período, a capital baiana registrou um tiroteio a cada oito horas.

O número faz parte de um estudo do Instituto Fogo Cruzado, realizado entre o dia 1 de julho de 2022 e o dia 30 de março deste ano. Os dados apontam ainda que na Região Metropolitana (RMS) a situação é mais preocupante: é um tiroteio a cada seis horas. 

De acordo com o estudo, Salvador registrou 815 tiroteios no período analisado. Sendo que 263 das ocorrências resultaram de ações policiais. O estudo aponta que neste período, foram 696 pessoas baleadas, das quais 519 morreram. Na RMS, o instituto contabilizou 1.107 tiroteios, dos quais, 362 foram com a participação da polícia. A apuração concluiu que 986 pessoas foram atingidas por projéteis e 761 não resistiram. 

“O Fogo Cruzado está há oito meses mapeando Salvador e região metropolitana e nesse tempo já percebemos que esses números mostram a realidade que a população e a imprensa conhecem bem, mas que até então não tinha dimensão do problema. Acontece que esses dados são um ponto de partida para a elaboração de políticas públicas de segurança”, declara a coordenadora regional do instituto, Tailane Muniz. 

O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada. Com uma metodologia própria, o laboratório de dados da instituição produz mais de 30 indicadores inéditos sobre violência em Salvador, Rio de Janeiro e Recife. 

“É uma violência desenfreada. Eles arrombaram a porta. Meu pai acordou no susto. Não deu nem tempo dele falar. Caiu com um tiro de fuzil. Eles na certa invadiram para achar armas e drogas, como fazem nas casas, mas mataram um trabalhador, que morava há 40 anos no bairro. Na Corregedoria da Polícia Militar, que apura o caso, o policial alegou que meu pai foi para cima dele com uma faca. Ele atirou no escuro, numa pessoa indefesa. Foi despreparo total, irresponsável”, conta Paula Andrade, detalhando a forma como o pai foi morto. 

Violência generalizada
Por meio de um aplicativo, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre a ocorrência de tiroteios que são checadas em tempo real e que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela base de dados do instituto. “A violência armada atinge todo mundo, mata inocentes, leva tensão e medo aos cidadãos. Mesmo aqueles que não circulam em áreas estigmatizadas como mais violentas. Então, com os dados, é possível pela primeira vez qualificar o impacto da violência armada em Salvador e na região metropolitana”, acrescenta Tailane. 

O levantamento da entidade aponta também que 74,75% das vítimas de tiroteio em Salvador e na RMS não foram identificadas; 3,38% foram agentes públicos; 2,88% ex-detentos; 0,20% entregadores/motoboys e grávidas; 0,99% motoristas de aplicativo; 1,19%, vendedores ambulantes; 1,29%, mototaxistas; políticos, 0,10%; rifeiros, 0,89% e outros, 14,12%. 

Em relação às circunstâncias da vitimização, 85,58% está sem identificação; 9,98%  foram chacinas; 3,83% balas perdidas; 0,40% feminicídios e 0,30% outros. 

A coordenadora regional do FC comenta as causas apontadas no estudo. “Esses dados registrados nos últimos meses mostram que as chacinas e as disputas entre os grupos armados são os principais motores dessa violência. E essa dinâmica explica porque o estado não produz dados de segurança pública ou não é transparente na divulgação dessas informações”. 

As informações diárias dos boletins de ocorrência no site da Secretaria de Segurança Pública (SSP) deixaram de ser públicas há mais de um ano. Imprensa, órgãos públicos, universidades e outras instituições que trabalham com a coleta de dados, e a própria sociedade, não têm mais acesso de forma rápida às informações sobre homicídios, baleados, furtos e roubos de veículos na Bahia.  

“O problema da violência armada hoje está diretamente ligado à falta de transparência. Faltam dados de qualidade para embasar políticas públicas e falta, sobretudo, vontade política de abandonar métodos de combate à violência que já se mostraram ineficazes há muito tempo”, pontua Tailane, que emenda:

“Planejamento de segurança pública eficiente tem que ser baseado em evidência, tem que ser baseado em dados. Sem dado não pode haver plano para que políticas públicas sejam pensadas, para que a população não sofra ainda mais com traumas e a perda de seus familiares”. 

Posicionamento
A reportagem cobrou da SSP/BA) um posicionamento em relação aos dados apurados pelo instituto. Em nota, a pasta informou que “não comenta os dados apresentados pelo aplicativo. Por não se tratar de um recurso oficial, não é possível atestar a veracidade das informações que são apresentadas, o que impossibilita, inclusive, a utilização desse recurso para fins policiais. Os dados gerados de forma indiscriminada e sem confirmação oficial podem produzir estatísticas distorcidas”, diz o texto. 

A SSP disse que nos primeiros três meses do ano foram capturados 2.211 criminosos, uma média de 30 por dia, que 1.142 armas foram retiradas de circulação, entre elas 15 fuzis. Neste mesmo período, pouco mais de 2,5 toneladas de drogas foram também encontradas. A pasta diz que o trabalho se refletiu nas reduções de 4,7% das mortes violentas na Bahia. Em Salvador, a queda foi de 15% dos homicídios, latrocínios e lesões dolosas seguidas de morte.

Em relação a não disponibilização das informações diárias dos boletins de ocorrência no site da SSP, a órgão informou: “O site da SSP, buscando dar mais comodidade para o cidadão acessar e também ampliando a sua proteção contra os ataques cibernéticos, está passando por uma mudança de plataforma. O processo está em fase final e logo o portal contará com todas as suas funcionalidades”, diz a nota. 

Em janeiro de 2022, 21 páginas institucionais do governo da Bahia sofreram um ataque hacker e ficaram fora do ar. Curiosamente, os serviços foram normalizados dias depois, com exceção do boletim diário. A SSP finalizou dizendo que “nesse momento de atualização do site, dados estatísticos podem ser solicitados à Polícia Civil, que segue atendendo as demandas da imprensa”.  
 

Correio 24 Horas

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