'Virou uma tática do crime', diz especialista sobre aumento de sequestros com reféns na Bahia

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Em fuga, criminosos invadem casas, ameaçam matar moradores e exigem a presença da imprensa, parentes e advogados, como condição de libertarem os reféns e se entregarem a polícia. Em pouco mais de 30 dias, foram seis casos do tipo registrados em Salvador – cinco deles no bairro de Tancredo Neves, quando as forças da Secretaria de Segurança Pública (SSP) ocuparam a região na tentativa de reestabelecer a ordem, após intensos confrontos entres duas facções. A situação mais recente aconteceu no último dia 15, quando um traficante manteve em seu poder quatro inocentes, entre eles uma criança. Exigências atendidas, ele libertou as vítimas e se rendeu.

Família é feita refém por criminosos em Tancredo Neves

Ação policial interveio em sequestro no bairro de Tancredo Neves no dia 12 de abril - Foto: Alberto Maraux - Divulgação SSP  BA Arquivo

 “Isso virou mais uma tática do crime”, pontua o especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge Melo, coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio Fib da Bahia. Para Melo, os sequestros com reféns são a mais “nova modalidade” das organizações criminosas e que se firmou no estado, especialmente em Salvador, onde diversos fatores corroboram para o cenário. Em entrevista ao CORREIO, o especialista aponta que a ausência efetiva do Estado nas comunidades é o principal motivo da expansão da tática. Ele comentou ainda o papel da imprensa durante esses episódios. Confira. 

1 - Por que há tantos casos de sequestros com reféns nas comunidades de Salvador?

Resposta: “Virou mais uma tática, não tenho menor dúvida disso!  A partir da observação, da constatação de que tudo funcionou, que o objetivo foi alcançado, passou a ser uma tática definida por algumas organizações criminosas e através da própria divulgação da mídia e das redes sociais, isso vai se espalhando. Eles pensam: ‘Por que vou confrontar com a polícia, correndo o risco de morrer, se eu encontrei uma fórmula que me permite continuar atuando e diminuindo esse risco?’. Então, na hora que eles se sentem de alguma forma ameaçados em um confronto com a polícia, vão invadir uma casa e vou transmitir pela internet, desta maneira, garantem o salvo-conduto (segurança) e afirmam ainda mais o seu poder dentro da comunidade”


2 - O senhor falou em salvo-conduto. Os parentes dos presos dizem que tais atitudes são também resultado de dezenas de ações policiais em que o criminoso é morto, mesmo já rendido. O que tem a dizer? 

Resposta: “Quando a polícia se vê numa situação, sem muitas alternativas, onde não se sente amparada pelo sistema de defesa social, pela justiça, pelo Ministério Público, pela legislação, e um modo geral, ela se vê sozinha pra resolver o problema. Em alguns casos alguns policiais podem se sentir a lei ou a própria lei ou se colocar acima da lei. O grande problema é que nós não estamos reconhecendo que existe uma guerra e continuamos achando que a lei por si só tem força suficiente pra se impor e exercer o controle social, e nós sabemos que não é verdade. O policial também em determinadas circunstância vai morrer! Se ele for identificado em ônibus, no carro ou no entrar numa rua errada ele vai morrer. Não há piedade na guerra. Então, em alguns momentos possa ser que haja um excesso da força policial, mas não a regrar” .

3 - Como o senhor enxerga o tráfico nas comunidades onde ocorrem os episódios? 

Resposta: “Na minha percepção é que isso é um reflexo no varejo de um processo que já acontece no atacado. Na realidade, essas comunidades já estão sob o controle do tráfico. As pessoas são reféns 24horas. Eles (traficantes) determinam a hora que você pode circular, que você pode ficar dentro de casa, o que abre e fecha o comércio, aplicam a justiça do ponto de vista deles, tribunais que julgam moradores ou eliminam pessoas que eles desconfiam que, de alguma forma, estão contribuindo com a polícia ou com os grupos rivais. Em alguns lugares, se o motorista e o cobrador não permitem que moradores entrem sem pagar, são ameaçados e mortos em função disso.


4 - Na maioria dos casos, os criminosos usaram as redes sociais para transmitir em tempo real toda a tensão. Qual a leitura que o senhor faz disso ?

Resposta: “A tecnologia vive conosco para o bem e para o mal. Numa situação como essa, ele (bandido) entende que, se entrar em confronto com a polícia vai morrer, então, o que ele faz? Invade uma residência, se conecta com a uma rede social, para dar logo uma publicização do fato, fazendo com que a polícia passe a agir de uma forma mais cautelosa. Então, essa publicização vai garantir um salvo-conduto (segurança), para que na negociação ele saia preso, para depois correr atrás para ser liberado e retornar ao mesmo processo. 

5 - Além da presença dos parentes e dos advogados, os bandidos exigem a presença da imprensa. Qual a sua opinião?

Resposta: “Eu chamo de ‘espetacularização da vida e da morte’, por parte de alguns setores da mídia. A imprensa não pode exercer o papel de negociador, porque não tem treinamento para isso! Toda vez que você tem uma variável externa dentro de um processo de negociação, que segue todo um protocolo. Não é aconselhável que pessoas que não pertencem ao sistema de segurança interfiram no processo. Qual o risco quando isso acontece? É perder o controle da negociação. Numa ocorrência com reféns, primeiro você tem que isolar, conter e administrar a área de crise. Você tem que garantir todas essas variáveis para garantir o mínimo de sucesso, que é preservar a vida dos reféns. Se você tem outras variáveis, com outros interesses, você corre um sério risco de prejudicar todo o processo e terminar numa tragédia. Entendo o papel da mídia, mas acho que deve ter um certo controle em relação a isso, para que a imprensa não funcione como um vetor de agravamento dessa situação. É acompanhar à distância e  aguardar as informações por parte dos órgãos de segurança. Não é censura, até porque, nessa era ‘Big Brother’ que vivemos, nada deixa de ser filmado e fotografado por alguém.  

6 - Como o senhor enxerga a violência em Salvador ?

Resposta: “Se você tem uma visão áera de Salvador, você vai ver que, convivendo no mesmo espaço geográfico, localidades de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de primeiro mundo e localidades com a periferia do capitalismo. É justamente nesses aglomerados subnormais, como o IBGE denomina, que você tenha um caldo de cultural perfeito para que esses movimentos que já ocorria no Rio de Janeiro e São Paulo. Não tenho dúvida que essas ações criminosas frequentes aqui, que antes não se via aqui, são influências das maiores organizações criminosos do país, é como se fosse um processo de expansão empresarial. Você tinha aqui grupos criminosos que foram se profissionalizando, fazendo fusões ou incorporações ou alianças com esses grupos criminosos de abrangência nacional e isso fortalece, não só porque favorece eles adquirem a matéria-prima do negócio deles em bem melhores condições, como dar acesso a armamentos pesados que antes não se tinha, como fuzis, granadas”. 

7 - O senhor acredita que esses sequestros com reféns possam acabar ou, no mínimo, reduzir os casos na Bahia?

Resposta: “No momento, a percepção que tenho é que isso veio para ficar. Se está dando certo, por que vai mudar, se está tendo eco, visibilidade? Ou o estado volta ocupar esses territórios ou vamos viver como o poder paralelo o tempo inteiro. Sabemos que há locais em que o Estado não perdeu o controle em 100%, mas sim em 90%. O Estado não tem presença frequente. Só vai quando há um ocasionamento do contexto, faz uma intervenção pontual e sai. E quando você sai, todas as variáveis voltam, às vezes com personagens diferentes, mas a sistemática é a mesma. A tecnologia por si só não é capaz de manter um estado, onde o Estado não se faz presente. Quem dita as leis, as normas em algumas comunidades não é mais o Estado. O ‘movimento’, como eles (criminosos) mesmo chamam, é quem governa. É como se fossem feudos. 

Correio

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