O presidente Lula (PT) começou a destravar a verba que herdou das extintas emendas de relator, mas o governo não deu a transparência prometida sobre a liberação desses recursos. A falta de transparência no pagamento desse tipo de emenda era criticada pelo petista durante a gestão Jair Bolsonaro (PL).
As emendas de relator eram o principal mecanismo de moeda de troca entre o governo Bolsonaro e o Congresso, mas foram declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em dezembro.
O Executivo então incorporou o dinheiro ao orçamento dos ministérios, mas fez um acordo político com o Congresso pelo qual R$ 9,9 bilhões seriam distribuídos como se fossem emendas parlamentares.
A Folha mostrou na terça-feira (20) que o Palácio do Planalto começou a distribuir essa verba, sendo que a primeira liberação privilegiou estados dos ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Jader Filho (Cidades). O governo não informou quais foram os autores das indicações dos recursos.
Os dois ministros são considerados cotas de partidos de centro na negociação que Lula conduziu no fim do ano passado para atrair partidos para a base –PSD, de Fávaro, e MDB, de Jader Filho.
O dinheiro está registrado como orçamento dos ministérios. No entanto, por não ser considerado formalmente uma emenda (verba usada conforme orientação do Congresso), não foram divulgados dados sobre qual parlamentar ou gestor público solicitou o repasse.
Em resposta dada em março via LAI (Lei de Acesso à Informação), a SRI (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela articulação política, informou que o execução da verba de R$ 9,9 bilhões rebatizada com o fim das emendas de relator seria feita com “absoluta transparência e critérios técnicos, para assegurar a máxima efetividade dos investimentos a serem realizados”.
À época, a pasta disse que diretrizes para garantir a transparência estavam sob elaboração “internamente” no governo. Em maio, a secretaria publicou uma portaria determinando que ministérios fizessem uma seleção de propostas de aplicação da verba, além da publicação do resultado dessa análise.
Dias mais tarde, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) disse que havia mudado “da água para o vinho” o modo de liberação dessas verbas na gestão Lula. “Tanto que vocês conseguem dizer exatamente para quem foi liberado os recursos.”
Em resposta apresentada à Folha via LAI na quinta (22), a pasta repetiu que os ministérios devem “publicar o resultado do chamamento” de propostas para indicações das emendas herdadas da gestão Bolsonaro. Afirmou ainda que “a essas dotações não se aplicam quaisquer tipos de indicações de beneficiários por seus autores”.
Sem mostrar o resultado das análises das propostas, porém, o governo Lula já empenhou (etapa que antecede o pagamento) R$ 210,2 milhões do recurso que migraram ao caixa do Executivo com o fim das emendas de relator.
Desse valor, R$ 145 milhões foram liberados pelo Ministério da Agricultura, principalmente para obras de recuperação de estradas em Mato Grosso, estado representado politicamente pelo ministro Fávaro.
A Agricultura afirmou, em nota, que avaliou mais de 8.000 propostas de transferência de recursos. A pasta disse ainda que observa prioridades regionais, entre outros fatores, ao liberar a verba.
Segundo o ministério comandado por Fávaro, “não há identificação de autor ou beneficiário parlamentar fixado” pois o recurso está dentro das despesas discricionárias do governo federal.
O centrão se irritou ao saber que o governo usou a verba que herdou das extintas emendas de relator para destinar dinheiro para as bases eleitorais de ministros. Como mostrou a Folha, o Planalto cobrou explicações dos ministérios e determinou que parte dos repasses seja desfeita para evitar nova crise com parlamentares.
Durante a campanha eleitoral, Lula chegou a chamar as emendas de relator de o “maior esquema de corrupção da atualidade”, “orçamento secreto” e “bolsolão”. A gestão petista, porém, driblou a decisão do Supremo e negociou a partilha desse recurso a partir de acordos feitos com o Congresso para ampliar sua base de apoio.
Nos últimos anos, o Congresso pulverizou bilhões de emendas com tratores, asfalto e repasses para a saúde sem observar critérios técnicos e prioridades regionais. Líderes da Câmara e do Senado não querem abrir mão desse poder no governo Lula 3.
O acordo firmado pela gestão Lula e o Congresso prevê que os R$ 9,9 bilhões que passaram para a mão dos ministérios também sirvam para atender os interesses de deputados e senadores.
O governo colocou um carimbo específico para esses recursos, para formalizar e organizar os pagamentos. Esse dinheiro foi dividido entre sete ministérios no acordo político, que envolveu as cúpulas da Câmara e do Senado e que foi chancelado por Lula.
Na prática, Lula criou um novo mecanismo para destinar verbas ao Congresso e ampliar sua base de apoio. Também estabeleceu que, para gastar o dinheiro, os ministérios deverão seguir a articulação política do Executivo. O novo sistema de transparência ainda está em elaboração.
Apesar de prever a revelação dos padrinhos, integrantes do Planalto passaram a discutir a possibilidade de, em alguns casos, apenas prefeitos aparecerem na lista como beneficiados pelos repasses —ocultando, assim, eventual intermediação política de algum parlamentar.
O Orçamento de 2023 reserva R$ 36,5 bilhões em emendas individuais, de bancadas estaduais e das comissões temáticas do Congresso. Foram empenhados R$ 6,6 bilhões e pagos R$ 2,4 bilhões desse valor. O governo tem dado mais ritmo às emendas individuais, que são aquelas que todo deputado e senador têm direito.
Mateus Vargas e Thiago Resende / Folhapress\ Por Politica Livre
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