Há uma semana, o tumulto que encerrou o encontro convocado pelo Diretório Municipal do PT para discutir os planos do partido na corrida eleitoral em Salvador ano que vem expôs o racha dos líderes de dois grupos com poder de fogo. De um lado, está o senador Jaques Wagner. Do outro, o antigo pupilo político, Rui Costa, ministro da Casa Civil. Entre os dois, o pote de ouro do duelo: o controle sobre a escolha do candidato da base petista ao Palácio Thomé de Souza na disputa contra o prefeito Bruno Reis (União Brasil), tido até o momento como favorito no páreo.
O motivo alegado publicamente para a confusão no encontro, que teve como um dos protagonistas o vereador Luiz Carlos Suíca e envolveu dirigentes da sigla, foi a suposta insatisfação com a postura do presidente estadual do PT, Éden Valadares, um dos aliados mais leais a Wagner. Ausente à reunião realizada sábado passado na sede do Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho e Previdência da Bahia (Sindprev), em Nazaré, Valadares foi representado pelo vice, Glauco Chalegre, que virou destinatário das críticas generalizadas feitas por dirigentes e militantes petistas.
Parlamentares, cardeais do PT e caciques de partidos aliados ao Palácio de Ondina, entretanto, garantem que o pano de fundo do tumulto é outro. Em conversas reservadas - nenhum deles parece disposto enfiar a mão em uma cumbuca já bastante quente -, todos apontam a tentativa de Rui de impor a candidatura do diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder), José Trindade, nome que enfrenta forte rejeição na legenda e que também não reúne apoio majoritária na própria legenda, o PSB, cujo comando na Bahia pertence à deputada federal Lidice da Mata.
"Trindade é uma opção apenas de Rui. Dentro do PT, é raro ver alguém que endosse seu nome, justamente porque ele não é visto como alguém orgânico no campo da esquerda. A única ligação dele com o partido se deve à proximidade que adquiriu com o ministro na época que ocupou o posto de porta-voz do então governador na Câmara de Salvador, quando era vereador ainda pelo PSL (que se fundiu ao DEM para formar a União Brasil)", destacou um deputado federal petista que integra a ala liderada por Wagner e discorda da escolha do chefe da Conder como candidato da base.
Parte das fontes consultadas acrescenta ainda que a insistência de Rui Costa se deve a uma provável retribuição a Trindade pela operação tocada por ele na sucessão estadual de 2022. À época, o dinheiro derramado pela Conder em cerca de 200 municípios em pleno período eleitoral, objeto de denúncias e representações da oposição junto ao Tribunal de Contas do Estado e ao Ministério Público, foi considerado crucial para a vitória do atual governador, Jerônimo Rodrigues (PT), na queda de braço com o ex-prefeito ACM (União Brasil), hoje presidente da Fundação Índigo.
"A verdade é que Rui saiu fortalecido ao eleger o sucessor e ganhar uma caneta poderosa, como a de ministro-chefe da Casa Civil, mas ele está longe de ter gás suficiente para empurrar o nome de Trindade goela abaixo, tanto do PT quanto das outras legendas expressivas dentro da base", avalia um parlamentar que integra a cúpula de uma das siglas governistas com influência na xadrez eleitoral, para quem as costuras de Rui voltadas a pavimentar o caminho do presidente da Conder dificilmente terão sucesso, considerando a atual temperatura no arco de alianças petistas.
Embora tenha como trunfo de valor o fato de administrar uma pasta que controla o coração do governo Luiz Inácio Lula da Silva, Rui tem duas grandes barreiras pela frente na rota para consolidar a eventual candidatura de Trindade. A começar pelas arestas criadas com outros ministros também poderosos. Entre os quais, o das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um dos principais responsáveis pela articulação política do Palácio do Planalto no Congresso Nacional, com quem entrou em atrito na montagem da estratégia para votações importantes para o governo federal no primeiro semestre. O que levou Lula a limitar o raio de ação do ministro baiano nessa área.
O ex-governador do estado também atrai pouca simpatia entre integrantes do PT e deputados da base, resultado de seu temperamento pouco afeito ao diálogo com a classe política e do estilo "rolo-compressor" que usou no trato com aliados durante suas duas gestões à frente do Executivo baiano. O mesmo padrão de comportamento é apontado nos corredores do Congresso como origem da artilharia disparada contra ele na Câmara dos Deputados e no Senado. Especialmente, por quadros do centrão, que torcem o nariz para o chefe da Casa Civil.
Vantagem do senador sobre o ministro
O que falta em Rui, porém, sobra do lado de lá do ringue. "Wagner aglutina apoio muito maior dentro do próprio PT e agrega adesão entre quase todos os players com força na base, como PSD, PCdoB, PSB e MDB. É também considerado um líder mais leve, que joga bem mais para o time", avalia outro importante parlamentar petista com assento na Direção Estadual da legenda. E, nesse jogo do senador, a pulverização de pré-candidatos é a estratégia inicial para frear as pretensões do ministro.
Em declarações recentes e conversas internas, Wagner vem adotando o discurso de que o candidato à prefeitura de Salvador deve ser construído em consenso com as lideranças do bloco governista. Ao mesmo tempo, defende que o nome não precisa ser necessariamente do PT. Entretanto, é atribuído a ele o lançamento de múltiplos nomes para a maratona eleitoral de 2024. Na ala petista, além do deputado estadual Robinson Almeida, que foi secretário de Comunicação nas duas gestões de Wagner, tem ainda a presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Maria Marighella, vereadora licenciada da capital.
Em movimento simultâneo, o PSD incluiu o deputado federal Antônio Britto na pista de corrida. O MDB, por sua vez, tem na ponta de lança o vice-governador Geraldo Júnior. Já o PCdoB ofereceu novamente a deputada estadual Olívia Santana como alternativa capaz de unir os polos que hoje se digladiam no PT. Apesar da multiplicidade de quadros, é unanimidade na base aliada que dividir a ala governista seria suicídio no confronto com um prefeito que beira os 70% de aprovação junto ao eleitorado e reúne hoje um grupo bastante coeso.
Disputa se desenrola desde 2022
As tensões que rondam a escolha do concorrente governista ao Thomé de Souza é a ponta mais visível do duelo de poder que se desenrola entre Wagner e Rui desde os primeiros meses de 2022, quando ambos entraram em choque na definição dos nomes que iriam compor a chapa majoritária. Processo que resultou na ruptura do então vice-governador e hoje deputado federal João Leão e do seu partido, o PP, com a tropa encabeçada pelo PT. A crise ficou ainda mais evidente quando o senador criticou abertamente a indicação da esposa do ministro, a ex-primeira-dama Aline Peixoto, para o cargo de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Interlocutores de Wagner e Rui garantem que a relação de ambos está longe da inimizade, mas nem de perto lembra a amizade de tempos atrás, inclusive, com reflexos familiares. "É fato que eles não são próximos como antigamente. O que não quer dizer que vão iniciar um confronto fratricida. O PT é um partido onde os conflitos são normais, mas não hora do vamos ver, caminha unido em uma só direção", aposta um político que mantém laços nos dois lados da trincheira, ao assegurar que, passada a escolha do candidato, os choques ficarão no passado.
No momento em que senador e ministro movem suas peças no tabuleiro, as atenções se voltam para Jerônimo Rodrigues. À frente da máquina do estado, o governador é considerado o fiel na balança do PT para 2024. Mesmo grato a Rui pela vitória nas urnas, Jerônimo não é visto como soldado a serviço do antecessor. Por enquanto, ele tem dito a aliado próximos que só se manifestará sobre a candidatura em Salvador na hora certa. Contudo, na bola dividida, calculam os caciques governistas, ele tende a engrossar o coro de Wagner, dono da carta de maior força na mesa: o apoio de Lula, que tem o senador como importante e leal conselheiro.
Por Correio 24 Horas
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