Jovem que morreu de bala perdida sonhava em ser enfermeira


Camila Silva dos Santos tinha 23 anos e o sonho de oferecer uma vida melhor para a mãe, a avó e os irmãos. Infelizmente, seus desejos foram interrompidos por uma bala perdida. A estudante morreu quando voltava para casa depois de um dia de trabalho em um call center e de aulas em um curso profissionalizante. Foi baleada no peito durante um tiroteio entre traficantes nas proximidades da Praça Lord Cochrane, que faz a ligação das Avenidas Anita Garibaldi e Reitor Miguel Calmon, na Federação.

O crime aconteceu por volta das 22h de quarta-feira (12). Camila trabalhou durante o dia como atendente de telemarketing e à noite foi para as aulas de técnica de enfermagem no Centro Educacional Edgar Santos, no Garcia. Ela voltava para casa, acompanhada de dois amigos, quando foi surpreendida pelo tiroteio.

Os três estudantes caminhavam pelo canteiro central e atravessaram a rua quando perceberam os disparos, correndo no sentido contrário ao da confusão. Camila foi atingida e caiu cerca de dez metros depois de ter começado a correr. A calçada ainda tinha marcas de sangue na manhã desta quinta-feira (13).

Com a ajuda de moradores, os amigos da jovem conseguiram parar um carro e prestar socorro, depois que um taxista se recusou a ajudar, mas a estudante chegou ao Hospital Geral do Estado (HGE) sem vida. Camila morava do outro lado da praça, a cerca de 400 metros de onde foi baleada. O tio da jovem, que pediu para não ser identificado, contou que a família está desolada. “Ela sempre foi uma menina esforçada e que gostava de estudar. Ela tinha o sonho de ser enfermeira e já estava terminando esse curso. Minha mãe, a avó dela, passou mal e precisou ser medicada. A família toda está muito abalada. A violência está demais, mas a gente tem até medo de falar porque corremos risco”, desabafou.

Outro tiroteio

Camila vivia com a mãe, uma irmã mais velha, um irmão adotivo e com a avó. Por volta das 10h desta quinta-feira, ou seja, 12h após o primeiro tiroteio, a reportagem flagrou outra situação na mesma praça. Desta vez, na entrada da Rua 13 de Outubro, onde a estudante morava. Dois homens armados encontraram uma viatura quando saiam da rua e houve troca de tiros.

Os bandidos conseguiram fugir deixando para trás um par de sandálias. Ninguém ficou ferido. Uma moradora assustada resolveu pegar a filha na escola e levar a menina para casa. Nessa mesma manhã, nas proximidades da praça, policiais do Garra avistaram uma dupla em uma moto com a placa dobrada e mandaram parar, mas os suspeitos não obedeceram e houve mais uma troca de tiros. Em nota, a PM disse que os bandidos escaparam.

“O garupa [a pessoa de carona na moto] sacou uma pistola e disparou contra os policiais militares, que revidaram. A dupla conseguiu fugir a pé e o veículo de duas rodas, modelo Honda, foi apreendido e apresentado na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), onde a ocorrência foi registrada”, diz a nota.

Insegurança

Moradores reclamaram da falta de segurança no bairro e do avanço da criminalidade. Faz menos de um mês que outro tiroteio na Praça Lord Cochrane deixou dois mortos e dois feridos. O crime aconteceu em 14 de junho. A Polícia Militar informou que quando as viaturas chegaram ao local já encontraram as quatro pessoas baleadas. Todos foram socorridos para o Hospital Geral do Estado, mas dois não resistiram. O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) investiga a autoria e a motivação dos crimes.

A vizinhança afirmou que está mudando a rotina com medo da violência, como evitar sair de casa à noite e manter as portas sempre trancadas. Uma faxineira de 40 anos que mora próximo à praça contou que ouviu os disparos que mataram Camila.

“Foram muitos tiros. Eu tinha resolvido sair para fumar, mas foi bem na hora da confusão, ainda bem que voltei a tempo. Não consegui ver o que estava acontecendo, mas ouvi muitos disparos. A violência está demais e a gente que é trabalhador que fica refém”.

Testemunhas contaram que os confrontos ficaram mais intensos nas últimas semanas e estão relacionados com a disputa entre duas facções pelo tráfico de drogas na região. Mesmo assim, a audácia dos criminosos surpreendeu porque o confronto ocorreu em uma das avenidas mais movimentadas da cidade.

Pela manhã, uma viatura ficou de plantão na praça e algumas pessoas saíram para caminhar, mas, segundo outro morador, o movimento estava fraco. “O tiroteio foi às 22h, mas fico pensando que se fosse mais cedo poderia ter sido bem pior, porque essa região é bastante movimentada com crianças jogando bola, pessoas caminhando, passeando com cachorro e andando de bicicleta”, disse.

A Praça Lord Cochrane deveria ser motivo de orgulho, porque faz uma homenagem a um dos heróis das lutas pela independência do Brasil na Bahia. Thomas Cochrane comandou a Batalha de 4 de maio de 1823, um combate naval ocorrido durante o bloqueio do porto de Salvador, onde brasileiros e portugueses se enfrentaram pelo comando da cidade.

Ele foi um oficial naval, político e membro da Marinha Britânica, além de 10º Conde de Dundonald e Marquês do Maranhão, por isso, o título de Lord. Porém, para os moradores o local tem sido motivo de muita vergonha.

Investigação

Na manhã desta quinta-feira (13), investigadores da 1ª Delegacia de Homicídios (DH/ Atlântico) estiveram no local do crime procurando por imagens . Câmeras de segurança filmaram o momento do tiroteio e a morte de Camila. Enquanto os agentes da PC checavam os postes, as casas e estabelecimentos comerciais para encontrar as cenas, do outro lado da rua policiais militares abordavam pessoas na Avenida Padre Domingos de Brito. A movimentação das três viaturas e seis motocicletas chamou a atenção da vizinhança. A PM informou que prendeu duas pessoas com drogas, que foram apresentados à Central de Flagrantes. Questionada, porém, a corporação não disse as substâncias encontradas.

A auxiliar de produção Érica Santiago, 31 anos, é esposa de Jeferson, um dos homens levados pelos policiais, e contou que o marido estava em casa quando o tiroteio aconteceu. O casal e os dois filhos, de 10 e 7 anos, ouviram os disparos e também ficaram assustados com os tiros.

“Eles [policiais] disseram que apreenderam drogas com meu marido. Eles estiveram mais cedo, abordaram e não encontraram nada, mas voltaram de novo. Jeferson é trabalhador. Ele trabalhava em uma empresa, no Rio Vermelho, e quando saiu de lá montou um lava-jato. Quando não tem trabalho, ele carrega material, ajuda um, faz um serviço para outro, ele é pai de família”, disse, indignada.

O outro detido foi identificado como Felipe e, segundo a vizinhança, também trabalha no lava-jato. Policiais militares da Rondesp Atlântico, do Grupamento Águia e da 41º Companhia Independente (CIPM/ Federação) intensificaram as rondas na região.

Na noite desta quinta-feira (13), a Policia Civil informou à reportagem que os dois detidos pela PM foram ouvidos e sem seguida liberados e que nenhum material ilícito foi encontrado.

Ocorrências

No mês passado, três ocorrências envolvendo tiroteios entre grupos rivais de traficantes ou entre suspeitos e guarnições da PM ocorreram no Parque São Brás, Rua Direta do Calabar e Alto das Pombas, todas localidades da Federação (leia ao lado).

As três situações resultaram em pelo menos um morto e duas pessoas feridas, segundo os registros da própria Polícia Militar.

Outros casos registrados na Federação:

28 de junho – Um homem morreu e outro ficou ferido durante uma tentativa de assalto que terminou em tiroteio na Rua Engenheiro Afonso Oliva, no Parque São Brás, na Federação. A polícia informou que eles tentaram roubar um carro e que foram surpreendidos por pessoas armadas que estavam na região.

16 de junho – Um homem foi baleado na Rua Direta do Cabalar, na Federação, durante uma troca de tiros entre bandidos. A vítima foi socorrida para o Hospital Geral do Estado (HGE), por meios próprios. Policiais militares chegaram ao local quando o confronto ainda estava ocorrendo e também participaram do tiroteio.

3 de junho – Moradores da comunidade do Alto das Pombas, na Federação, viveram uma madrugada de tensão durante um confronto intenso entre bandidos e policiais militares. Os PMs foram até o local depois de receberem uma denúncia de que havia homens armados na região. O tiroteio levou mais de 1h, mas ninguém ficou ferido.

Correio 24 horas

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