Não bastasse perder a líder da família de forma brutal, os familiares de Mãe Bernadete deixaram o Quilombo Pitanga dos Palmares por conta própria, em busca de segurança, no mesmo dia em que a quilombola foi assassinada – última quinta-feira (18). A informação foi confirmada pelo advogado da família, David Mendez, que não especificou quantas pessoas deixaram o município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, visando a proteção dos clientes.
“Os familiares ainda estão atordoados, tentando se recompor, porque também precisam vivenciar o luto. É como se a ficha fosse caindo aos poucos”, disse Mendez. O filho de Bernadete, Wellington Pacífico está cuidando da proteção do ponto de vista espiritual, enquanto o neto busca ser o suporte para a mãe e viúva de Binho do Quilombo, outro filho da líder quilombola, que foi executado da mesma forma em 2017.
Quando uma líder quilombola é executada dentro de casa, na presença dois netos, de 19 e 12 anos, com 20 tiros, uma hipótese é levantada pela maioria dos moradores da comunidade: quem fez isso queria deixar como exemplo, queria implantar medo na região. É o que aponta Mendez. “As pessoas pensam que se aconteceu uma tragédia com eles [família de Bernadete], que tinham uma relevância, eram conhecidos pelo governo, o que será da comunidade?”, disse Mendez, reproduzindo falas de quilombolas. O Correio tentou contato com moradores do local, que optaram por não falar, com medo de represálias.
No último sábado (19), os familiares recusaram a proposta de proteção cedida pela entidade responsável pela execução do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) na Bahia, a Organização da Sociedade Civil Ideas – Assessoria Popular. A família aceitou apenas uma escolta de segurança contínua (24h por dia), de responsabilidade da Polícia Militar do estado, por ordem do governador Jerônimo Rodrigues. Não há previsão sobre até quando os familiares serão escoltados. “Eu espero que não dure o tempo em que exista comoção popular e repercussão na imprensa”, disse Mendez.
Apresentada como uma medida de proteção “mais radical”, o recurso exigia o cumprimento de regras muito rigorosas, o que influenciou na recusa dos familiares. “Essa nova proteção consistiria na dissolução de todos os vínculos criados ao longo da vida. Era uma espécie de renascimento, em locais que seriam definidos pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e a ONG gestora”, disse Mendez, ressaltando que o estado e a ONG responsável não possuem credibilidade visto que não garantiram a segurança de Bernadete.
O quilombo onde a líder morava e foi assassinada tem sete câmeras de segurança, mas apenas três estão realmente funcionando. Questionada sobre o funcionamento dos equipamentos, a SJDH informou que “as câmeras estavam instaladas e foram recolhidas pela Polícia Civil para averiguação de imagens”.
Ainda conforme Mendez, o programa de segurança consistia em uma ronda diária de uma viatura da PM, uma vez ao dia, em horários indefinidos. “A equipe ia simplesmente até a sede da associação Muzanzu, fundada e presidida por dona Bernadete, perguntava se estava tudo ok e depois ia embora”
Investigação
Até o momento, são três as teses trabalhadas na investigação da morte de Mãe Bernadete: conflito por território, intolerância religiosa e disputa por tráfico de drogas, de acordo com o governador Jerônimo Rodrigues. Em coletiva do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na manhã desta segunda-feira (21), o petista afirmou que o destaque das investigações da Polícia Civil é a disputa entre facções criminosas. “A disputa de facções tem sido uma tese da Polícia Civil, uma da mais prementes que podem ter acontecido”, afirmou Jerônimo.
No entanto, o advogado da família de Bernadete afirmou que a principal linha de investigação da polícia é o conflito fundiário, vinculado à extração ilegal de madeira. “A ausência da demarcação do território quilombola fragiliza o assenhoramento do território e faz com que isso se torne terreno fértil para que invasores adentrem o local e comecem a agir no mercado imobiliário, comprando e vendendo terrenos”, pontuou Mendez.
Localizado em uma Área de Proteção Ambiental (APA), o Quilombo Pitanga dos Palmares é formado por cerca de 290 famílias e tem 854,2 hectares, reconhecidos em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Colônia Penal e crime organizado
De acordo com Mendez, o crime organizado passou a ser uma realidade do Quilombo Pitanga dos Palmares com a fundação da Colônia Penal de Simões Filho, desde a construção da unidade, em 2002. Inicialmente, o estado teria informado que o espaço do complexo penitenciário seria uma fábrica de sapatos – obra que movimentaria a economia local.
“O governo construiu um presídio contra a vontade da comunidade. A partir da instalação desta unidade penal, os problemas relacionados ao tráfico de drogas e às facções criminosas entraram na comunidade”, pontuou.
O Correio entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) e com a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), mas não havia respostas até o fechamento desta matéria.
Por Correio 24 Horas Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo
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