O Atakarejo deverá pagar R$ 20 milhões para ações de combate ao racismo como parte de um acordo judicial por conta de um caso que aconteceu em Salvador, em abril de 2021, quando um jovem negro de 19 anos e o tio foram mortos em um episódio com envolvimento de seguranças da empresa. Segundo a Defensoria Pública da Bahia, o acordo foi homologado na segunda-feira (18).
O acordo foi fruto de uma atuação coletiva e busca um reparo à sociedade, diz a Defensoria. Esse acordo não elimina outros processos contra a empresa, sejam na esfera criminal ou ações indenizatória das famílias da vítima, Yan Barros, 19, e Bruno Barros, 29. A própria Defensoria tem uma ação de indenização ajuizada em nome da família de Yan.
Participaram da discussão para chegar ao acordo, além da Defensoria, o Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União, Educafro, Centro Santo Dias de Direitos Humanos, Instituto da Mulher Negra e o Ministério Público da Bahia.
“Desde que tivemos conhecimento do ocorrido no Atakarejo, envidamos todos os esforços em busca da reparação dos danos causados, seja individualmente, seja coletivamente. Os assassinatos de Yan Barros e Bruno Barros ultrapassam as esferas individuais, importando no rebaixamento do patrimônio moral de toda a população negra e a Defensoria não poderia se furtar de atuar nesse caso”, disse a defensora Eva Rodrigues. "É um acordo histórico, construído com várias mãos”.
O acordo possui 42 cláusulas que devem ser cumpridas pelo Atakarejo, com intenção de coibir racismo individual e institucional na empresa, que terá obrigação de implementar medidas antirracistas.
A clásula que fala do pagamento de R$ 20 milhões sinaliza que o valor será pago em 36 parcelas ao Fundo de Promoção do Trabalho Decente (Funtrad), com o propósito preferencial de combater o racismo estrutural.
Outra medida determina que o Atakarejo ao contratar pessoal para segurança patrimonial, não deve optar por empresas que tenham no quadro de empregados “policiais civis ou militares da ativa ou que tenham sido expulsos de tais instituições; mantenha entre seus empregados pessoas com condenação transitada em julgado por crimes em que haja o emprego de violência física ou psíquica”, entre outros.
A empresa também deve manter um canal ativo de denúncias e seus trabalhadores não podem filmar abordagens, seja dentro ou fora das lojas. O Atakarejo deverá ter em seu quadro de funcionários uma proporção racial seguindo o censo do IBGE. Pessoas negras devem ter uma celeração na carreira. A empresa também deve ter um programa específico para estágio em várias áreas da empresa.
Ação individual
A Defensoria da Bahia também ajuizou uma ação na 9ª Vara Cível de Salvador contra o Atakarejo, pedindo indenização para a família de Yan. A instituição propôes um acordo para evitar mais desgaste para a família do jovem. Esse acordo foi negociado em abril e maio, mas ainda aguarda homologação.
Segundo a coordenadora Ariana Souza, o acordo celebrado para indenização financeira da família de Yan não interfere nos trâmites processuais da ação pública.
“A Ação Civil Pública visa a reparação coletiva por dano moral, social e coletivo causado à população baiana negra e consumidora. O acordo celebrado, por outro lado, tem caráter individual. Além disso, a denúncia criminal do Ministério Público segue os trâmites processuais normais”, explica a defensora pública.
Para a Defensoria, os acordos fechados até agora são um avanço, mas são pouco diante do impacto do crime. “Sei que é importante esse acordo, foi um trabalho árduo de várias instituições, unidas em muitos momentos para exigir o mínimo de reparação para uma situação gravíssima. Não em prol dos familiares nesse caso, já que foram duas atuações distintas, mas em favor de toda uma coletividade que sofre diariamente . Mas eu ainda acho muito pouco”, diz a defensora Lívia Almeida.
Execução
Foi o "tribunal do tráfico" que raptou, julgou e condenou à morte Bruno Barros e Yan Barros, tio e sobrinho, em 26 de abril de 2021. A conclusão foi tomada pelos investigadores da Polícia Civil. Bruno e Yan foram mortos após serem flagrados furtando carne no Atakarejo do Nordeste de Amaralina.
Em entrevista coletiva, a diretora do DHPP, delegada Andréa Ribeiro, e a presidente do inquérito, a delegada Zaira Pimentel, afirmaram que a grande dúvida é quem teria acionado os traficantes.
"A única coisa que temos claro é que a polícia não foi acionada para atender a denúncia de furto. Alguém teria entrado em contato com os traficantes, ainda não sabemos quem", afirmam as investigadoras.
A única ligação que a central de denúncias recebeu sobre o caso foi realizada duas horas depois do furto, feita por um cliente do mercado. Ou seja, mesmo diante de um crime, os funcionários do estabelecimento não solicitaram uma intervenção das autoridades policiais.
Após serem contactados, os traficantes teriam ido até o local para buscar Bruno e Yan, que foram levados até o Nordeste de Amaralina, onde foram executados. "Realizar assaltos e furtos na região sob o controle do tráfico não é algo tolerado pelas facções", apontam as investigadoras.
Ao total, 23 pessoas foram indiciadas pela polícia, mas o Ministério Público indiciou 13. 17 dos indiciados são suspeitos de terem ligação com o tráfico na região do Nordeste de Amaralina, onde fica o Atakarejo, local de onde as vítimas furtaram pedaços de carne para consumo próprio. Cinco funcionários do mercado foram considerados suspeitos de omissão e complacência no caso.
Durante as investigações, foi descoberto um novo caso envolvendo a morte de um adolescente que também teria sido morto após furtar produtos do Atakarejo. As investigações sobre esse caso ainda não foram concluídas.
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