Com a previsão de ser o dia mais quente da semana, o calor já deu as caras desde a manhã nesta quarta-feira. Enquanto os termômetros de rua estavam na casa dos 30 graus, nos ônibus, a situação era pior. A equipe do EXTRA usou um termômetro para constatar que, no banco do motorista, que fica sobre o motor do coletivo, a temperatura chegava aos 53 graus.
Ao lado do antigo terminal Padre Henrique Otte, no Santo Cristo, o motorista do coletivo preferiu não se identificar, mas não perdeu o bom humor, mesmo com os 53 graus. Quando um passageiro embarcou, ele brincou.
— O inferno é aí fora, aqui eu já estou todo dia, é até fresquinho — riu.
A linha que dirige faz o trajeto entre a Rodoviária Novo Rio, no Santo Cristo, e o Leblon, que pode levar até uma hora entre um ponto final e outro. Além de levantar a calça até os joelhos, com tanto suor, há ainda aqueles motoristas que preferem se vestir com uma camisa por baixo da blusa de botão, para que o pano não grude na pele.
Segundo alguns deles, até se acostumam com a insalubridade, já que "tem que levar o sustento para casa". Tem dias, no entanto, que a situação piora.
— No domingo (quando os termômetros chegaram aos 40,9 graus), eu trabalhei. Foi dia de praia, em três pontos já lotei e não cabia mais ninguém. Com o pessoal (aglomerado) ali na frente, piora bem o calor — conta outro motorista da linha, de 45 anos, com 19 deles dedicados à profissão.
De acordo com Guilherme Penna, clínico-geral e intensivista da Casa de Saúde São José, o organismo de cada pessoa tem mecanismos para trazer o corpo para níveis normais de temperatura, quando em ambientes muito quentes.
Quando as temperaturas passam de 38 graus, em um dia de 60% de umidade, os "riscos começam a aumentar de forma significativa", segundo o médico. A partir dos 33 graus, a recomendação já é de mudar de ambiente e o horário das atividades, além de pausas para hidratação; a partir dos 40 graus, a solução mais indicada seria evitar sair nos horários de pico de calor — situações impossíveis para quem passa o dia trabalhando a bordo de um ônibus.
— O motorista certamente é uma pessoa com um emprego que aumenta sua chance de ter um efeito nocivo em relação à saúde por conta do calor. Se você estivesse numa competição esportiva, em uma temperatura como essa, a solução seria cancelá-la — compara Guilherme, que pontua que motoristas com problemas de saúde devem ter o impacto agravado por problemas de saúde de cada um, além dos estresses do dia a dia.
Entre os riscos estão o aumento da frequência cardíaca, além da queda de pressão arterial, o que pode trazer a sensação de mal-estar. Outra percepção, segundo o médico, é a de que o rosto comece a ficar avermelhado, com sangue direcionado para a pele, para fazer mais troca de calor: isso diminui o fluxo sanguíneo para outros órgãos, como fígado e intestino, que são os mais prejudicados.
Com temperaturas acima dos 50 graus, enzimas podem parar de funcionar e o motorista pode sofrer até com problemas neurológicos.
— Diminuição da capacidade de reflexo e delírio (podem ocorrer), condições que especialmente para um motorista de ônibus pode ser catastrófico — completa Guilherme Penna.
Na Central, mais de 45 graus toda opção de refresco é válida
Dirigindo um veículo que não é equipado com ar-condicionado, outro motorista descreve a sensação rotineira de calor, fazendo o percurso entre a Central do Brasil e a Barra da Tijuca, na linha 309. Aos 46 anos, ele está na profissão há 20.
— Se estiver calor aqui fora, lá dentro é o dobro. Tem que vir com água de casa com gelo; e, (ao chegar) no ponto final, toma-lhe água no rosto e na cabeça, se não, não dá — descreveu ele enquanto descansa, entre uma viagem e outra, fora do coletivo. — Fico preocupado em como vai ser no verão. O calor descola o nosso sapato, é muito quente.
O termômetro chegou aos 46 graus sobre o seu assento, e o motorista ainda fez sua previsão:
— Isso porque lá fora ainda não tá 40 graus. Quando estiver, aqui dentro vai estar 80 graus.
Segundo Guilherme Penna, além de idosos e crianças, pessoas com fatores de risco são mais suscetíveis aos danos do calor. Pacientes com enfisema pulmonar, diabéticos, asmáticos, pessoas com insuficiência renal e quem faz uso de anti-depressivos e anti-hipertensivos também devem ficar atentos às altas temperaturas. Atitudes que podem ajudar a amenizar o calor são bem-vindas, inclusive as citadas pelos motoristas.
- Fazer pausas para hidratação
- Durante as pausas — que podem ser nos pontos finais — ficar em uma sombra
- Usar roupas leves
- Dobrar a calça, para aumentar a área de troca de calor, também é válido
Entre os passageiros, principalmente os englobados pelos fatores de risco, até evitar andar nesses ônibus no horário de calor é indicado, se a realidade da pessoa permitir.
Ônibus com ar, mas com 33 graus dentro dele: 'Sauna'
Na prática, até os veículos que informam ter ar condicionado instalado, circulam com o aparelho sem funcionar, ou com algum problema. A rotina dentro desses veículos não é fácil.
— Moro em Costa Barros e o pioro nibus é o 298. Além do ar condicionado que não está funcionando, ainda tem as baratas e os bancos rasgados — conta a servidora pública Natália Justino, de 40 anos.
Nossa equipe embarcou em um veículo da linha, que faz o trajeto entre Acari e o Castelo, no Centro. Mesmo com ar instalado, a sensação, segundo a administradora Helena Ferreira, de 52 anos, é de um calor extremo. Ela é de Aracaju e está passando férias no Rio.
— Muito calor, mais de que no Nordeste. É uma sauna — conta a turista, enquanto o suor escorria no seu percurso até o Mercadão De Madureira, para onde estava a caminho, para fazer compras.
Já a cabeleireira Layara Lopes, de 24 anos, que usa a linha com frequência, é sempre assim.
— Sem nenhum ar funcionando, sem janela (para abrir), estou derretendo e passando mal — desabafou a jovem. Ao saber que, dentro do ônibus, o termômetro variava entre 33ºC e 34ºC, ela riu:
— Aqui está 50 graus.
Para ventilar, os passageiros contam que abrem as saídas de emergência do teto.
O mecânico de ar condicionado Marcelo Santana, de 55 anos, saiu do Estácio para São Cristóvão, onde iria ao médico. À espera de seu ônibus, ele apontou o que os aparelhos funcionam mal "porque os filtros estão sujos", por falta de manutenção.
Já o agente de regulação Carlos Nonato, de 51 anos, saía de um plantão em um hospital na Gávea rumo à Vila Kennedy, na Zona Oeste. Sua primeira viagem foi a bordo de um ônibus da linha 110, para então fazer integração para a comunidade, e, segundo ele, a sensação é de que o calor reflete no comportamento das pessoas.
— Todo mundo fica mal-humorado, do passageiro ao motorista, e vira uma bola de neve.
Reclamações em alta
A central 1746, da prefeitura, está com alta de reclamações quanto ao ar condicionado dos ônibus. Desde novembro de 2022, um canal foi inaugurado para o cidadão registrar reclamações sobre o ar condicionado dos coletivos.
Os meses com maior reclamação foram no início deste ano, quando a prefeitura divulgou a campanha "Tá sem ar? Não vou pagar", em que compartilhava o "cancelamento do pagamento de subsídio diário aos ônibus municipais que circularem com o ar-condicionado quebrado ou desligado". O mês de setembro, no entanto, voltou a apresentar alta, superando os quatro meses anteriores.
- Janeiro - 20.919
- Fevereiro - 13.745
- Março - 7.418
- Abril - 2.289
- Maio - 1.342
- Junho - 869
- Julho - 748
- Agosto - 937
- Setembro - 1.393
A prefeitura reforça, no entanto, que há uma decisão judicial que impede o município de suspender os subsídios por falta de ar condicionado. "A Procuradoria do Município já recorreu e aguarda análise do recurso."
Já o Sindicato dos Rodoviários, através do presidente Sebastião José, define como "covardia" a rotina de calor a bordo dos veículos.
— Se o passageiro que já paga uma passagem cara e reclama, com toda razão, de ser transportado em um coletivo sem ar condicionado durante uma ou duas horas, imaginem o motorista, que, por vezes, chega a ficar 12 horas dirigindo ao lado do motor e ainda tendo que cobrar a passagem, o que já causou agressões por parte de passageiros — pontua Sebastião, que cita ainda casos de motoristas que não conseguem seguir viagem. — Já tivemos casos do profissional ter que parar o veículo para se reidratar durante a viagem devido ao alto calor dentro do ônibus, uma verdadeira covardia.
Extra
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