No final da prova, o relógio marcava o tempo de duas horas, 24 minutos e 54 segundos. Mas o tempo que o vencedor da Maratona Salvador, Cícero Evandro, levou para cruzar a linha de chegada foi de quase dois dias. A prova aconteceu neste domingo (24), mas, para ele, a correria começou na sexta-feira, no início da viagem. Isso, sem falar que teve outros obstáculos, como perder um ônibus por atraso e ainda ter que trocar o pneu de sua moto às pressas para chegar à rodoviária de sua cidade.
Cícero, que tem 25 anos, jamais havia vencido uma maratona e não havia participado nem sequer de dez dessas corridas. E ele está longe de ser um profissional: em sua terra, Juazeiro do Norte, no Ceará, é operário de uma fábrica de cajuína, bebida muito popular no interior do Nordeste. Um outro detalhe torna a saga do vencedor ainda mais curiosa: a São Geraldo, que o emprega, é também sua patrocinadora.
No trabalho, Cícero recebe R$ 1,6 mil por mês e o prêmio da corrida, R$ 25 mil, equivale a cerca de 15 salários dele. Com o dinheiro, ele já tem planos: terminar de construir a casa da família, formada por ele, a esposa e duas filhas. E, claro, como bom operário que é, ele mesmo está levantando a casa, com a ajuda de amigos.
O leitor mais atento deve ter percebido que Cícero não tem esse nome à toa: afinal, ele nasceu na terra do Padre Cícero. E, embora pareça clichê, não é exagero dizer que o religioso operou um pequeno milagre em favor de seu xará. Afinal, a conturbada viagem de Cícero a Salvador tinha tudo pra dar errado, apesar da vitória.
Estava tudo ajeitado e o atleta, na sexta-feira, saiu do trabalho ao meio-dia, de moto, e foi para casa buscar a esposa e a filha de dois anos para a viagem. Chegando em casa, a primeira surpresa: a moto estava com o pneu furado. Correria total, troca o pneu, e ruma para a rodoviária.
Agora, era finalmente só pegar o ônibus. Que ônibus?! Por causa de uns cinco minutos de atraso, Cícero não chegou a tempo e viu o ônibus partir sem ele. Agora, só restaria uma chance: subir na moto e correr até a rodoviária do Crato, a 13 quilômetros. E foi isso que fez. Aliviado, Cícero viu seu ônibus e finalmente sentou em sua cadeira.
Mas a viagem ainda era longa: até Petrolina, eram seis horas, para, só depois, pegar o ônibus que o traria para Salvador. Em Petrolina, tudo estava bem até que o veículo deu uma pane mecânica. Pane resolvida, agora seriam mais umas doze horas de viagem até o destino final. Mas atleta para ter bom desempenho precisa estar descansado, né?
E você acha que Cícero conseguiu dormir? "Só dei uns cochilos no ônibus", diz o operário-corredor. Mas finalmente chegou a Salvador, no sábado, depois de quase 18 horas de viagem. Cansado, claro! Mas o cansaço não foi o suficiente para impedi-lo de vencer uma maratona pela primeira vez na carreira, aos 25 anos.
Feminino
Se por um lado, Cícero é uma revelação entre os homens, entre as mulheres, não houve surpresa: Marily dos Santos venceu o percurso de 42 km pela terceira vez em quatro participações. No único ano que não venceu, ficou em segundo lugar.
Marily precisou de duas horas, 50 minutos e 55 segundos para se consagrar. "Só faço uma maratona por ano e normalmente é a de Salvador, que eu mais gosto. Fiz também a de João Pessoa, que também venci, no mês passado". A veterana nem pensa em parar de correr: "As menininhas ainda vão se ver comigo", diz, bem-humorada a atleta.
A maratona
A Maratona Salvador reuniu cerca de oito mil participantes neste ano, na orla da Boca do Rio. O número representa quase o dobro do registrado em 2022. O presidente da Empresa Salvador Turismo (Saltur), Isaac Edington, revelou que a próxima edição será em 22 de setembro de 2024 e as inscrições serão abertas a partir desta segunda-feira (25).
“É uma oportunidade que a gente vai dar para que os atletas se planejem. A Maratona Salvador 2024 ocorrerá em 22 de setembro. Certamente, no próximo ano, devemos ter uma competição com mais de 10 mil participantes”, estimou Edington. O gestor acrescentou que a prova foi criada dentro do conceito de fortalecer o turismo esportivo na capital baiana, sobretudo numa cidade que tem a economia criativa como base de sua matriz econômica.
A Maratona Salvador é certificada pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) e está inserida no calendário nacional de corrida de rua do país, ou seja, ela também agrega em pontuação para atletas de alta performance. Competidores de 300 cidades de todos os estados do país se inscreveram na competição promovida pela Prefeitura na capital baiana.
Atletas na categoria PCD também marcaram presença. Thomas de Oliveira Santos, 35, cadeirante se inscreveu pela primeira vez no percurso de 21 km. “A ansiedade e expectativa para este momento eram grandes. Já vinha fazendo trechos menores, como 5 km e 10 km, mas ir para meia-maratona foi como me desafiar”, afirmou.
Correio
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