Auditor vê rombo de R$ 865 mi e sugere ao TCU veto a privilégio de 10 folgas/mês a juízes

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A área técnica do Tribunal de Contas da União sugeriu que a Corte determine à Justiça Federal que suspenda a concessão ou indenização das ‘licenças compensatórias’ – penduricalho que abriu brecha para que magistrados que acumulam ‘funções administrativas e processuais extraordinárias’ tirem uma folga a cada três dias trabalhados (no limite de até dez folgas por mês).

A proposta é para que a ordem de abstenção vigore até o TCU avaliar se há irregularidades no benefício. A unidade técnica vê ‘possíveis ilegalidades’.

O auditor Tácito Florentino Rodrigues, da Unidade de Auditoria Especializada em Pessoal do TCU, argumenta que a medida é urgente, considerando não só indícios de que a instituição do benefício configura burla ao teto do funcionalismo público. Ele também alertou para o eventual rombo que a medida poderá acarretar.

“A cada mês podem estar sendo pagos indevidamente, ou reconhecidos como despesas futuras, o equivalente, em média, a R$ 11.903,48 para cada magistrado. Valor que representaria um gasto anual superior a R$ 865 milhões”, pontuou em parecer assinado no dia 1º.

O documento foi apresentado no bojo de uma representação para que a Corte de Contas apurasse possíveis pagamentos irregulares no âmbito Conselho da Justiça Federal (CJF), Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Órgãos do Poder Judiciário da União a título de gratificação por exercício e a acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias.

O centro do questionamento ao TCU é a Resolução do CJF, do dia 8 de novembro, que criou a ‘licença compensatória’, possibilitando que os juízes folguem um dia para cada três trabalhados – com um limite máximo de dez folgas ao mês -, com a possibilidade, inclusive de os magistrados serem indenizados pelas folgas não tiradas.

A própria Corte de Cortas importou a resolução, mas o benefício não entrou em vigor para os ministros do TCU, por decisão do presidente Bruno Dantas. Ele suspendeu os pagamentos, a pedido do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, até o plenário do tribunal deliberar sobre o assunto.

Na prática, o parecer da área técnica do tribunal vai de encontro com tal recente movimentação da Corte. Assim, caberá à mesma decidir sobre a resolução que justificou o aumento de seus próprios ministros.

Antes de o documento ser analisado pelos ministros do Tribunal, a Secretaria-Geral de Controle Externo – à qual a Unidade de Auditoria em Pessoal é vinculada – vai emitir mais um parecer sobre o caso. Depois, o Ministério Público que atua junto à Corte de Contas também deverá se manifestar.

A área técnica do TCU sustenta que a Corte deve apurar o caso sob o argumento de que os fatos ‘podem ser considerados de alto risco, vez que as irregularidades apresentadas envolvem pagamentos expressivos a magistrados do Poder Judiciário da União sem possível respaldo legal’.

A avaliação é a de que os pagamentos a título da acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias, assim como a possibilidade de indenizações de licenças compensatórias, ‘podem alcançar anualmente até quatro vezes o valor do subsídio de cada magistrado, além das remunerações regularmente previstas em lei’.

“Ao ano, as irregularidades podem representar um dano ao erário de mais de R$ 865 milhões, uma vez que a mencionada prática pode abranger a quase totalidade da magistratura ativa remunerada pela União”, ponderou a área técnica do TCU.

Para chegar à estimativa, o auditor levou em conta o subsídio dos magistrados federais, R$ 35.710,45, e o atual número de membros ativos da instituição, 6.057. Também considerou que a Resolução que instituiu o penduricalho ‘considera diversos afastamentos do magistrado de suas funções como fato gerador da vantagem, inclusive as férias anuais de sessenta dias’.

O documento alerta que, conforme o texto do Conselho da Justiça Federal, diversas atribuições ordinárias e regulares desempenhadas por magistrados foram consideradas passíveis de recebimento da gratificação.

Nessa linha, ele ressalta: “dificilmente teremos atividades da magistratura que não se enquadrem nos conceitos de ‘exercício e a acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias’. O grau de abrangência da norma fica evidente”.

Como exemplo, o auditor Tacito Florentino Rodrigues explicou que o juiz que estiver de licença para exercer a presidência de associação de classe, às expensas da União, poderá reconhecer até 120 dias de licenças compensatórias e ser indenizado em até quatro subsídios (R$ 142 mil).

‘Venda’ de folgas

A área técnica do TCU ainda sustentou que ‘não precisa esforço’ para se perceber ‘violações e ofensas aos princípios da razoabilidade, legalidade, moralidade e legitimidade’ na possibilidade de indenização pelos dias não folgados.

“A cada três meses de trabalho (90 dias) poderá ser reconhecido um mês de licença compensatória (30 dias), ou seja, em um ano (360 dias) até 4 meses (120 dias) de licença compensatória, isto é, que pode ser convertida em remuneração. Trata-se de um benefício peculiar e totalmente desproporcional”, ressalta o parecer.

A conclusão de Rodrigues é a de que o reconhecimento de licenças compensatórias e sua possiblidade de conversão em pecúnia, como instituída, configura burla ao teto constitucional.

“Sabe-se que as gratificações em questão têm natureza remuneratória e se sujeitam ao teto constitucional. Dessa forma, quando somada ao subsídio dos magistrados, uma grande parcela da vantagem é retida a título de “abate teto”. Em diversas situações o acréscimo remuneratório efetivo é muito pequeno ou sequer há”, explicou.

” Assim, o artifício de reconhecer “licença compensatória” visa, nada mais, a garantir o pagamento integral da gratificação, contornando uma regra constitucional. No caso da Resolução CJF 847/2023 as contas até fecham: a gratificação corresponde a 1/3 do subsídio e a possibilidade de indenização de até 10 dias por mês é equivalente a 1/3 do subsídio”, completou.

Narrativa artificiosa

Para o auditor Tacito Florentino Rodrigues, a resolução questionada ‘cria vantagem não prevista em lei’. Ele rechaçou o argumento, levantado pelos juízes, de que a criação do benefício se daria para equiparação com penduricalho do Ministério Público da União. Ponderou que tal pagamento deveria estar previsto em norma específica apreciada e aprovada pelo Legislativo, com análise de impacto orçamentário-financeiro.

“A suposta assimetria aventada (e o reconhecimento de dias de compensação) é uma narrativa jurídica frágil e artificiosa, ante a ausência de coerência sistêmica, para generalizar, além das remunerações legais, o pagamento correspondente de até 1/3 (um terço) do subsídio dos magistrados onde é que eles estejam exercendo suas atividades, sejam finalísticas ou administrativas, regulares ou extraordinárias”, ressaltou.

Pepita Ortega/Estadão

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