Brasil avalia entrar em cartel do petróleo em meio à conferência do clima

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Enquanto a discussão de quando será o fim do uso de combustíveis fósseis está no centro da COP28, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, em Dubai, o Brasil sinaliza que pretende aceitar convite para entrar na Opep+, que reúne os integrantes da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e produtores aliados.

Nesta quinta-feira (30), primeiro dia da COP28, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o Brasil deseja integrar a entidade. “Esperamos nos juntar a este distinto grupo e trabalhar com todos os 23 países nos próximos meses e anos”, disse, em encontro com membros da Opep+.

Na reunião, ele contou ainda que o presidente Lula “confirmou nossa carta de cooperação” com o grupo a partir de janeiro de 2024. Procurado, o Palácio do Planalto informou em nota que o convite, feito durante visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Arábia Saudita, é para “membro observador” e que os demais detalhes estão sendo analisados.

Na reunião desta quinta, a Opep+, que funciona como um cartel, decidiu promover uma política de cortes voluntários na produção de petróleo de seus membros, que resultarão em uma redução de quase 2 milhões de barris de petróleo por dia a partir de 2024.

Os cortes de produção promovidos pela Opep+ costumam elevar os preços do petróleo no mercado global, e as nações se beneficiam de cotações mais altas.

O Brasil é hoje o oitavo no mundo na produção de petróleo. Em março, Silveira anunciou planos para escalar a produção nacional e tornar o Brasil o quarto maior produtor global. A região conhecida como margem equatorial, no litoral norte do país, é a nova fronteira de exploração almejada pela Petrobras.

Para conter o aquecimento do planeta em 1,5°C, meta do Acordo de Paris para evitar eventos climáticos mais extremos e mais frequentes, a AIE (Agência Internacional de Energia) afirma que novos projetos de petróleo e gás não devem ser levados adiante. Atualmente, a temperatura média do planeta já é 1,2°C mais elevada do que no período pré-industrial.

Especialistas ouvidos pela reportagem criticam a intenção brasileira de adesão à Opep+, que se contrapõe à imagem de liderança ambiental que o presidente Lula (PT) coloca em discursos internacionais.

“O Brasil na diplomacia tem afirmado querer ser ou ser o ‘paladino do 1,5°C’. Ou seja, trabalhar com cenários mais ambiciosos, mas também mais seguros de contenção do aquecimento global”, afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.

Unterstell frisa que o cenário de 1,5°C não comporta os planos de produção petrolífera colocadas por empresas e por países detentores de reservas de combustíveis fósseis —entre eles, o Brasil— e que este convite em meio à COP28 se torna “constrangedor” para o governo Lula.

“O Brasil se tornar membro da Opep+ seria um tanto anacrônico nesta década ou nas anteriores. Agora confirmar essa intenção de se tornar membro durante uma COP —e, no caso durante a COP, que tem combustíveis fósseis no centro das negociações— é no mínimo inoportuno”, diz.

Esta não é a primeira vez que o Brasil é convidado a entrar no grupo: a última vez foi em 2019, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou convite feito pela Arábia Saudita, mas o processo não andou.

CONTRADIÇÃO

Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, relembra que o Brasil chega com bons resultados para apresentar na COP28 no quesito desmatamento da amazônia, que, em linhas gerais, é a principal fonte brasileira de emissões de gases-estufa. Porém, isso não é suficiente.

“O Brasil quer ser uma liderança climática global. Qualquer liderança global climática precisa ter um posicionamento firme e forte sobre eliminação dos combustíveis fósseis”, afirma.

“Qualquer declaração desse tipo, de entrar na Opep+, vai na linha contrária do que se espera de um país comprometido com a descarbonização”.

O interesse do atual governo em intensificar a exploração de petróleo, apesar da crise climática, já foi explicitado em falas de Lula. Sobre a pesquisa na bacia Foz do Amazonas, solicitada pela Petrobras, o presidente já disse que gostaria de “continuar sonhando” com ela, a despeito de negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Para Juliano Bueno de Araujo, diretor técnico do Observatório do Petróleo e Gás e do Instituto Internacional Arayara, o Brasil e o presidente Lula agem com dubiedade na questão ambiental e climática.

“Uma hora, coloca a proteção ambiental no centro político exterior de seu governo e, ao mesmo tempo, acelera a exploração fóssil”, diz Araujo.

Camila Jardim, porta-voz do Greenpeace Brasil, também afirma que “aproveitar sua passagem pela COP28 para ingressar na Opep+ seria um movimento equivocado” para Lula. “Esperamos que Lula lidere pelo exemplo ao invés de se aliar ao lado petroleiro da força.”

Secretário do MME (Ministério de Minas e Energia) durante o governo Michel Temer e presidente da ABPIP (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás), Márcio Félix pondera que é preciso olhar um convite do gênero por dois ângulos.

“O Brasil é grande nesse setor, tem produção crescente, se tornou um super exportador. E veja bem, não tem só a Petrobras. Empresas gigantes do mundo estão aqui”, diz. “A Opep+ observa isso, e nesse aspecto é uma demonstração da importância que o Brasil assumiu no contexto global.”

Ele lembra, porém, que as determinações de cortes de produção e a fixação de cotas para seus membros podem ser entraves para o Brasil.

“A ideia de limitar a produção do Brasil é algo inimaginável, que teria repercussões sobre bolsas de valores e a confiança em relação ao país”, afirma. “É preciso ver qual seria o papel do Brasil, como seria o seu termo de adesão. Se seria apenas um observador, mas o quanto poderia observar?”

RUMOS ECONÔMICOS

Um dos argumentos favoráveis à adesão do Brasil é a possibilidade de acompanhar de perto reuniões que decidem os rumos do mercado. Uma fonte na Petrobras disse que antecipar esses movimentos seria estratégico.

Já o professor do Instituto de Energia da PUC-Rio David Zilberstein, que foi diretor-geral da ANP (Agência Nacional de Petróleo), diz não haver razões para um país de economia aberta aderir à Opep+.

“Não vejo utilidade para o Brasil se submeter a disciplina de um cartel. Não teria nenhuma vantagem e não seria um membro relevante”, afirma.

Zilberstein também lembra que o Brasil tem uma dinâmica econômica e política muito diferente da adotada por integrantes tanto da Opep quanto da Opep+.

Às vésperas da COP28, a força da indústria dos combustíveis fósseis no Brasil também se mostrou no Congresso. O texto que trata do marco regulatório das eólicas em alto-mar, aprovado na Câmara na terça-feira (29), foi desfigurado, incluindo a obrigatoriedade de contratação de usinas térmicas a carvão, fonte de energia extremamente poluente.

Araujo critica o passivo ambiental criado pela contratação de térmicas a carvão e critica o fato de a conta desses contratos recair sobre os consumidores de todo o país.

“Lembrando que tanto o RS [Rio Grande do Sul] como SC [Santa Catarina] foram os estados mais atingidos por fortes enchentes que trouxeram bilhões em prejuízos. E isso não vai parar”, diz o especialista. O Sul tem concentração de termelétricas que terão operação prorrogada.

Segundo o texto aprovado, a operação das térmicas vai ser prorrogada de 2029 a 2050, e a energia será contratada pela EMBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).

Phillippe Watanabe/Alexa Salomão/Nicola Pamplona/Folhapress

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