Lula criticou emendas sob Bolsonaro, mas manteve divisão política e obscura


 

O presidente Lula (PT) prometia rever o modelo de negociação política de emendas com o Congresso. Mas, sem uma base parlamentar sólida, o petista cedeu ainda na fase de transição às reivindicações dos cardeais da Câmara e do Senado.

O dinheiro que Lula recuperou após o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubar a principal moeda de troca do governo de Jair Bolsonaro (PL), as emendas de relator, continuou sendo usado para atender a pleitos de congressistas. E a lista dos deputados e senadores beneficiados ficou ainda mais obscura.

Uma das evidências mais claras de que o Congresso tinha uma cota dentro do orçamento de ministérios foi revelada pela Folha em junho. O centrão se irritou ao saber que o governo usou parte dessa verba para destinar dinheiro a bases eleitorais dos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro, e das Cidades, Jader Filho.

O Palácio do Planalto chegou a mandar os ministros desfazerem os repasses. A ameaça não se concretizou, mas ministros tiveram de distribuir mais verba ao centrão para acalmar lideranças do Congresso.

Além disso, o dinheiro usado pelos parlamentares como emenda continuou a ser dividido por critérios políticos. Lula herdou quase R$ 10 bilhões do acordo de emendas de relator. O montante foi repartido em sete ministérios, incluindo Agricultura e Cidades.

Os casos de uso político da verba se espalharam. No Ministério da Saúde, que ficou com a maior quantia, Alagoas foi um dos estados privilegiados. Os repasses atenderam principalmente a pedidos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões, e do senador Renan Calheiros (MDB).

O centrão chegou a pressionar as pastas que demoravam a destravar os recursos. E os ministros então abriram os cofres e direcionaram os valores para redutos de parlamentares mais poderosos.

Até o Desenvolvimento Social, um dos ministérios mais importantes para Lula, sofreu influência de congressistas. A Paraíba figurou entre os estados mais beneficiados, como Patos, cidade cujo prefeito é pai de Hugo Motta, líder do Republicanos na Câmara e aliado do líder da União Brasil no Senado, Efraim Filho.

No caso do Esporte, outro exemplo é o convênio para construção de um novo estádio em Peritoró (MA), reduto de André Fufuca, ministro da pasta e que antes ocupava a liderança do PP na Câmara.

Procurada, a SRI (Secretaria de Relações Institucionais), que cuida da articulação política do Planalto, disse que esses recursos não são emendas parlamentares. Diz que cada ministério teve que publicar regras para uso do dinheiro, recebe propostas de projetos a serem financiados e analisa as sugestões com critérios técnicos, num processo público.

Além disso, o governo diz que tem adotado medidas para tornar as emendas parlamentares mais transparentes.

Apesar de o centrão ter sido privilegiado na divisão do dinheiro que ficou nos ministérios, o modelo de negociação de emendas no primeiro ano do governo Lula não agradou à cúpula do Congresso, que exerce influência sobre uma massa de deputados e senadores por causa do poder que tem no rateio da verba do Orçamento.

A articulação política do Palácio do Planalto quis ampliar a participação do governo federal no processo de repasse do dinheiro para os municípios. Por isso, parte das cotas dos parlamentares ficou nas mãos de ministros, sem serem oficialmente chamadas de emendas.

O resultado foi um arranjo ainda menos transparente do que na gestão Bolsonaro na época das emendas de relator, na avaliação de Marco Antônio Teixeira, coordenador do Mestrado em Gestão e Políticas Públicas da FGV.

“O Parlamento tem culpa nisso. Na prática, o presidente da República está tomando esse caminho porque, se ele não fizer, o Congresso não agenda os temas de interesse do governo. Lula usou muito esse debate da transparência na campanha para dizer que faria diferente, mas a racionalidade da política está levando para outro caminho. Então ele vive um paradoxo”, disse.

Teixeira lembra que Lula foi responsável por avanços na área de divulgação de informações públicas, como a criação do Portal da Transparência, mas o contexto político agora é outro.

Durante a campanha de 2022, Lula chamou as emendas de relator de o “maior esquema de corrupção da atualidade”, “orçamento secreto” e “bolsolão”.

Em 2022, o Congresso passou a divulgar os autores dos pedidos por verba, ainda que houvesse uma brecha para esconder o padrinho político (deputado ou senador) em alguns casos.

O modelo atual, porém, é mais opaco, pois não há nem sequer informações sobre quem pediu a verba. Essa também é a avaliação que Lira faz em conversas reservadas com aliados, inclusive em tom de reprovação em relação à decisão do STF.

Um dos principais destinos de emendas parlamentares, e das críticas por mau uso de recursos públicos, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) deve repetir sob Lula a entrega de verbas para maquinário e obras de pavimentação indicadas pelo centrão.

O orçamento da companhia foi turbinado durante o ano, alcançando cerca de R$ 3,4 bilhões, patamar similar ao dos anos de Bolsonaro. A estatal já publicou editais para licitação de máquinas e asfalto em diversos estados, no modelo revelado pela Folha e usado em obras superfaturadas e com desvios.

No Maranhão, que abriga 1 das 16 superintendências da Codevasf, a estatal deve selecionar neste mês empresas para obras de pavimentação de até R$ 200 milhões.

O estado é foco de suspeitas da Polícia Federal justamente sobre desvios da verba das emendas direcionadas à Codevasf. Um dos investigados é o atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), por fraudes que teriam sido cometidas antes de ele assumir o cargo. Ele nega irregularidades.

Para 2024, o Congresso tenta impor a Lula um sistema diferente para as emendas parlamentares. O valor é de cerca de R$ 53 bilhões, o que será um recorde. E a parte mais sujeita a critérios políticos deve ser dividida como emenda de comissão, que vai somar mais de R$ 16 bilhões.

O relator da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), Danilo Forte (União-CE), foi quem operacionalizou esse aumento das emendas de comissão. Ele rejeita a ideia de que o projeto deveria ter dispositivos para ampliar a transparência desses repasses.

“Cada comissão tem um objeto muito claro. Então, se são medidas votadas e apresentadas pelas comissões, elas têm a possibilidade de fazer o encaminhamento. E quem assume a responsabilidade é o presidente da comissão”, disse.

A SRI de Lula afirma que recebe os pedidos feitos pelos presidentes de cada comissão e que a execução das emendas atende às regras em vigor, de acordo com as indicações feitas pelo Congresso.

Thiago Resende e Mateus Vargas/Folhapress

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