O comando da bancada evangélica no Congresso Nacional irá voltar no início de fevereiro para as mãos do grupo de parlamentares abertamente opositores a Lula (PT), a maior parte deles integrante do PL de Jair Bolsonaro, o que tende a complicar as recentes negociações entre governo e religiosos sobre isenções tributárias.
Deixa a coordenação do grupo o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), que chefiou a reunião da semana passada com o ministro Fernando Haddad (Fazenda) para tentar contornar a nova crise entre governo e evangélicos.
No dia 17, a Receita Federal suspendeu ato que ampliava a isenção tributária a pastores, medida que havia sido editada pela gestão Bolsonaro em 2022, um mês antes do início da campanha eleitoral.
A bancada evangélica reagiu e, dois dias depois, o atual comando se reuniu com Haddad. O ministro aceitou avaliar a revisão da suspensão e anunciou a montagem de um grupo de trabalho entre Receita, AGU (Advocacia -Geral da União), TCU (Tribunal de Contas da União) e parlamentares evangélicos.
A troca de comando na Frente Parlamentar Evangélica ocorre devido a um acordo de revezamento feito na atribulada eleição ocorrida no início de 2023 e que teve por objetivo apaziguar a disputa que opunha a ala mais bolsonarista e opositora a Lula e o grupo que tem maior inclinação de aproximação com o governo.
Pelo acerto, em 2023 e 2024 o comando da bancada seria exercido por Eli Borges nos primeiros semestres de cada ano e, no segundo, a função seria de Silas Câmara.
“Quem propôs grupo de trabalho foi o governo. Acho que o diálogo é sempre a melhor forma de solução para os desafios, mas nos próximos 180 dias a palavra final é do deputado Eli Borges. Somos 138 deputados e deputadas, com 17 senadores e senadoras, unidos em defesa do nosso segmento. É natural que alguns pensem diferente e que vejam soluções de forma diferente, mas no final o objetivo é o mesmo, proteger nossas liberdades é direitos”, afirmou Silas Câmara.
A Folha não conseguiu falar nesta terça-feira (23) com Eli Borges.
Na semana passada, o grupo próximo a ele afirmou que a reunião entre Haddad e os parlamentares evangélicos não era um encontro oficial da frente, já que a diretoria não teria sido consultada por Silas.
Além do atual presidente da bancada, participaram da reunião com o ministro os deputados Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), David Soares (União Brasil-SP) e Marcos Soares (União Brasil-RJ) —os dois últimos são filhos do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Na saída, Crivella chegou a dizer não ver perseguição a evangélicos por parte de Lula, contrariando afirmações feitas pela outra ala.
“Se houve reunião da liderança da frente parlamentar evangélica que tornou alguns parlamentares evangélicos porta-vozes do governo Lula, que não respeita os evangélicos nem o que cremos, creio que a diretoria não foi comunicada e nem nós membros da frente não fomos informados”, disse o deputado Pastor Marco Feliciano (PL-SP).
Ele ressaltou ter se sentido constrangido ao ler reportagem “onde Crivella afirma não haver perseguição”. “A perseguição a nós evangélicos já não é mais velada. Eu disse e reafirmo: estamos sendo perseguidos, não quero acreditar que haja na frente evangélica raiz membros evangélicos raiz que sejam governistas-lulistas, isto seria um ultraje.”
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), também integrante do setor mais oposicionista a Lula, elogiou o trabalho de Silas Câmara e de Eli Borges. “São 2 líderes de diferentes caraterísticas políticas, mas nos nossos valores ambos são incansáveis lutadores de todas as nossas causas.”
Ele porém reafirmou entender que, por ora, a frente não participa oficialmente de nenhuma negociação com o governo.
“O grupo [que foi ao encontro de Haddad] não foi da FPE, não houve deliberação sobre esse assunto. Entendo que foi a participação individual de alguns parlamentares, logo, nada muda. A FPE, oficialmente, não participa até o presente momento de nenhum grupo de trabalho com o atual governo”, afirmou.
Na semana passada, o parlamentar disse que seria contra integrar reunião com o governo, caso fosse convidado. Ele afirma agora, entretanto, que se o Palácio do Planalto solicitar isso da nova direção da frente, a decisão deve ser tomada por seus integrantes.
“Eu não respondo por toda bancada, mas se depender de mim, enquanto o governo e a Receita não desfizerem a fake news que eles colocaram na imprensa nos jamais deveríamos participar de nenhum grupo de trabalho.”
Sóstenes afirma não ter havido isenção maior a pastores com o ato editado na gestão Bolsonaro.
A Receita, porém, disse ao TCU que os valores dos lançamentos tendo alvo pessoas físicas com a ocupação principal “Sacerdotes e Membros de Ordens e Seitas Religiosas” somam R$ 293,8 milhões, a maioria com a exigibilidade suspensa (ou seja, o órgão não pode efetivar a cobrança).
O relatório não esclarece se esse valor representa todo o prejuízo potencial do ato do governo Bolsonaro. Na época da edição da norma, técnicos estimavam que o perdão poderia chegar a R$ 1 bilhão.
O ato aborda a prebenda, remuneração recebida pelos pastores e líderes religiosos por serviços prestados às igrejas. A lei isenta a prebenda do recolhimento de contribuição previdenciária, desde que ela tenha relação com a atividade religiosa e não dependa da natureza ou da quantidade de trabalho.
A Receita, porém, havia detectado que algumas igrejas usavam a prebenda para driblar a fiscalização e distribuir uma espécie de participação nos lucros aos pastores que reuniam os maiores grupos de fiéis (beneficiando lideranças de templos em grandes cidades ou bairros, por exemplo) ou as maiores arrecadações de dízimo.
A Receita suspendeu a eficácia da ampliação do benefício tributário a pastores sob pressão do TCU, que ainda não tem uma decisão sobre o assunto.
Lula e o PT têm uma reconhecida dificuldade de penetração no meio evangélico —a última pesquisa Datafolha mostrou que seu governo é reprovado por 38% desse segmento, contra 30% da média nacional— e afirmam tentar estabelecer pontes.
Ranier Bragon/Folhapress
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