Governadores de direita articulam para Senado acabar com ‘saidinha’ de presos


Governadores de direita prometem pressionar o Senado a aprovar, na volta do recesso, em fevereiro, o projeto de lei que acaba com a saída temporária de presos, instrumento conhecido popularmente como “saidinha” e que tem gerado debate principalmente quando a liberação ocorre para visitas às famílias durante feriados e datas comemorativas.

O movimento já havia sido acordado em outubro durante a reunião do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) realizada em São Paulo, mas voltou a ser tratado como prioridade após um preso liberado para voltar para casa para as festas de fim de ano assassinar um sargento da Polícia Militar de Minas Gerais.

Participam da articulação política os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União-GO). Em tramitação desde 2013, o projeto inicialmente apenas limitava as saídas temporárias, mas foi alterado pelo relator na Câmara dos Deputados, Guilherme Derrite (PL-SP), atual secretário de Segurança Pública de São Paulo.

O texto foi aprovado em agosto de 2022 na Câmara e seguiu para o Senado. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi escolhido como relator na Comissão de Segurança Pública em maio de 2023 e apresentou parecer favorável um mês depois. O relatório, porém, não foi votado até o momento.

“Consideramos esse fator como um dos principais entraves para a segurança pública, já que não temos uma punição adequada ao criminoso por conta desse e de vários outros benefícios. O governador Tarcísio e eu devemos ir a Brasília no próximo mês para tratarmos desse assunto com o Senado”, disse Derrite.

Após a morte do PM mineiro, Zema foi às redes sociais cobrar a alteração da lei e dizer que “a mudança está parada” no Congresso. À reportagem, o governador disse que pediu aos parlamentares mineiros atenção especial ao projeto, defendeu que os critérios para uma eventual liberação temporária dos presos sejam mais rígidos e declarou querer debater a proposta do senador Sergio Moro (União-PR), que preserva a possibilidade de saída temporária para trabalho ou estudos, mas a extingue nos demais casos.

“A ressocialização é necessária, mas se for às custas de vidas, sou totalmente contrário. Não quero nenhuma ressocialização se for para pagar com vida de inocentes, que é o que tem acontecido”, disse o governador mineiro. “Da forma que está, ficou muito nítido com esse caso que é necessário um aperfeiçoamento. Aquilo que não está dando certo precisa ser revisto”.

Moro, por sua vez, diz que a ideia é votar o projeto na comissão ainda em fevereiro. “O objetivo do projeto de lei é exatamente o de prevenir situações na qual um preso perigoso é colocado na rua sem qualquer causa que justifique a medida”, disse o senador.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, afirma que a “saidinha” é uma “aberração”. Segundo ele, é de uma irresponsabilidade ímpar permitir que criminosos, condenados por crimes graves, tenham direito ao benefício de sair do presídio por alguns dias, quando tiverem bom comportamento. “Ter bom comportamento é obrigação do detento. Deveria acontecer o contrário, isto é, punir aqueles que não obedecem às regras com, por exemplo, aumento da pena”, diz o governador.

Em sua opinião, chega a ser “desanimador” que se faça sempre a mesma discussão sobre um problema sabidamente grave e que pode ser exterminado mudando as regras que, assinala ele, não existem semelhantes em nenhum outro lugar. Mas, agora, Caiado acredita que o projeto será aprovado no Senado por que a sociedade tem exigido medidas eficazes contra a criminalidade. “Se o criminoso sai por bom comportamento, a polícia nunca mais consegue pôr as mãos nele”, aponta.

Discussão tem contornos eleitorais em Minas Gerais

Em Minas Gerais, o debate, que já é politizado, ganhou contornos eleitorais a partir das cobranças de Zema e de parlamentares bolsonaristas, que também passaram a pedir pressa ao Senado. Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) é cotado para se candidatar ao governo do Estado em 2026 e disputaria a eleição contra um aliado de Zema. Em outro cenário, o governador e o senador poderiam ser adversários na disputa por uma vaga no Senado.

Pacheco declarou, um dia após o episódio, que o Senado mudaria a Lei de Execução Penal, que prevê a saída temporária, e depois chamou de “demagogos”, “oportunistas” e “desavisados” aqueles que disseram que a Casa comandada por ele demorou a analisar o fim das saídas temporárias.

“Não houve inércia do Senado. O projeto chegou e eu, como presidente, despachei à Comissão de Segurança Pública. Então, não ficou parado o projeto, ao contrário do que alguns disseram”, disse Rodrigo Pacheco. O presidente do Senado e o governador mineiro também trocaram farpas em dezembro, ao discutirem uma saída para as contas públicas do Estado.

Zema diz que sua relação com Pacheco é “muito boa” e elogiou o esforço dele sobre o tema e também na renegociação da dívida de Minas. Ele negou, no entanto, que os dois estejam se alfinetando. “O que eu vejo é que muitas vezes alguém interpreta que ele ou eu poderíamos estar mandando algum tipo de recado. De forma alguma. Eu acho que nós estamos querendo é somar por Minas Gerais”, declarou o governador.

Proposta vai contra a lógica da lei, diz especialista

Atualmente, a Lei de Execução Penal determina que somente presos em regime semiaberto têm direito às saídas temporárias. Também é necessário ter cumprido pelo menos um sexto da pena, em caso de condenação primária, ou um quarto, se for reincidente. Presos por crimes hediondos que resultaram em morte não têm direito às saídas.

A legislação abre possibilidade para cinco visitas à família por ano, com duração máxima de sete dias cada. Cabe ao juiz decidir sobre as liberações após consultar o Ministério Público e as direções dos presídios sobre quem tem bom comportamento. Tradicionalmente, as saídas temporárias ocorrem no Natal e Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia de Finados.

Além das visitas familiares, os presos podem pedir para frequentarem cursos supletivos profissionalizantes, segundo grau ou faculdade. Neste caso, eles ficam fora dos presídios pelo tempo necessário para assistir às aulas e se formarem. O texto atual em discussão no Senado acaba com todas essas regras ao revogar todo o capítulo que trata das saídas temporárias na Lei de Execução Penal.

Professor da PUC-RS, o sociólogo Rodrigo Azevedo afirma que a abolição das saídas temporárias vai contra a lógica da lei, cujo espírito é de preparar o preso para ser reinserido na sociedade, o que acontecerá em algum momento, pois o Brasil não tem prisão perpétua.

Ele considera como “muito restritivo” tanto o texto original quanto a ideia de Moro, e aponta como caminho a adoção de critérios mais rígidos para as saídas serem concedidas e não a extinção das ocasiões em que os presos podem deixar a cadeia. Azevedo sugere, por exemplo, que a participação em organizações criminosas seja um fator que impeça a saída temporária.

“São muito raras as situações em que o indivíduo não retorna ou que pratica delitos durante a saída. Quando acontece, a maioria das situações está ligada justamente ao vínculo do indivíduo a essas organizações”, diz ele, que é associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O especialista também pontua que os três governadores são de direita e enxergam o endurecimento como caminho para melhorar a segurança pública.

Em São Paulo, 1.566 (cerca de 4,5%) dos 34.547 presos que foram liberados para as festas de fim de ano não haviam retornado aos presídios até o dia 9 de janeiro, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Destes, 712 foram recapturados por descumprir alguma regra da saída temporária e em 81 casos os detentos foram flagrados cometendo novos crimes.

Pedro Augusto Figueiredo/Monica Gugliano/Estadão

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