O governo Lula (PT) privilegiou prefeitos e governadores aliados e do PT com verba extra liberada pelo Ministério da Saúde para financiar ações em hospitais e ambulatórios em 2023.
O município do Rio de Janeiro, que recebeu R$ 360 milhões, e os estados do Maranhão, Rio Grande do Norte e Pará lideram os repasses feitos em parcela única, principalmente nos últimos meses do ano. A verba adicional somou R$ 1,37 bilhão e foi distribuída a mais de 60 secretarias.
O valor foi liberado pela pasta comandada por Nísia Trindade. A ministra é um dos principais alvos do bloco do centrão, que mantém pressão constante sobre o governo Lula para conseguir mais recursos da Saúde e ainda cobiça o comando da pasta.
O dinheiro saiu após pedidos por “reforços” para financiar atividades de média e alta complexidade, setor classificado pela sigla MAC por gestores do SUS.
O ministério diz que seguiu critérios técnicos. “A atual gestão se deparou com serviços subfinanciados e políticas de saúde em risco sem a garantia de orçamento necessário em todo país”, afirmou a pasta.
Somando emendas parlamentares, Samu e outras verbas negociadas com o Congresso, o ministério repassou mais de R$ 70 bilhões a estados e municípios para bancar investimentos e custeio em hospitais e ambulatórios durante o ano.
Na lista de maiores beneficiados com o recurso extra também estão, entre outros, Araraquara, Diadema e Matão, municípios do interior de São Paulo comandados pelo PT, além de Cabo Frio (RJ), que ganhou R$ 55,4 milhões adicionais em dezembro, mais do que o valor extra destinado ao estado de São Paulo.
O dinheiro praticamente dobrou o repasse do ano para a cidade fluminense. Márcio Lima Sampaio, filho da ministra Nísia, tornou-se secretário municipal de cultura de Cabo Frio em janeiro de 2024. A pasta da Saúde nega relação entre a nomeação e o reforço feito ao município.
Os critérios para distribuir a cifra adicional de MAC estão entre os questionamentos apresentados à ministra Nísia pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e líderes do centrão.
Autoridades que acompanharam as negociações dizem que o repasse extra equilibrou a distribuição dos diversos tipos de verba da Saúde, especialmente a locais que não são redutos do centrão, o grupo que controla maior parte das emendas parlamentares.
“Os recursos para alta e média complexidade não devem ser analisados de forma parcial, isolando certos tipos de parcelas e deixando de compreender uma análise global, já que quaisquer recortes isolados não refletem a realidade do financiamento federal total”, disse a Saúde.
Prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT) afirmou que os serviços bancados pela verba extra beneficiam diversos municípios da região, inclusive aqueles de prefeitos da oposição. Ele disse ainda que a gestão da Saúde no governo Bolsonaro e o aumento da verba de emendas parlamentares distorceram os critérios de repasses para alta e média complexidade.
“Nós não recebemos os recursos necessários para enfrentar a pandemia, isso elevou a despesa com a saúde para 45% [do orçamento municipal], o que é absolutamente irreal, nenhuma cidade consegue sobreviver com gasto de saúde nesse patamar”, disse Edinho.
Em nota, a Prefeitura de Diadema disse que o recurso extra será usado para “complementar o custeio” da saúde local de média de alta complexidade, estimada em R$ 192 milhões anuais.
Hortolândia (SP), comandada por Zezé Gomes (ex-PT, PL e atual Republicanos), recebeu R$ 50,7 milhões adicionais em novembro passado. A cifra ultrapassa os cerca de R$ 30 milhões de teto do município.
O governo federal banca parte das atividades de média e alta complexidade em saúde. O valor repassado a estados e municípios, conhecido como “teto MAC”, considera exames, cirurgias e atendimentos feitos em cada local, entre outros fatores. Os governos locais, em geral, avaliam que o repasse poderia ser maior e mantém pressão sobre a Saúde para aumentar o teto.
Além do valor programado pelo teto, que é repassado em parcelas mensais, o financiamento de média e alta complexidade pode ser reforçado por emendas parlamentares e pela verba extra que costuma ser distribuída pela Saúde quando há sobra ou aporte de recursos ao ministério.
No caso de Hortolândia, o valor foi enviado para a cidade por “decisão do presidente Lula”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), em vídeo divulgado nas redes sociais.
A prefeitura declarou que o recurso adicional tem “caráter técnico”.
O Governo do Pará, comandado por Helder Barbalho (MDB), aliado de Lula, afirmou que a verba foi destinada para a “assistência financeira emergencial de unidades públicas que estavam sendo financiadas exclusivamente com recurso estadual”.
O estado de São Paulo, governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), é o 10º do ranking na soma de repasses em parcela única, a melhor posição entre uma gestão não alinhada ao governo federal. A secretaria estadual recebeu R$ 50 milhões nesta modalidade de reforço.
A Saúde afirma que só libera os recursos extras quando há pedido aprovado pela comissão que reúne secretários municipais e estaduais. Ainda são avaliados fatores como procedimentos realizados no local, capacidade instalada da rede de serviços, leitos disponíveis e ações sem financiamento federal, segundo a pasta.
“É óbvio que qualquer governo vai induzir políticas públicas alinhadas a suas características e objetivos. Isso é bom”, disse o secretário municipal do Rio, Daniel Soranz (PSD) sobre os repasses adicionais. A cidade é comandada por Eduardo Paes (PSD), aliado de Lula.
O maior teto MAC entre os municípios é de Belo Horizonte, de R$ 1,6 bilhão. A capital mineira recebeu cerca de R$ 600 per capita em 2022 da verba de média e alta complexidade própria do ministério (sem somar emendas).
No mesmo recorte, o Rio teve R$ 190 por habitante. Gestores do SUS e das cidades citam este tipo de exemplo para defender compensações, por exemplo, com o reforço de verba em parcela única.
“Essas entradas pontuais são ligadas à implementação de novos serviços, são importantes, valem muito a pena, mas na maioria das vezes são meras compensações àquilo que essas cidades e estados perderam [de financiamento]. Quando você olha e calcula o valor per capita de MAC a algumas cidades, há uma distorção absurda”, afirmou o secretário municipal do Rio.
Em alguns casos, as prefeituras beneficiadas com os repasses adicionais ganharam verba que multiplicou seus recursos.
Matão (SP), governada pelo PT, recebeu aporte de R$ 16,5 milhões em dezembro, valor mais de oito vezes superior ao teto anual, de R$ 2 milhões. Em nota, a prefeitura disse que a cifra não é direcionada à gestão municipal, mas para hospital filantrópico instalado na cidade.
A Secretaria de Relações Institucionais, comandada por Padilha, disse que “não faz indicações de beneficiários para a execução de repasses”. A Saúde disse, em nota, que incorporou cerca de R$ 8 bilhões aos repasses de MAC, contemplando mais de 2,9 mil municípios brasileiros e 4,4 mil estabelecimentos de saúde em todo Brasil.”
Mateus Vargas/Folhapress
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