Lula já tinha discurso conciliador com militares há 20 anos e agora justifica com 8 de janeiro

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O presidente Lula (PT) repete no seu terceiro mandato o discurso conciliador com as Forças Armadas de suas gestões anteriores, mas agora com a justificativa de que sua preocupação é com responsabilizar os ataques golpistas de 8 de janeiro.

O aniversário de 60 anos do golpe militar acontece em meio a um silêncio do governo federal, imposto por Lula, e também da caserna, após anos de notas celebrativas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Hoje, além de descumprir a promessa de recriar a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMDP), o petista também não recebe familiares de vítimas do regime.

O chefe do Executivo, em discursos oficiais e reportagens da época de seus dois primeiros mandatos revisitados pela Folha, sempre fez questão de destacar o papel institucional dos militares, elogiá-los e dizer que estão “irmanados com o povo”, como o fez em seu discurso de posse em 2003.

Além disso, ele incrementou o Orçamento das Forças Armadas no primeiro mandato e criou o programa Soldado Cidadão, cuja missão era facilitar a entrada de recrutas no mercado de trabalho.

Em agosto de 2006, por exemplo, o presidente visitou um grupo de artilharia e oficiais do programa lançado dois anos antes. Na ocasião, falou sobre “preconceitos” com militares e em estabelecer relação entre militares e civis.

“Houve problemas, preconceitos, e eu dizia aos comandantes que era importante que nós não nos dividíssemos por farda, que nós nos sentíssemos todos brasileiros, cada um cumprindo a sua função, o metalúrgico na metalurgia, o político na política e o militar na caserna, cumprindo as suas funções e guardando, com soberania, as nossas fronteiras”, disse.

Lula, enquanto liderança sindical, também foi perseguido e preso pela ditadura militar. Mas, na época em que chegou ao Palácio do Planalto, o regime estava fora da agenda do noticiário e da opinião pública, mais preocupada com temas como aumento do salário mínimo, Orçamento e reajustes.

Tanto que, em 2004, no aniversário de 40 anos do golpe, o então porta-voz presidencial, André Singer, disse em nome de Lula:

“Devemos olhar para 1964 como um episódio histórico encerrado. O povo brasileiro soube superar o autoritarismo e restabelecer a democracia. Cabe agora aos historiadores fixar justa memória dos acontecimentos”.

Uma visão de reparação pela ditadura militar como discurso de governo surgiu com mais força com Dilma Rousseff (PT) e chegou ao seu ápice com a criação, em 2012, da Comissão Nacional da Verdade -responsável por despertar o mal humor dos militares.

Anos depois, Bolsonaro trouxe o revisionismo da ditadura militar para o governo, passou a comemorar o golpe e se aproximou das Forças Armadas de tal forma que contratou uma crise delas com Lula no início do governo.

No pós-Bolsonaro e com as Forças na mira da Polícia Federal e de Alexandre de Moraes, Lula novamente retoma o discurso conciliador ao falar em “tocar o país pra frente” e citando os ataques que tentaram desestabilizar o seu governo, em janeiro de 2023.

Ele também mantém boa relação com os três comandantes de Forças, participa de eventos ao lado deles e até vai a jantares.

O presidente, contudo, tem enfrentado críticas de aliados e de apoiadores por se silenciar sobre a ditadura, e por criar uma dicotomia entre tratar do tema ou dos ataques às sedes dos três Poderes no ano passado.

O veto a atos pela efeméride não foi o único gesto do presidente para não “remoer” a ditadura militar, num termo utilizado pelo próprio recentemente.

O mandatário não recriou a CEMDP como havia prometido. O colegiado foi extinto ao apagar das luzes por Bolsonaro.

Além disso, a verba disponível hoje no Orçamento para ações sobre a ditadura são cerca de 96% inferior a uma década atrás.

Lula, até o momento, também não recebeu familiares de vítimas do regime -que, em sua maioria, apoiaram-no.

“Não nos recebeu até a presente data e não reeditou a comissão. Mas o mais forte é, próximo dos 60 anos do nefasto golpe, ele falar em não remoer o passado. Isso feriu a gente”, disse à Folha Diva Santana.

Ela é irmã e cunhada de militantes mortos na ditadura. Também já foi conselheira da Comissão de Mortos de Desaparecidos e é diretora do grupo Tortura Nunca Mais na Bahia.

“Espero que ele reflita sobre o que disse. Meu primeiro voto foi para Lula presidente. Todas as campanhas dele, não apenas votei, como panfletei, fui para comício. Defendo governo, mas não quer dizer que eu não vou criticar quando ele fere as pessoas”, completou.

Segundo contou, familiares estiveram com o ministro Silvio Almeida (Diretos Humanos) em março do ano passado, a convite dele. O encontro foi positivo e de lá saíram com a promessa de recriação da comissão.

Então, enviaram ofícios para a Presidência, pedindo encontros com Lula, com ajuda de parlamentares. Em agosto, Diva veio a Brasília com um grupo de familiares para participar de um debate na Câmara sobre a Lei da Anistia.

Depois, chegaram a ir para a frente do Palácio do Planalto, onde tentaram organizar um pequeno ato para chamar atenção do presidente, sem muito sucesso. A negativa oficial a um encontro com Lula veio no fim do ano passado.

Em entrevista à RedeTV!, no final de fevereiro, Lula foi questionado sobre quais os planos do governo para o aniversário de 60 anos do golpe militar.

Na ocasião, o mandatário disse estar mais preocupado com 8 de janeiro do que com 1964.

“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente”, disse.

A fala repercutiu mal entre familiares de vítimas da ditadura. Em uma nota divulgada no dia seguinte, mais de 150 entidades da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia classificaram a declaração como “equivocada”.

Aliados da velha guarda e petistas também criticaram o posicionamento.

“Não há futuro sem entender e tirar lições do passado, inclusive do presente. Porque nós não queremos que o passado do golpe de 1964 volte sobre a forma do 8 de janeiro ou de outras tentativas que são muito comuns na história dos militares brasileiros”, disse o deputado federal e ex-presidente do PT, Rui Falcão (SP).

Para ele, Lula está concordando com o posicionamento do ministro José Múcio (Defesa), “que acha que a melhor saída para resolver essa tradição dos militares é passar o pano no passado e não investigar a fundo”. Visão que ele critica, aliás.

Por isso, assim como outros parlamentares do PT ou aliados, Falcão defende a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que pretende apresentar modificando o artigo 142 da Constituição, a proposta de Carlos Zarattini (PT-SP) tem três pontos principais: a proibição de militares da ativa exercerem cargos civis, o fim das operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) na área de segurança pública e uma redação que exclua explicitamente a possibilidade de atuação política dos militares.

Hoje, o artigo é interpretado de forma distorcida por quem enxerga um “papel moderador” das Forças Armadas, que supostamente autorizaria intervenção militar na política.

Marianna Holanda e Renato Machado / Folhapress

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