O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta-feira, 28, que não precisa lidar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, com o mesmo “nervosismo” dos europeus, por estar distante da guerra na Ucrânia. O presidente da França, Emmanuel Macron, convidado de Lula, afirmou por sua vez que não pode ser “fraco” com os russos.
Macron concluiu nesta quinta em Brasília uma visita de Estado de três dias ao Brasil, a mais prestigiada de um chefe de Estado estrangeiro. Ele foi recebido com tapete vermelho na Praça dos Três Poderes. O francês veio de Paris disposto a tentar convencer o petista a pressionar Putin a parar a guerra.
“Estou a tantos mil quilômetros de distância da Ucrânia que não sou obrigado a ter o mesmo nervosismo que tem o povo francês, que está mais próximo, o povo alemão, o povo europeu”, afirmou Lula. “Os dois bicudos vão ter que se entender”, emendou, referindo-se a Putin e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski.
A declaração de Lula se soma a outras que soaram como pró-Rússia, na abordagem do conflito. O presidente brasileiro já disse que os dois países tinham responsabilidades similares no conflito, apesar de os russos terem invadido o país vizinho há dois anos unilateralmente, e chegou a especular que a Ucrânia cedesse a Crimeia, tomada à força em 2014 por tropas russas, para encerrar a guerra. A proposta repercutiu mal na Europa e foi prontamente rechaçada por Zelenski.
Neste mês, Lula enviou uma carta felicitando Putin por vencer uma eleição controlada, sem adversários reais, que lhe permitirá chegar a 30 anos no poder em Moscou. O PT remeteu a Moscou uma carta citando a vitória histórica de Putin, que foi vista como não democrática por potências ocidentais, devido à repressão e morte de opositores e controle da imprensa.
Putin no G-20
O presidente insistiu que o Brasil não tomou lado, defendeu a negociação de paz entre Kiev e Moscou e se disse um “pacifista”. Lula foi questionado sobre ter estendido um convite e defendido a presença de Putin no Rio, para a Cúpula do G-20, em novembro, e sobre as ameaças de Macron de enviar tropas para lutar na guerra na Ucrânia.
O petista já havia dito que Putin seria bem-vindo no Brasil, mesmo tendo contra si um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional. Lula chegou a sugerir que Putin não seria preso, mas depois recuou e afirmou que a decisão cabia à Justiça. Mesmo assim, integrantes de seu governo têm dito que o russo possui certas imunidades por ser chefe de Estado.
“Conheci o Putin no G-7, no G-20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte”, argumentou Lula. “Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países, e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda”.
Macron disse que não deve dar lições de moral a ninguém e que o convite a Putin para o G-20 é um problema a ser resolvido pela diplomacia brasileira. Ele, no entanto, indicou que a presença de Putin pode não ser construtiva.
“Lula sabe quem ele convida, é de sua responsabilidade. O sentido do G-20 é que tudo é feito em comum acordo, em discussão com os outros. Com respeito mútuo, a diplomacia brasileira vai conduzir as concertações com toda a responsabilidade”, disse Macron. “Temos que saber como lidamos com os outros. O sentido desses clubes de reuniões é haver consenso. Nós vamos ajudar. Se valer a pena, nós o faremos. Se não valer a pena e só suscitar divisões entre os pares, não serve”.
Segundo o francês, ele já discutiu antes no âmbito do G-7 se Putin deveria ser convidado ou não. Macron afirmou ter recuado depois que outros líderes ameaçaram se ausentar em protesto, caso Putin fosse convidado.
Na prática, o grupo era originalmente o G-8, mas a Rússia foi suspensa após ter invadido a Crimeia, em 2014. Desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, as potências europeias e os EUA têm defendido a exclusão do russo de outros fóruns. Ele não participou do G-20 em Nova Déli, Índia, em 2023. O Brasil é contra a estratégia.
Tropas na Ucrânia
O francês disse que o Brasil tomou uma decisão relevante de condenar a agressão russa, mas sustentou a necessidade de auxiliar a defesa da Ucrânia indo além de “deplorar a invasão”. Segundo ele, 90% do material bélico usado na Ucrânia vem de fora, sobretudo da Otan. Semanas atrás, Macron disse que o envio de tropas europeias à Ucrânia deveria ser considerado, o que gerou controvérsia na aliança militar ocidental, e Putin rebateu.
“Temos de ser responsáveis, mas não fracos”, afirmou Macron no Planalto. “Fui sincero no que disse. A França é uma potência de paz, quer o diálogo, mas não somos fracos e se houvesse uma escalada sem fim da agressão, temos que nos organizar para não apenas lamentar, defender a democracia e o direito internacional. Conversei com Putin durante muito tempo. Se pudermos retomar a discussão, estarei lá.”
Gaza, extrema-direita e submarinos
Em diálogo geopolítico, o presidente Lula também disse que a França e Brasil servem como “ponte” entre países do Sul e do Norte. Lula afirmou que França e Brasil são as potências mais próximas uma da outra. Ambos advogam pela reforma de instituições multilaterais.
“A paralisia do Conselho de Segurança (da ONU) frente à guerra na Ucrânia e em Gaza é alarmante e inexplicável. As teses que questionam a obrigatoriedade do cumprimento da recente determinação de cessar-fogo em Gaza durante o mês do Ramadã corroem, mais uma vez, a autoridade do Conselho”, disse Lula, em crítica velada a Israel.
O petista e Macron destacaram a independência de suas políticas externas e ressaltaram o aprofundamento da cooperação estratégica em Defesa. Eles afirmaram que vão criar uma nova página nessa, mas fontes da delegação francesa disseram que Macron ainda não cedeu aos pedidos de mais cooperação para construção de um submarino nuclear, por parte da Marinha do Brasil.
A expectativa de Macron é de que possam ser desenvolvidas “novas gerações de submarinos e novos helicópteros” – já existe parceria nos dois produtos -, e que as indústrias brasileira e francesa possam fazer aquisições conjuntas.
Lula disse que a democracia está à sombra do extremismo e manifestou preocupação com a disseminação do discurso de ódio. Os governos assinaram um acordo de educação midiática.
Já Macron, que também enfrenta forças políticas de extrema-direita na França, se disse impressionado pela reconstrução da Praça dos Três Poderes, que segundo ele foi destruída por “inimigos da democracia “. Ninguém está a salvo de forças extremas que vêm estremecer a democracia, e o Brasil resistiu a isso”, disse o francês.
Felipe Frazão/Estadão
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