Embora não fosse o ponto central do julgamento no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná sobre o senador Sergio Moro (União Brasil), a utilização de recursos públicos geridos por partidos para pagamento de segurança pessoal de filiados foi um ponto contestado por juízes da corte regional ao longo dos seus votos.
Moro se tornou alvo de uma ação judicial no TRE, movida pelo PT e pelo PL, por suposto abuso de poder econômico no período da pré-campanha. A tese foi rejeitada ao final do julgamento, na terça-feira (9), pelo placar de 5 a 2. Os dois partidos anunciaram que vão recorrer ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No processo que foi concluído na semana passada, o cerne da discussão era se os gastos com segurança tinham ou não relação com a eleição de 2022 e se poderiam ou não ser incluídos no rol de despesas da pré-campanha de Moro, para análise de eventual gasto excessivo de verba partidária naquele período.
Mas, em paralelo a isso, mesmo juízes com votos divergentes anotaram durante seus argumentos que despesa com segurança pessoal não poderia ser paga com recursos públicos recebidos pelos partidos —via fundo partidário ou eleitoral—, indicando que isso poderia configurar uma ilegalidade.
O assunto poderá voltar a ser debatido no julgamento no TSE, que ainda não tem data para acontecer.
Procurados, os partidos União Brasil e Podemos, que abrigou Moro à época, defenderam que não há qualquer irregularidade nos gastos com segurança. “As contas do partido encontram-se absolutamente compatíveis com a legislação em vigor”, disse a União, em nota.
O Podemos argumenta que há precedentes sobre uso de recursos públicos em casos em que o filiado é uma figura pública e alvo de ameaças. Pelo mesmo motivo, o advogado de Moro, Gustavo Guedes, já havia declarado que também considera a utilização regular.
Em seu voto, o relator do caso, Luciano Carrasco Falavinha, entendeu que gasto com segurança não deveria constar na soma das despesas da pré-campanha de Moro. “Não desconheço que a lei eleitoral não prevê o pagamento de despesa com segurança particular como verba autorizada pelo fundo partidário”, observou.
Falavinha ainda citou um caso analisado pelo TRE do Distrito Federal, no fim de 2022, no qual a prestação de contas de uma candidata eleita foi aprovada com ressalvas em função da utilização do fundo partidário para pagamento de segurança, entre outros motivos. A decisão foi pelo ressarcimento ao erário dos valores gastos.
Por outro lado, o relator também citou um precedente favorável ao uso dos fundos para segurança. Ele se refere a uma decisão do TSE do fim de 2023, em que gastos com segurança foram considerados regulares na prestação de contas do PSOL, sigla da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em 2018 junto com o motorista Anderson Gomes. No julgamento no TSE, porém, foi ressaltada a questão da violência de gênero.
Voto contrário a Moro na corte paranaense, o juiz Julio Jacob Junior avaliou que a exceção aplicada ao PSOL não se estenderia ao caso do senador e foi mais enfático ao apontar o problema.
Jacob afirmou que gasto com segurança pessoal bancado com dinheiro público é considerado “indevido para todo o rol de candidaturas”. “Julgados como este podem ser encontrados em prestações de contas em todo o país e as poucas exceções a esta regra, quando admitidas, tinham como objeto a proteção das mulheres contra a violência de gênero”, disse Jacob.
O juiz também chamou atenção para o fato de a prestação de contas de campanha de Moro aparentemente trocar gasto com “segurança e transporte” por gasto com “transporte”, apenas.
“Soma-se a isso a pitoresca verificação trazida pela prova dos autos, no sentido de que, de forma deliberada, os gastos com segurança e transporte foram descritos na prestação de contas de campanha como gasto eminentemente de transporte, enquanto que, na emissão das notas fiscais em todo o período de pré-campanha, o termo segurança, que de fato é o principal objeto da contratação, era destacado”, disse o juiz.
“O que parece uma simples troca de expressões para o mesmo serviço tem para a Justiça Eleitoral uma relevância distinta. Isto porque dentre as despesas passíveis de serem consideradas no rol das despesas de campanha eleitoral não estão previstos gastos com segurança”, continuou ele.
Procurada, a defesa de Moro disse que não comentaria “trechos isolados dos votos”.
Diferentemente do relator, Jacob defendeu ainda que o gasto com segurança fosse incluído na soma da pré-campanha de Moro. Ele entende que, como a contratação de segurança foi uma exigência imposta por Moro logo no início da sua pré-candidatura, a despesa estaria diretamente relacionada ao pleito de 2022.
“O que para a defesa é tratado como um irrelevante eleitoral e para o ex-juiz uma afronta à integridade física sua e da sua família, para o cidadão representou um gasto de dinheiro público na ordem de mais de meio milhão de reais (R$ 591.181,91)”, afirmou.
Para Falavinha, a necessidade da contratação de serviços de segurança pessoal e de escolta armada “é compreensível”, já que Moro e sua família eram alvos de ameaças de facções.
Ele também considera “evidente que a contratação de segurança pessoal não possui aptidão a fomentar a candidatura e atrair votos”. “Ao revés, pode até mesmo representar obstáculo à aproximação com o eleitorado”, disse o relator, na linha do argumento apresentado pela defesa de Moro.
O advogado Waldir Franco Felix Junior, que atua com direito eleitoral, cita o precedente do PSOL e afirma que não há “óbice ao uso do fundo partidário para gastos com segurança de candidatos ou mesmo pré-candidatos”.
Ele acrescenta, contudo, que o emprego do dinheiro deve ser justificado, como uma “ameaça crível”, por exemplo.
Já o advogado Paulo Ferraz, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), defende a regularidade dos gastos com base no artigo 44 da Lei dos Partidos Políticos, que define onde o dinheiro do fundo partidário pode ser aplicado. Ferraz cita que o uso para “pagamento de pessoal, a qualquer título” é permitido e que esse trecho da lei contemplaria os gastos com segurança.
“Há que se destacar que o fundo partidário é dinheiro público e, por isso, a fiscalização deve ser muito mais minuciosa.”
Catarina Scortecci/Folhapress
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