A descoberta de uma jazida mineral ou o anúncio da chegada de uma empresa mineradora costuma causar alvoroço nos municípios envolvidos, por motivos previsíveis. A injeção direta dos recursos necessários para a operação da reserva – e a decorrente criação de empregos diretos e indiretos – costuma estimular a economia das cidades e movimentar fortemente setores como varejo e serviços. As administrações dos municípios também se beneficiam: com economia mais forte, as prefeituras passam a recolher mais impostos, o que possibilita a ampliação e a melhoria dos serviços que oferecem à população.
Além disso, os municípios que passam a ter seus territórios explorados por atividades de mineração passam a contar com uma nova fonte de recursos, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). A taxa, conhecida como “royalties da mineração”, é recolhida pelas empresas mineradoras e repassada para Estados e municípios onde há atividade de mineração.
A arrecadação com a CFEM vem crescendo fortemente nos últimos anos na Bahia, que ocupa a terceira posição dos Estados que mais recebem a compensação, atrás apenas de Pará e Minas Gerais. De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), em 2023, a Bahia recebeu R$ 168.811.542,59 de CFEM, 191,3% a mais do que o havia recebido em 2019 com a contribuição (R$ 57.946.200,47).
O volume de recursos recebidos pelos municípios produtores evoluiu em igual medida, na média. Em alguns casos, o avanço foi exponencial. O município de Sento Sé, no norte do Estado, por exemplo, viu a arrecadação anual com a contribuição decolar de R$ 37.383,34 em 2020 para R$ 8.385.872,70 em 2023 – um aumento de incríveis 22.332%.
Segundo a regulamentação, os recursos provenientes da CFEM não podem ser aplicados em pagamento de dívidas ou de folhas salariais. O montante deve ser investido em projetos que revertam em benefício da comunidade local, na melhoria da infraestrutura, do meio ambiente, bem como na atenção à Saúde e à Educação. Assim, o esperado é que as administrações das cidades nas quais a atividade de mineração exista consigam transformar a riqueza do solo em melhoria de qualidade de vida da população.
Má administração
Não é essa, porém, a realidade registrada em muitas das cidades baianas que têm na mineração boa parte de suas atividades econômicas – na maioria delas, a principal. Nos dez municípios baianos com mais arrecadação de CFEM, por exemplo, índices que medem a qualidade de vida geral da população, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apontam resultados “baixos” ou “médios”.
Outro indicador importante para a evolução das cidades, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – que mede a qualidade do ensino nos primeiros anos da educação formal –, tampouco é motivo de comemoração. Em todos esses municípios, o Ideb está abaixo da meta estabelecida.
Em alguns casos, o índice vem caindo, mesmo com a injeção adicional de recursos. Em Campo Alegre de Lourdes, no Vale do São Francisco, por exemplo, o Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental vem em queda desde 2015 e está em 4,0 – quando a projeção para o município era de 5,2. Nos anos finais do ensino fundamental, a situação é ainda pior: nota de 3,3, quando a meta era de 4,7. O prefeito Enilson Marcelo Rodrigues da Silva foi procurado para comentar os dados, mas não retornou.
No município de Sento Sé, hoje o quinto maior arrecadador de CFEM no estado, a nota para os anos finais do ensino fundamental está em 3,9, quando o esperado era de 4,6. A prefeitura também foi procurada para esclarecer a situação, mas não houve respostas.
Sexta que mais recebe a CFEM na Bahia, Andorinha, no centro-norte do Estado, tem Ideb ainda mais baixo para os anos finais da educação fundamental, 3,7 – ante uma meta projetada de 4,6. O Ideb para os anos iniciais é até um pouco melhor, 4,1, mas também longe da meta projetada, de 4,9.
Ali, além da falta de evolução dos índices educacionais, sobram problemas de infraestrutura para acesso às escolas: na última semana, viralizaram vídeos de veículos escolares atolados em uma via de acesso a uma das instituições de ensino do município, localizada em um distrito.
“Os ônibus que levam os alunos ficaram atolados em um ‘riacho’ que atravessou a estrada e os alunos tiveram de ir para a lama tentar tirar os veículos”, narra o vereador de Andorinha Neguinho do Grigório. “Isso sem falar na situação das próprias escolas, que estão sem manutenção, com salas sem piso, com o mato tomando conta...”, completa.
Nem os municípios que mais arrecadam CFEM no Estado escapam dos maus desempenhos. Jacobina, que recebeu R$ 27,3 milhões de “royalties da mineração” apenas no ano passado, é outra que vê seu Ideb em queda desde 2017. O atual índice para os anos iniciais está em 4,5 – a meta era de 5,2. Para os anos finais, o Ideb está ainda mais baixo, 3,8, longe da meta projetada de 4,6.
“A verdade é que a gente sempre espera melhorias com os investimentos que são feitos na cidade, mas só se beneficia de verdade quem trabalha diretamente com a mineradora”, afirma uma professora de uma escola na zona rural de Jacobina, que pediu para não ser identificada. “Não sei onde esses tais ‘royalties’ são aplicados, mas certamente não é na educação.”
Um estudo conduzido na região do sertão do São Francisco pela pesquisadora Maryângela Ribeiro de Aquino, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), atesta que “inexistem informações transparentes nas Prefeituras Municipais sobre o uso e a destinação” da CFEM. “Na forma operada, (a CFEM) não é eficaz na promoção de melhorias do bem-estar social das populações de municípios mineradores”, conclui o estudo.
Todas as dez prefeituras que mais recebem recursos da CFEM foram procuradas pela reportagem de A TARDE para responder sobre a destinação dos recursos, mas nenhuma retornou.
A Tarde
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